IR... E VOLTAR!
«Há mar e mar... há ir e voltar!» - alertava-nos, durante longo tempo, um popular slogan, criado por um grande Poeta português. Com efeito, tal como a maré - que é alta ou baixa - , o sol - que brilha da alvorada ao poente - , a lua - a dormir em diferentes quartos, do crescente ao minguante - , a nossa vida faz-se mais em movimento do que em pausa, na agitação ofegante dos dias e na cadência repetitiva dos quotidianos.
Saímos de manhã para regressarmos ao final da jornada, deixamos a semana para descansarmos com o fim dela, trocamos o trabalho pelas férias e a terra onde somos por outras que queremos experimentar, sentindo-lhes a pulsação.
Entre o ir e o voltar há um parêntesis que nos faz fintar a rotina do quotidiano. É como se pudéssemos vestir outra pele, experimentar outra vida, dar fôlego - em simultâneo - a existências paralelas.
Se regressamos a lugares onde já vivemos, espantamo-nos com a meticulosa, segura e monótona cadência das pessoas que mantêm a sua vida, fiéis ao lugar de sempre, à mesma profissão, às imutáveis tarefas: o dono de um café que saúda e serve os habituais clientes de forma inalterável, apesar dos anos, a esposa de um nosso antigo merceeiro, que continua a ser a meticulosa e vetusta guardiã da máquina registadora.
Há nostalgias que se ganham então, como se trouxessem o aroma das suculentas sopas que uma das nossas avós nos preparava, em menino, e alegrias, por termos podido ganhar asas rumo a outros quotidianos, igualmente dignos, mas pintados em distintos tons de azul.
Dos lugares desconhecidos, fica-nos a leveza de atingirmos o âmago da paisagem e das pessoas, a tal ponto que nos aproximamos, sem nos apercebermos, do olhar cristalino das crianças que, sem estarem ainda condicionadas pelo produto de experiências dolorosas ou pelos condicionalismos espartilhados das vivências sociais, chegam mais depressa à realidade e muito facilmente ao essencial (que os adultos, tantas vezes, parecem não querer ver).
Tal como o slogan publicitário do Poeta, é pelo mar que nos borda que saímos, quais gaivotas em busca de alimento e liberdade. Poderemos, pelo menos, andar de chinelos como os ingleses fazem na nossa terra e exagerar nas porções do pequeno-almoço no hotel, porque até não há vizinhos que nos conheçam a controlar-nos.
Somos - em maior ou menor grau e por muito que nos doa - marionetas no palco da vida, cumprindo as regras que nos ditam, as obrigações que nos impõem e os preconceitos herdados, se não os soubermos filtrar.
Tal como o homem de letras nos alerta, é vencendo o mar que chegamos, renovados pelo contacto com os novos lugares e estimulados pelo parêntesis conquistado à implacável rotina. Com a vinda, absorvemos a Ilha com cores mais brilhantes, radiografando-lhe mais facilmente a beleza, a qualidade de vida e as vantagens. Quase negamos os cansaços naturais que nos pesavam e nos estimularam a sair, por uns tempos.
Se soubémos aprender com as realidades externas mas não necessariamente piores, se sentimos que fomos capazes de navegar na barca das outras culturas, sem as desdenharmos por serem, tão somente, diversas da nossa, então chegámos mais enriquecidos, sem dúvida mais cultos e melhores. Mais capazes de amarmos o território que é nosso, sem precisarmos de negar nenhum outro, dando à Ilha o contributo do que de bom interiorizámos e nos fez crescer!
ANTÓNIO CASTRO
Revista «Saber»
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