O lado Lilith da maternidade
O que poderíamos falar sobre a maternidade? A maternidade já foi considerada pelas feministas como símbolo de opressão das mulheres. Depois, passou a ser compreendida como um poder que só elas possuíam e que por isso, seria motivo de inveja por parte dos homens, os quais não podem gestar.
Hoje, vivemos num tempo pós conquistas do movimento feminista, em que podemos falar em direitos reprodutivos e direitos sexuais, liberdade para poder optar por ter ou não filhos, quantos e quando tê-los. É a era dos bebês de proveta, da clonagem reprodutiva.
Contudo, por mais que hoje as mulheres possam optar, e ter mais autonomia para decidir se querem ou não ser mães, em uma sociedade alicerçada no patriarcado, no modelo de família heterossexual e no cristianismo, a pressão social pela realização da maternidade ainda existe e é muito forte. A feminilidade é associada à maternidade. Não é o que se percebe com relação aos homens, sua masculinidade não está associada à paternidade. Pelo menos, não de um modo tão explícito. Um homem pode ser considerado viril sem precisar ser pai. Mas a mulher será menos feminina, ou seja, menos mulher se não conseguir “dar ao marido” um filho (de preferência, varão).
A maternidade é uma realização genuína, e, sem dúvida, inigualável, porém, para que ela possa ser vivenciada com dignidade e satisfação plena, é preciso que sejam dadas condições dignas. Mas também, ela não deve ser uma imposição, fazendo com que aquelas mulheres que não compartilham desse desejo sejam discriminadas e consideradas menos femininas por não quererem ser mães.
Apesar das conquistas feministas, convivemos no país com dados alarmantes de mortalidade materna diante da precária assistência à saúde reprodutiva das mulheres. Ironicamente (ou propositadamente), é também no mês de maio que temos no Brasil o dia pela luta contra a mortalidade materna: 28 de maio. A morte materna é considerada a que ocorre entre as mulheres que se encontram no período entre gestação, parto e pós-parto, ou seja, em plena vivência da maternidade. Num país como o Brasil, com tantas desigualdades, onde ainda tantas mulheres morrem por causas evitáveis: sequelas de aborto feitos de forma clandestina e insegura; falta de acompanhamento pré-natal, a maternidade, principalmente, para as mulheres pobres, se coloca como um grande desafio. E, para as mulheres que querem seguir uma carreira profissional, a realização da maternidade continua sendo um dilema, já que ainda são elas as mais sobrecarregadas nas responsabilidades parentais.
Acredito que, para que possamos estar aqui realmente comemorando o dia das mães, ainda há um longo caminho a percorrer.
Vera Simone Schaefer Kalsing
Publicado originalmente no Jornal VS de São Leopoldo/RS em 14 de maio de 2010.