PELA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Prestem atenção nesta manchete de um dos jornais de maior circulação, no Ceará, a nossa fonte*, neste artigo, além dos noticiários de rádio e televisão: “Dono de jornal de oposição é sequestrado e torturado”. Quer dizer, uma ação macabra e criminosa de jagunços, em pleno chão do Terceiro Milênio. Inadmissível, esta coisa de vendeta, por razões de ideias, num estado democrático e de direito. Das décadas de 50, para mais além, lá bem atrás, no Nordeste e em grande parte do resto do País, a prática do amordaçamento político-ideológico era comum e corrente, a começar pelo coronelismo e a existência dos “currais eleitorais”, sobretudo no interior.

Agora, como um remate desse fato, leiam a entrada da mesma matéria jornalística: “TORTURA // O dono do jornal SEM NOME, de Juazeiro do Norte, Gilvan Luís, foi sequestrado e torturado por suposto motivo político, na noite da última quinta-feira. Seu sócio e amigo, Fábio Sousa, atribuiu a autoria do crime ao prefeito do Município, Manoel Santana (PT, inserção, aqui, do articulista), que repudiou a agressão. O advogado promete entrar com ação por calúnia”.

Não acusamos o prefeito apontado como o mandante do sequestro e das torturas deploráveis, enfim, todas aquelas atrocidades cometidas contra um radialista e jornalista da terra do “meu Padim Ciço”. Vimos cenas televisivas chocantes, e a vítima estava literalmente toda quebrada, nem ainda se sabe se terá sobrevida. Quatro jagunços armados levaram-no, de carro, um veículo roubado em outra cidade da região do Cariri, mas, até hoje, sábado, sem nenhuma prisão efetivada.

Jamais faríamos acusação a um ilustre desconhecido, até porque também estaria eu correndo o risco de responder a processos. Há, também, um vereador citado como um dos envolvidos, Roberto Sampaio (PSB). Lamentável, isto: ambos são políticos de partidos que se queixam de ser democráticos e mais à esquerda. De acusados tão distantes, além do mais, dois camaradas desfigurados, sem notoriedade nos foros das politiquices estaduais, e mais ainda sem termos quaisquer provas à mão, como que iria reivindicar-me o direito de acusar este ou aquele?

Sequer vimos o prefeito pela tevê, uma vez que mesmo os marginais pegos em flagrante estão proibidos de mostrar a cara, nos meios de comunicação, mercê da vontade soberana do atual Secretário de Segurança do Estado do Ceará, ao que parece um exímio humanista, homem caridoso e bonzinho, o Sr. Roberto Monteiro. Sem querer atiçar suspeição em ninguém, mormente nesse caso de Juazeiro, os célebres votos de repúdio e ameaças de processar alguém por calúnia e difamação – quando vêm de políticos – são os instrumentos mais corriqueiros deste mundo, mesmo que advindos certos fora da lei.

O coronel Odorico Paraguaçu, aquela personagem famosa e fanfarrona de “O Bem-Amado”, do dramaturgo Dias Gomes, que a Rede Globo tornou imortal, na pessoa do ator Paulo Gracindo, também mandava dar surras homéricas em seus adversários políticos, às vezes até ordenando a execução deles. Por gaiato prefeito e demagogo, ele ainda se dava às gentilezas de encomendar missa para a alma do falecido.

Esse ato de selvageria, no Cariri, perpetrado contra um cidadão que denunciava patifarias, safadagens e desvios de dinheiro público, contextualiza-se como uma grave ameaça ao livre e democrático direito de o homem poder expressar-se sem peias nem cambão. A Lei Áurea foi há muito tempo. E o Terceiro Milênio pede justiça para os casos de injustiças gritantes e irritantes. A impunidade não pode – nem deve mais – tomar assento nos Três Poderes.

Não estou, aqui, a garatujar uma crônica policial. E não vou descer ao detalhamento das patifarias que o editor do jornal SEM NOME, de Juazeiro do Norte, CE, vinha denunciando. A vítima do atentado violento segredou aos familiares e ao sócio dele que vinha recebendo ameaças, vindas de pessoas ligadas ao prefeito, assim como denunciava operações fraudulentas na Prefeitura e regalias a uma professora, mulher do vereador, também acusado. O que agora quer a opinião pública é que as verdades venham a lume, doam a quem doer, e que os mandantes do sequestro e da sova desmedida que o comunicador recebeu sejam limpamente bem apuradas.

Noutro caso de denúncias contra “autoridades”, aliás, e que altíssimas e poderosíssimas “autoridades”, na cidade de Limoeiro do Norte, certos anos atrás, trucidaram a tiros um radialista, de nome Nicanor, em pleno exercício de seu trabalho, bem no interior do estúdio de uma emissora de rádio. Uma coisa brutal, ali em cima de um mar de sangue, inundando o estúdio da emissora. O rapaz também denunciava a então senhora prefeita e o esposo desta, um juiz togado. Sei lá das quantas embromações, hoje, anda a rolar a burocracia das chicanas nos tribunais da cega Justiça brasileira! E tudo com o fito único de perpetuar a impunidade.

Cala-te boca, mas justiça que se faça para os dois referidos crimes contra o sacratíssimo direito e dever da livre expressão do pensamento. Ai de nós, o povo, se não houvesse ainda, atuante e investigativa, boa parcela da imprensa, aquela que fuça as chagas da corrupção, dos favorecimentos ilícitos e das bandalheiras oficiais e vai pondo, ao relento da história do dia a dia, a límpida verdade dos acontecimentos. A América Latina tem uma tradição muito ruim com relação ao direito de pensar livremente. Faça-se, pois, na imprensa, aqui e alhures, o mais e melhor pela liberdade de expressão.

Fort., 22/05/2010.

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(*) Jornal O POVO, Fortaleza, Cad. Política, 22/05/2010, p. 24.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 22/05/2010
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