Conversa
Aconteceu lá atrás, já há um bom tempo. Não me recordo exatamente a situação, nem mesmo como me encontrava à época, por isso mesmo, é bobagem recordar se estava bem, se estava feliz, ou mesmo frustrado com o que quer que fosse, tampouco vem ao caso se a noite em que se deu a “conversa” que vou relatar, transcorria fria ou quente ou chuvosa ou abafada, isso decididamente não interessa, a conversa em si é o que realmente interessa, é o que realmente é relevante. Foi assim...
Naquela manha, antes de iniciar os afazeres do dia, ainda envolto pelo “carinho” das minhas cobertas, confortado pelo calor emanado das mesmas, abraçado ainda ao meu travesseiro, assim sem mais, iniciei uma conversa com uma das dobras do lençol da minha cama, sobre o qual meu corpo experimentara uma noite de repouso. Dessa conversa, lembro-me do fio condutor da mesma, que era no momento, a necessidade de uma mudança de direção na estrada em que caminhava minha vida. Lembro-me que, em dado momento e de forma insolente, a dobra escolhida por mim para essa conversa, lançou-me um olhar penetrante e, meio que zombando disse-me:
_ Se liga “xará”, tu sabe, ate mais que eu, que não passo de uma mera dobra de lençol e, que só existo porque você, já há alguns dias, rola nessa cama tantas vezes que, inevitavelmente promove o surgimento no lençol de muitas dobras e entre as quais eu, que não tem como mudar de direção, não tem como você se aquietar e se alegrar e, não tem como você ter de volta a tranqüilidade que você gozava, sem que haja uma mudança radical no seu coração...
Insolente aquela dobra de lençol, quem era ela para me falar daquela maneira. Quem era ela para me dizer aquela bobagem. Lembro-me que num acesso de raiva, coisa típica de quem acaba de ouvir coisas desagradáveis, levantei-me e, mesmo no escuro do quarto, estiquei o melhor que pude o lençol sobre a cama e novamente deitei-me e, desafiadoramente exclamei:
- E agora sua idiota, sua atrevida, o que é que tu tem pra me dizer? Não me venha com essa balela de que para mudar de direção, de que para dar um novo rumo na vida, primeiro tenho que mudar o meu coração. Supondo, apenas supondo que tenha que mudar algo no meu coração, coisa que não acredito que tenha de fazer, se tu pudesse me dizer, o que seria, em que eu teria que mudar sua “xarope”?
Cabe aqui um adendo. Confesso que hoje, me lembrando disso, me pego a pensar se não estava ficando “bolado”, imagina a cena dessa conversa.
Após alguns minutos de silencio, de uma quietude insuportável, diga-se de passagem, minutos esses em que, como quem não quer nada com nada, virei-me na cama, desajeitada mente confesso, a fim de provocar quem sabe a formação de dobras e, no meio delas, ouvi-la, a dobra e, bem próximo ao meu ouvido, como eu desejava, ouvi sua voz (chata, antes que me esqueça).
- Como eu ia falando, antes do teu “chilique”, antes do teu “piti”, não tem como meu “irmão” você ter de volta os momentos de paz e tarnquilidade que você acredita ter perdido, não tem como você ser olhado de novo como você acredita ter sido olhado um dia, ou seja, como um homem de bem, um homem de respeito, cuja vida era um exemplo de vida a ser seguido. Você meu irmão, precisa, antes de pensar que uma mudança de rumo vai devolver o que você julga ter perdido, precisa antes olhar, perceber algumas coisas erradas que permeiam seu dia a dia e, querer de fato mudar isso, só ai, você, após ter mudado essas coisas, acontecerá à mudança no rumo da sua vida.
Essa dobra era realmente atrevida, porem uma coisa ela conseguira, despertou em mim uma curiosidade.
- Já que tu é tão esperta dona dobra, existe uma fórmula, existe um processo pelo qual eu possa descobrir o ponto em meu coração que deva ser mudado?
Nesse ponto da conversa, após ouvir a resposta da dobra, a vontade que tive foi de queimar, não somente o lençol, bem como a cama também e com eles, ela a dobra.
- Irmão, não se trata de ponto a ser mudado, tu conhece por acaso uma coisa chamada Bíblia Sagrada, uma pessoa chamada DEUS, uma outra pessoa chamada Jesus Cristo e ainda uma terceira pessoa chamada Espírito Santo--------- não. Poxa, tu é burro mesmo, não é a toa que tu vive desse jeito, feito um bobo, buscando formas mirabolantes de ter de volta uma paz que acredita que um dia teve. Como o homem demora pra “sacar” certas coisas, ate eu, uma simples dobra de lençol sei que somente Deus, por meio da transformação promovida por Jesus Cristo e “alimentada” diariamente pela instrução do Espírito Santo pode aquietar e consolar.
Lembro que depois disso, dessa conversa, amanheceu, levantei-me, fui para o trabalho e, ao retornar lá pelo fim da tarde, minha mãe havia lavado, quarado e passa a ferro o lençol e... a dobra já não existia.
Creio que certas conversas travadas, seja com botões da blusa, seja com as dobras de um lençol ou mesmo com a fronha do travesseiro, em que pese o fato de, à primeira vista, se mostrarem um sinal claro de inicio de maluquice ou... não, são essas a conversas que mais acrescentam, são as conversas nas quais falamos sem pudor das coisas que em outras situações ocultaríamos.