Deus e a Filosofia(Descarte, Kant, Hegel e Nietszche)

Deus e a Filosofia(Descarte, Kant, Hegel e Nietszche)

Tentei neste pequeno artigo trazer a problemática sobre a existência de Deus na filosofia de René Descarte, Kant, Hegel e Nietsche. De modo resumido, contudo abordando os pontos principais de maneira a mais simples possível de modo que qualquer pessoa possa ler e entender as principais idéias de cada filósofo. Quanto a Descarte e a Kant me detive mais, por ser mais complexo suas idéias. Quanto a Hegel e Nietzsche passei rapidamente posto que suas idéias são mais simples em suas abordagens. A intenção é não ser cansativo em debates mais trazer na minha maneira de analisar aquilo que merece uma crítica ou um reforço de concordância, trazendo a minha própria maneira de ver cada posicionamento de cada filosófo.

O ponto de partida de René Descarte encontra-se nas conclusões oriundas do cogito: a existência dos meus pensamentos e do eu que os possui.O espírito humano é conduzido a Deus, a partir de si mesmo. Decide então procurar de onde aprendera a pensar em algo possuidor de mais perfeição do que ele próprio, que, com certeza, deveria ser de alguma natureza que fosse realmente mais perfeita. De maneira que conclui Descarte que as minhas idéias de perfeição só poderia vir de uma natureza que fosse de fato mais perfeita do que a minha, e que possuísse todas as perfeições de que eu poderia ter alguma idéia, ou seja, para dizê-lo numa única palavra, que fosse Deus. Resta então a idéia de Deus que, ao analisar os atributos da sua substância — infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, criadora — evidencia-se cada vez mais que a sua origem não pode estar no eu. Sim, como um ser imperfeito de si mesmo pensaria em perfeições absolutas?. Daí, Descarte conclui que Deus existe: Tudo o que é concebido clara e distintamente de real e verdadeiro pelo espírito, e que contém em si alguma perfeição, está contido na idéia de Deus. E isto não deixa de ser verdadeiro, apesar do eu não compreender o infinito. Deus pode ser entendido, alcançado pelo pensamento, mesmo sendo incompreensível, pois "é da natureza do infinito que minha natureza, que é finita e limitada, não possa compreendê-lo".

Uma outra questão levantada: De quem originaria minha existência? Descartes irá analisar estas possíveis origens da sua existência. Elimina logo de início a possibilidade da origem da existência partir do próprio eu, pois, com certeza, se o eu fosse o autor do ser, o pensador não duvidaria de nada, não desejaria nada, não lhe faltaria perfeição alguma; "pois eu me teria concedido todas aquelas (perfeições) das quais possuo alguma idéia e, assim, seria Deus" - Dizia Descartes. Chega ele a conclusão inevitável de que a sua própria existência enquanto sujeito pensante deriva de um ser mais perfeito que ele, pois só assim teria ele as concepções “perfeitas” de atributos que nele, como homem imperfeito, não poderia as achar em si.

De fato, Descarte confessa que não a recebeu dos sentidos, nem é uma pura produção ou ficção do seu espírito, Daí concluir que a idéia de Deus, semelhante à idéia do eu (cogito: a certeza do eu que existe), nasceu e foi produzida no eu desde o instante da sua criação.

Agora, então, encontram-se preparados todos os fundamentos diante dos quais Descartes lançará o seu argumento que defende que a idéia de Deus é como "a marca do operário impressa em sua obra". Conforme dizia, toda a força do argumento que ele usava para demonstrar a existência de Deus consistia em que para qualquer pessoa seria impossível que nela estivesse a idéia de um Deus, se Deus não existisse de fato; embora este Deus do qual existe uma idéia em mim, possamos não compreendê-lo na sua essência. Nesse passo, na minha opinião, partindo dessa conclusão de Descarte, a brecha para o ateísmo fica plenamente justificável – mas não razoável – na medida em que a razão, na sua limitação natural, não pode apreender Deus na sua plenitude. Para aqueles que admitem a existência de Deus como real, como é o meu caso, deriva fundamentalmente minha convicção na existencia de DEUS, porque neste caso Ele vai ao encontro da razão humana, se manifestando à ela: (quando Ele assim quer pode tornar qualquer pessoa conscientemente e certo de sua existência, mas aí já é um outro assunto). Não ocorrendo isso, a razão encontrará limitações na busca da realidade “concreta” de Deus.

Os pensamentos de Descarte não possuem nada de novo, original, pois tais argumentos já se encontravam na Bíblia(não de maneira filosófica, é claro); e na idade média Santo Anselmo fez um belíssimo tratado sobre o tema. A prova é originada da distinção entre o ser necessário(Deus) e o ser possível(homem), onde este não existe por si, mas tem necessidade de alguma coisa para existir. Em Descartes, se algo existe (eu mesmo, o cogito — como Descartes afirma), logo existe o ser necessário, Deus.

Emanuel Kant - Para o filósofo Kant, a existência (como qualquer existência) não se prova, apenas se experimenta. Mas para o filosofo, Deus não se experimenta como um fenômeno tangível. Descarte tinha certeza da existência de Deus pela dedução lógica de que só podemos imaginar “Deus” devido à possibilidade de sua existência, pois necessariamente precisa Deus ser existente para poder ser pensado. Para Kant estes argumentos não passam de idéias transcendentais, sendo que – na realidade – Deus não está acessível ao conhecimento teórico. Todo conhecimento nos advém pela experiência(empírico), como para Kant não existe elo entre Deus e o Mundo palpável, a razão humana fica assim impossibilitada de se chegar a Deus através do fenômeno(tudo aquilo que nos chega ao entendimento por meio dos nossos cinco sentidos em contato com o mundo a nossa volta). Por esse lado, qualquer ateu que diga que não acredita me Deus porque percebe que não encontra fundamentos da realidade de Deus, está certa. Daí, quem abraça a descreça já de imediato sem aberturas e possibilidades de analisar e verificar ao menos a possibilidade de se perceber a exisência de um Ser por trás de tudo que é real, certemante achará base empírica em si mesmo para não acreditar que há um criador de todas as realidades. Posto que a razão enquanto pensamentos abstratos e produtor de reflexões, não transportará para além do empírico, segundo, se estiver certo Kant.

Contudo, a razão tem a tendência a ir para além da experiência sensível. E essa razão, Kant vai chamar de "razão prática" ou "razão moral" ou "razão-juiz" porque dita e censura o agir moral dos seres humanos – razão esta com consciência moral, composta por meio de princípios que orientam a vida humana. E é por meio dessa consciência moral que a razão vai encontrar base para a apreensão pelo entendimento dos objetos metafísicos. Para Kant - Deus, liberdade, imortalidade são idéias regulativas que dão propósitos e sentido aos nossos pensamentos e a nossa vida. Por um lado Kant diz que não há como chegar a conclusão que Deus existe por meio de provas racionais(como Descarte se propôs); contudo, por outro lado, ele abri a possibilidade de que Deus existe partindo do fato de que deve existir um fundamento da necessidade moral na constituição humana. Indiscutivelmente somos seres regidos pela ética. Portanto, Deus tem o seu lugar no âmbito da ética. O fato de que nossos comportamentos seguem um viés moral em tudo o que se predispõe, para Kant isto é assim devido ao fato da existência de Deus. Assim Deus não pode ser percebido através da razão pura, puro pensamento abstrato (conforme Descarte) – mas, através da razão prática, ou seja, Deus existe devido o fato que o universo dos seres humanos(não importa a cultura, o tempo e o lugar) se percebe leis morais influenciado o agir dos homens(daí “prática”). Deus assim seria o grande sábio e o grande legislador dessas leis. Deus existe posto que a moralidade intrínseca no ser humano aponta para um grande Legislador(criador dessa predisposição humana na própria natureza moral). Tanto o pensamento de Kant quanto de Descarte se complementam e devem se juntar numa melhor compreensão da realidade de Deus.

Para Hegel, filósofo do século XIX, Deus para Hegel é transcendente e imanente no mundo, ele está neste mundo e fora dele. Deus, o infinito no finito. Deus é histórico, vivo e atuante na história. Como eterno, Ele funda a história do homem e do mundo, sendo ao mesmo tempo, origem, centro e futuro do homem e do mundo. Deus é um ser absoluto, sendo interessante a idéia de absoluto na filosofia de Hegel como a síntese da tese e da antítese. O que é a dialética? É a tese afirmada, em contraposição à antítese, sua negação. Desse contrários entre tese e antítese surgirá a síntese. Esta é uma nova substancia. Deus estaria na história presente de modo dialético: O pai(Deus) é idéia positiva, o ser infinito. Jesus Cristo seria a antítese, o Deus-homem, o Deus que se fez homem, finito. Dessa dialética dos contrários, teríamos o Espírito absoluto – o Espírito Santo. O ser de volta a si. O ser que revela Deus-Pai e Deus-filho. Deus seria este espírito absoluto em processo dinâmico na historia: ele está no mundo abstrato, na idéia na mente humana, está na natureza(na física) tangível da realidade humana, e está nos processos de mudanças de modo absoluto(aperfeiçoado, neste vir-a-ser) na história em sua dinâmica dialética. No meu ver, as idéias de Deus dentro dessa dialética de contradições não se encaixam, pois Deus é um ser imutável em quem não há sombra ou variação. Erra também quando afirma que Deus está presente na natureza e que esta natureza é parte da natureza de Deus. Não, Deus se revela através do que ele criou, mas não é parte do que ele criou. Nada de panteísmo. Contudo, Hegel está com a razão quando diz que Deus estar presente na história e atuando do devir dos acontecimentos, e a história tem um sentido e que Deus é um Espírito Absoluto e que Deus pode ser manifestado ao espírito humano.

Nietzsche é conhecido dentro e fora dos ambientes acadêmicos como um cético inveterado e ateu, severo crítico do cristianismo, que declarou a “morte de Deus”. A qual Deus Nietzsche refere como “morto”? Que tipos de representações de Deus lhe foram projetadas pelos cristãos de sua época? O grande combate de Nietzsche em Humano, Demasiado Humano, não é a religiosidade em si, como categoria inata ao ser humano, mas a religião e seus dogmas que, ao apresentar-se como verdade, aprisionam o ser humano e matam a liberdade. Nas palavras do filósofo, “nisto se percebe que os espíritos livres menos ponderados se chocam apenas com os dogmas, na realidade, e conhecem bem o encanto do sentimento religioso; é doloroso para eles perder este por causa daqueles” (2006, p. 93). Em resumo, Nietzsche não acreditava em Deus, não por que chegou através de qualquer análise filosófica ou científica de que de fato Deus não existe, mas simplesmente devido ao cristianismo desvirtuado(e hoje não mesmo diferente) daquela época que lhe apresentava “Deus” distorcidamente do Deus nos Evangelhos e por causa disso até decretou a “morte de Deus” , contudo, este não é o Deus vivo(que de fato existe), mas o “Deus” que já nasceu morto, das mortíferas consciências e corações dos fariseus modernos. Assim Nietzsche buscou na geneologia da história(história essa sem base verídica, mas apenas plausível, diga-se de passagem) explicações para o fenômeno “Deus” que os homens criaram para si mesmos.

Na realidade, Nietzsche decepcionou-se mais com a igreja de sua época que com Deus, ou decepcionou-se com Deus, mormente, por causa da religião cristã, isto é, em função da forma como essa lhe apresentou a divindade. A insanidade de Nietzsche foi real, como foram precoces alguns dos juízos “teológicos” que ele fez acerca de Cristo, de Paulo e da Palavra. Mas embora a infantilidade e imprecisão de algumas concepções teológicas desse autor, no entanto sua suposta “loucura” não nos outorga o direito de desprezar o que ele disse. Afinal de contas, louco ou não, ele escreveu coisas muito sábias acerca das bestagens dos cristãos de seu tempo.

MARCOS PAULO A M
Enviado por MARCOS PAULO A M em 09/05/2010
Reeditado em 26/02/2011
Código do texto: T2246309
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