O ATEÍSMO É CIENTÍFICO?

Em um artigo publicado no Recanto das Letras intitulado “Critério de Falseabilidade Aplicado Ao Ateísmo” tentei mostrar a proximidade que o pensamento ateísta teria com o método científico. Todavia, retorno a esse mesmo artigo a fim de retificá-lo, ou abandoná-lo por completo. Aqui, farei uma análise radical da minha afirmação de que “a maioria dos ateus tem uma atitude crítica que se assemelha à dos filósofos e cientistas”. Embora eu já demonstre uma atitude crítica ao que eu disse no mencionado artigo, não significa que minha descrença enfraqueceu. Ao contrário, talvez ela esteja ainda mais forte. No entanto, pretendo aqui mostrar que não existe relação entre ateísmo e ciência, e que não há nenhuma sustentação científica por trás do ateísmo.

No artigo “Critério de Falseabilidade Aplicado ao Ateísmo” fiz um desafio aos crentes no sentido de pedir-lhes uma evidência que pudesse fazê-los mudar de opinião quanto à existência de Deus. Afirmei também que os ateus admitiam que mudariam de opinião caso lhes apresentassem uma evidência da existência de Deus, numa atitude semelhante ao que fazem os cientistas. No entanto, o caráter do objeto tratado aqui torna as coisas muito diferentes, fazendo com que a atitude dos ateus diande do problema de Deus se distancie totalmente do pensamento científico. A ciência deve dar razão às evidências, a menos que surjam outras evidências capazes de mostrar que nossa interpretação das evidências anteriores estava equivocada. Devemos também rejeitar teses que careçam de evidências, aceitando-as somente se os critérios metodológicos forem atendidos. Acontece que Deus não pode ser encarado como objeto da ciência. Sendo assim, aqui desaparece toda a relação do ateísmo com a ciência.

É comum ver descrentes dizendo que acreditariam em Deus se lhes apresentassem evidências convincentes de sua existência, mas o problema surge se perguntarmos ao descrente o que seria uma evidência da existência de Deus? Ora, Deus não é um objeto dos sentidos, logo, não pode aparecer diante de alguém. Sendo assim, como saber se ele existe ou não? Poder-se-ia afirmar que é possível uma evidência indireta da existência de Deus. Desta forma, quando chego em uma cidade e vejo árvores caídas, casas destruídas, carros revirados, entre outras coisas, posso concluir que por lá passou um tornado, mesmo que eu não estivesse lá no momento em que o tornado passou. Com efeito, devem existir evidências indiretas que apontem para um ser inteligente e diante das quais um descrente se convenceria da existência de Deus. Será que isso faz sentido? Vejamos. Eu posso concluir que um tornado passou por aquela cidade porque já vi quer seja pessoalmente, por fotos ou por vídeo, como ficam as cidades quando passam tornados por elas. Todavia, eu não sei como seria o mundo caso fosse feito por um ser inteligente. Eu nunca vi um Deus criar um mundo. Se tivéssemos outro mundo e tivéssemos certeza de que ele foi criado por uma divindade inteligente, poderíamos compará-lo com este e concluir que também foi criado por uma divindade inteligente, mas não temos outro mundo para comparar, só temos este. A indução fica, portanto, impossível.

Poder-se-ia treplicar afirmando que não precisamos comparar este mundo, este universo ou estas formas de vida com outras que teriam sido comprovadamente obra de uma divindade inteligente. Bastaria compará-los a artefatos humanos, e é exatamente isso que fazem os criacionistas. Destarte, diante de evidências irrefutáveis de projeto inteligente, um descrente passaria a crer num Deus inteligente e pessoal. Aqui existe um problema inerente à própria idéia de inteligência. Que critérios algo tem que suprir para ser considerado necessariamente inteligente? Outro problema surge se, por acaso, descobríssemos um padrão que pudéssemos considerar inteligente. Como disse antes, podemos ter evidências indiretas de um evento como o caso do tornado se já tivéssemos visto os efeitos de um tornado. A descoberta de padrão inteligente no mundo é uma evidência indireta e, portanto, analógica. A simples relação entre o padrão inteligente (A) e um criador inteligente (B) não é científica, mas supersticiosa. Isso porque simplesmente liga duas coisas sem evidências intermediárias. No caso do tornado, eu tenho o tornado (A) e a cidade destruída (B), mas entre esses dois eventos eu tenho uma série de evidências que sustentam que tornados podem causar destruições em cidades, como evidências de que o vento pode mover coisas (A2), que um tornado produz um vácuo interno (A3), que o vácuo é capaz de “sugar” coisas (A4), que nesta região há várias casos de tornados registrados (A5) e intensas tempestades (A6). Com efeito, não é preciso ser grande especialista para traçar uma série de evidências que estão relacionadas com os eventos A e B no caso do tornado. Já o caso de uma divindade imaterial provocando eventos inteligentes no mundo carece de evidências intermediárias para sustentá-la. Temos evidências de seres materiais provocando efeitos inteligentes, mas não de seres imateriais. Se quiséssemos concluir, através de um padrão inteligente, a existência de uma inteligência ordenadora por trás dos fenômenos do mundo, teríamos que admitir que essa inteligência também é material.

Conlui-se que é impossível uma evidência de Deus, quer seja direta ou analógica. Não se pode tratar Deus como um objeto da ciência por conta disso, logo, toda a pretensão científica do ateísmo desaparece. Sequer pode-se compará-lo a fadas, duendes, unicórnios, etc. Estes seres, se existirem, são físicos, e podem ser estudados pela ciência. Deus, porém, é metafísico, e a ciência não se oculpa dessas coisas. Na verdade, é mais fácil um cético acreditar em fadas, duendes e unicórnios que acreditar em Deus. Para isso, bastaria mostrar-lhe alguma dessas entidades - e que seja excluída qualquer evidência de fraudes. E no caso de Deus? Ele não aparece, já que não é físico. Não está em nenhum lugar do espaço, logo não podemos localizá-lo. Também não podemos conhecê-lo através de evidências analógicas, pois não temos evidências que possam dar apoio à afirmação de um ser imaterial que interfere no mundo material. Jamais vimos qualquer coisa desse tipo, então por que deveríamos abrir agora uma arbitrária exceção? Em vão ateus buscariam qualquer forma de refutar cientificamente a existência de Deus (ou confirmar, uma vez que, se ela não puder ser confirmada, o ateísmo não seria científico ou teria bases epistemológicas parecias com a ciência).

O biólogo Richard Dawkins, autor do famoso Best-Seller “Deus, Um Delírio”, é um dos que sustentam a prentensão de que algum dia a ciência responderá a questão sobre a existência de Deus, quer afirmativa, quer negativamente. Ele chama a tese de que a ciência nada pode dizer a respeito da existência de Deus de “pobreza do agnosticismo”. Ora, também acho que o agnosticicmo é pobre, mas não nesse sentido. Aqui ele é sim muito rico. Dawkins cita exemplos em que a ciência respondeu questões que antes eram vistas como estando fora do seu alcance, como no caso de Augusto Comte, que afirmou que jamais conheceríamos a composição química das estrelas e, pouco tempo depois, ela começava a ser descoberta. A analogia falha miseravelmente, pois as estrelas são coisas físicas e, por mais distantes e inacessíveis que possam parecer ao nosso estudo, elas ainda são objetos dos sentidos. Deus é totalmente diferente disso, sendo até mesmo oposto. Não é físico e não é experimentável, estando, por isso, fora do campo das ciências. Dawkins, então, pergunta: “E por que o bule de Russell, ou o Monstro de Espaguete Voador, não são igualmente imunes ao ceticismo científico?”. Ora, pelo mesmo motivo do que já foi mencionado: eles são objetos dos sentidos, Deus não. O importante não é que inexistência de Deus (bem como a do bule e do Mosntro) não pode ser comprovada, mas que sua existência também não pode. O biólogo afirma também que “um universo com um criador sobrenaturalmente inteligente é um universo muito diverso daquele sem esse criador”, mas, como já dissemos, não temos outro universo (que seja comprovadamente criado ou não por um ser inteligente) para comparar ao nosso. Logo, não dá pra saber como seria um universo com um criador sobrenaturalmente inteligente. O próprio Dawkins adimite que “na prática pode não ser fácil distinguir um tipo de universo do outro”. Acontece que ele não leva a questão ao extremo: na verdade, é impossível saber como seria um universo criado por um ser inteligente. No entanto, concordo com Dawkins em relação à sua rejeição ao status privilegiado dado à telogia (por teólogos, obviamente) quanto à questão da existência de Deus. Se a ciência nada pode dizer a respeito disso, a teologia o pode menos ainda. Esta não é uma questão que possa ser apropriadamente respondida por qualquer área do saber, quer seja científica, filosófica ou teológica.

Ora, se Deus não pode ser evidenciado, então o que faria um ateu acreditar em Deus? O que os faria mudar de opinião? Em que se sustenta seu ateísmo? A resposta é: nada. Se nada seria capaz de fazê-lo mudar de opinião, rejeito a conclusão do artigo “Critério de Falseabilidade Aplicado ao Ateísmo”. O ateísmo não é falseável. E se a existência de Deus não pode ser comprovada nem refutada, signfica que tanto o teísmo quanto o ateísmo são equivalentes? Que nenhum é melhor que o outro? Que ambos são igualmente sustentáveis? Não é bem assim. Mesmo que o teísmo ou o ateísmo não possam ser refutados ou confirmaos, não quer dizer que um é tão bom quanto o outro. Muitos filósofos sabiam disso, por isso buscaram argumentos que mostrasse que um é melhor que o outro. A maior parte deles falharam miseravelmente e foram levantados por teístas. Ateus falharam por levantar argumentos epistêmicos contra a existência de Deus ou a favor da descrença. Sendo ele inacessível ao nosso conhecimento, só podemos levantar argumentos de ordem prática. Sendo assim, o que é mais prático, acreditar ou não acreditar em Deus? Creio que não acreitar é melhor por um simples motivo: nós já nascemos descrentes. Se temos que acreditar em Deus, então devemos ter bons motivos. Mas já vimos que os motivos epistemológicos são impossíveis, logo, só nos resta a descrença. Fazendo uma comparação com a primeira lei de Newton, somos como corpos em repouso e tendemos a ficar em repouso até que uma força nos ponha em movimento. A descrença é um estado negativo, portanto, é o repouso; a crença é um estado positivo, portanto, o movimento; os motivos são a força. Com efeito, se querem que acreditemos, têm que nos dar bons motivos (aplicar uma força) para que saiamos do nosso estado de repouso (descrença) e entremos em movimento (crença). Mas aqui a situação é mais grave, porque a força não existe e nunca existirá. Não há nada que seja capaz de nos tornar crentes, pois não é possível conhecer Deus. Sendo assim, o ateísmo não precisa de justificativa, pois é nosso estado natural, assim como um objeto em repouso, que se justifica pela ausência de força que o ponha em movimento.

Embora eu tenha usado a ciência para fazer uma comparação com a descrença, esta não é científica. Qualquer tentativa de fundamentação do ateísmo na ciência será frustrada, pois o ateísmo não pode ser falseado, uma vez que não podem existir evidências da existência de Deus. Embora a descrença resultante desse pensamento seja bem mais radical que a descrença ilusoriamente científica de vários ateus, ela não se assemelha ao dogma religioso. Trata-se apenas de uma renúncia a sair de nosso estado natural. Não obstante, aqui não cometo a famosa falácia naturalista. Ressalto apenas que não há motivos para nos movimentarmos, uma vez que a única força capaz de tal feito não existe, que é a força das evidências. Se quiserem que acreditemos, devem nos dar motivos para crer. Mas os motivos não existem, nem podem existir...

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 04/05/2010
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