Walkout, Walk in
Em 1968, o Este de Los Angeles se tornou cenário de um dos protestos mais comoventes – e ao mesmo tempo nem tão comentado – em torno não só dos direitos mais básicos humanos e justiça social, mas também no que diz respeito à saga dos imigrantes latinos nos Estados Unidos. Nestes tempos oportunos para se falar em imigração, principalmente da influência destes e da história latina (tanto mexicana como de outras nações, hoje em dia liderando as ‘minorias’ dos países sulenhos das Américas), surge um filme semi-documentário sobre o que ocorreu em 1968, apresentado pela HBO, dirigido pelo produtor, diretor e ativista Edward James Olmos, nascido no Este de Los Angeles e familiarizado com as ocorrências à época.
Estudantes Chicanos (Estadunidenses descendentes de Mexicanos) exigiam direitos educacionais iguais, lutando não pelo luxo de benefícios dispensáveis, mas o mínimo indispensável para uma educação igual independendo da nacionalidade, descendência, cor da pele ou background econômico. Estudantes, organizados em pequenos grupos políticos de acordo com o colégio, auxiliados pelo professor de história e política, Sal Castro, afrontaram as autoridades escolares com protestos pacíficos, clamando sua raça (no sentido de gana, Viva la ráza!) e exigindo, em cartazes e gritos em decoro, o que todos queriam, mas ninguém parecia conseguir. Como lograriam atingir o estômago do corpo educacional para que houvesse, de fato, mudanças concretas? Pois, optaram pelo Walkout, ir ao colégio e simplesmente se levantar da cadeira na hora da chamada, e sair sala de aula afora. Qual seria o possível resultado? Perguntava um dos estudantes, ‘eles não se importam com a atendência de alunos latinos (negros, pobres, etc)’. A resposta: ‘Tem de se importar. Sem atendência, os colégios públicos não conseguem as verbas necessárias para continuar existindo, o estado não paga, simplesmente assim.’
Foi feito, no primeiro estágio, pacificamente. Alunos marcharam, de todos os colégios do Este de Los Angeles, e honraram suas reivindicações sem pudôres desnecessários. No segundo dia, ainda a esperar das vagas respostas do corpo educacional, nem todos os colégios marcharam, mas a maioria. Chicano Power, gritavam, mas na segunda tentativa, poucos minutos foram permitidos antes da dispersão policial. Claro, sempre com muita violência, abuso de sua força e uniforme, a raiva que eles deviam sentir pela falta de medo e excesso de coragem destes jovens. Mas, estes jovens, como nossos jovens no Brasil, são apenas jovens... Em um país insano pelas terríveis e temíveis consequências da guerra inútil do Vietnã, como guardariam importância à moderação da violência usada contra os menores que apenas protestavam no pátio externo ao colégio, sem sequer subir nas calçadas, tudo reportado pelos presentes repórteres e jornalistas? Claro que a mídia atual (parcial, conservadora) se apoderou das imagens da violência policial atribuindo a causa à violêndia estudantil, que não ocorreu, mas que se diga de passagem que com o semi-documentário da HBO, com entrevistas e relatos de pessoas diretamente envolvidas, há um foco de luz e brilho a um dos fatores escuros (e são muitos) da história das injustiças sociais nos Estados Unidos.
Atualmente, há um alvoroço dentro da Casa Branca (atingindo o Canadá e o México mais diretamente, com o presidente Vicente Fox e o primeiro-ministo do Canadá Stephen Harper). As leis referentes aos imigrantes estão passando por sérias revisões, coisa que, segundo muitos, já devia ter sido feita há anos. O engraçado é compreender que os Estados Unidos, pela primeira vez em décadas, pode realizar uma reforma que vise não só ‘salvar o país’ das garras dos imigrantes, mas mais especificamente, auxiliar os que aqui se encontram já há anos, e facilitar a estadia e o trabalho daqueles que nem há tanto adentraram o território estadunidense. Hoje, estes três representantes potentes do norte das Américas, se reúnem e discutem em pauta primordial o assunto que intriga cidadãos, residentes e estrangeiros ativos dos estados mais atingidos pela expansão imigrante, Florida bem incluída.
É peculiar também perceber as posições dos envolvidos. Enquanto o conservador Fox insiste no fornecimento do visto inerentemente a todos os mexicanos, Bush concorda que alguns passos devem ser dados para que consigamos uma boa coalisão na reforma destas leis, insistindo que ‘Não se pode reforçar as fronteiras sem ter um programa de ‘trabalhadores-visitantes’ (guest-worker program)’, e acrescenta (para mim, espantosamente), ‘Há pessoas fazendo serviços que estadunidenses não farão. Muitas pessoas adentrando nosso país estão ajudando no crescimento econômico. É um fato da vida.’
No lado do México, Vicente apresenta a proposta de projetos que aumentarão as oportunidades de emprego e créditos (finanças) à moradia, para manter os mexicanos dentro de suas fronteiras. O debate não acaba aqui. Ainda há a visão do Primeiro Ministro canadense, nem sempre de acordo com os ideais da administração republicana nos EUA, apesar de ser também um conservador. Além disso, membros do partido republicano tampouco concordam com a repentina ‘onda liberal’ em prol dos direitos dos imigrantes, mesmo que concomitantemente, isto signifique maior supervisão às fronteiras.
Voltando ao Walkout, o filme mostra o motivo desse orgulho Chicano, que não apenas se encorpora na tradição de ‘estrangeiros que ajudam a construir uma nação independente’, mas que também fizeram parte de sua própria raíz. A primeira Constituição californiana foi escrita tanto em Inglês quanto em Espanhol. Os Estados Unidos, no geral, tem tudo para ser um país bilingue, no minimo. Mas não o é, e até hoje percebemos no sistema decadente educacional, que nunca consideraram e até hoje (mesmo com as relativas poucas mudanças e melhoras) desconsideram iguais os imigrantes, afro-descendentes e, no geral, pessoas de baixa renda financeira.
O conflito entre fechar as fronteiras ou dar visto de residência automático a todo aquele que se encontra no país há mais de cinco anos, ou dar visto de trabalho a qualquer imigrante que comprove seu trabalho até os três anos de estadia (trabalhador-visitante), é pertinente não só como base da estrutura e reforma às leis de imigração, mas também ao que se estabelece como nação em um país. Afinal, não são as fronteiras geográficas as responsáveis pelo desenvolvimento de uma nação, mas sim suas pessoas. É inegável o valor pré-estabelecido dos mexicanos à constituição holística do que temos hoje como a república estadunidense. Inegável também a contribuição cultural (sempre, em todos os casos) da miscigenação que povos estrangeiros oferecem ao povo local. O dever de aprender o idioma e entender os costumes regionais eu ainda insisto e opino que precisa continuar sendo um dever. Mas, que sua entrada seja apenas supervisionada a nível de segurança, e que não se duvide da contribuição dos imigrantes à cultura (ao menos, a possibilidade da contribuição) e as diversidades linguísticas e pensamentais do país. Novamente, os Estados Unidos não são o que são pelo esforço único de descendentes anglo-saxões. Muito pelo contrário, de Nova Iorque a Los Angeles à Florida, o papel dos estrangeiros, legais ou ilegais, sempre foi essencial ao desenvolvimento desta nação, e é isto que torna os Estados Unidos um lugar especial de se viver, mesmo ainda enquadrado na ‘caixa estreita’ da filosofia conservadora.
Imigrantes e descendentes de imigrantes recebem um espaço especial nestes últimos dias, e isto, para mim, é boa notícia. Ainda veremos quais serão as máximas consequências. O povo ainda teme o novo, e é sempre um pouco novo aquilo que vem de fora, não importa há quanto tempo esteja por aqui. Esperemos, então, que esta Quinta Feira nos traga boas noticias neste cenário ainda brutamente explorado da convivência humana.... ‘E haverá um dia em que não haverá fronteiras...’ Não sei, mas assim também desejo.
Walkout, o Filme:
http://www.hbo.com/films/walkout/video/
(Marco de 2006, www.osintensos.blogspot.com, Todos os direitos reservados a Shaping Performances, Inc)