Democracia sob risco
VOTO ELETRÔNICO NO BRASIL - RISCO À DEMOCRACIA - agosto de 2006
José Rodrigues Filho
Luciano Campos Batista
Ganhou destaque na imprensa alemã, trabalho sobre o voto eletrônico no
Brasil, dos professores José Rodrigues Filho e Luciano Campos Batista,
da Universidade Federal da Paraiba, em conjunto com a professora Cynthia
Alexander da Acádia University, Canadá.
Os professores autores têm participado de vários comitês europeus que
discutem o voto eletrônico e neste trabalho, que foi apresentado em
Conferência realizada em agosto na Áustria e organizada pela Fundação
Européia de Ciência, pelo Conselho Europeu e pela Universidade de Viena,
uma crítica é feita ao voto eletrônico no Brasil considerado como um
risco à democracia, como especifica o seu próprio título (E-Voting in
Brazil - The Risks to Democracy).
Enquanto a indústria de informática "empurra" a introdução do voto
eletrônico, uma parte da academia e grupos de especialistas organizados
na Europa, nos EUA e no Brasil publicam alertas para os riscos desta idéia.
Dois fatos ocorreram recentemente como golpes fatais ao voto eletrônico
puro.
O primeiro foi um relatório do Instituto Brenann, da Faculdade de
Direito da Universidade de Nova York. Neste relatório juristas, juízes e
especialistas em informática famosos dos Estados Unidos fazem uma dura
crítica aos modelos de urnas eletrônicas existentes, considerando-as
inseguras.
O segundo fato foi uma campanha contra o voto eletrônico sem voto
impresso conferido pelo eleitor, iniciada na Holanda, há poucas semanas,
que ganhou manchetes nos principais jornais daquele país. As informações
são de que com esta campanha, as iniciativas do voto eletrônico sejam
barradas naquele país.
A Inglaterra, depois de vários anos de pesquisa, parece ter abandonado a
idéia do voto eletrônico. Em resumo, tudo indica que nas democracias
tradicionais o voto eletrônico não será implementado, ao menos de
imediato, até que se resolvam seus problemas de confiabilidade. Há
notícias de que toda a Europa inicie uma campanha contra o voto
eletrônico puro.
Não tendo mercado nos países desenvolvidos, a industria de informática
se dirige para os países em desenvolvimento, como o Brasil, para vender
suas bugigangas tecnológicas. Se o voto manual é suscetível de fraudes,
a fraude pode ser maior com o voto eletrônico. A diferença é que a
fraude do voto manual é identificada e a do voto eletrônico é muito
difícil de ser identificada.
No Brasil, a segurança do voto eletrônico é determinado por lei. A
Diebold, empresa americana que vende urnas eletrônicas ao Brasil, é
severamente criticada nos Estados Unidos e já descredenciada em alguns
Estados, mas no Brasil ela não só é a maior fornecedora de urnas-e, como
seus produtos são adorados e decantados como seguros pelos órgãos
governamentais. Para os políticos americanos, a insegurança das urnas da
Diebold é uma ameaça à democracia, pois, segundo eles, quem controla as
máquinas de votar, pode controlar quem ganha os votos.
Além da insegurança da urna eletrônica, tópico bastante explorado por
cientistas brasileiros e do mundo inteiro, os professores da UFPB foram
mais além. Ao considerarem o voto eletrônico como um risco à democracia,
os pontos básicos defendidos foram os seguintes:
1) A falta de segurança já apresentada por cientistas do Brasil e do
mundo, existindo já um consenso entre eles de que a urna eletrônica é
suscetível de falhas e fraudes. Não existe ainda tecnologia no mundo
capaz de certificar a segurança do voto eletrônico. No Brasil esta
segurança é declarada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à revelia
da comunidade científica do mundo. Ao contrário do que está acontecendo
em outros países, o voto eletrônico nunca foi discutido pela sociedade
brasileira. É preciso desvendar, como ele foi introduzido no país de
cima para baixo. Um sistema de votação cujo resultado não é auditável,
contém as sementes da destruição da democracia;
2) O voto eletrônico é um determinante de alienação do eleitor, que não
consegue mais exercer controle de seu voto. O voto eletrônico passa a
ser controlado por corporações multinacionais (vendedores de urnas
eletrônicas dos respectivos softwares básicos). Um dos princípios
básicos da democracia é uma maior participação e controle da sociedade.
Em se tratando do voto eletrônico, este direito sagrado foi retirado do
eleitor no Brasil;
3) O voto eletrônico está exacerbando a divisão digital no país, pois o
elevado investimento em eleições eletrônicas não permite diminuir o
espaço entre os que têm e os que não têm informação. As 25 mil novas
urnas-e compradas da Diebold em 2006 apenas para "testar o sistema de
leitura das impressóes digitais dos eleitores", poderiam ser melhor
aplicados em projetos de inserção digital. Ademais, hoje se gasta mais
com o voto eletrônico do que com o Programa Nacional do Câncer, do que
todos os hospitais universitários do país. Enfim, gasta-se mais com o
voto eletrônico do que o que se gasta com muitos programas sociais que
poderiam aliviar as condições de pobreza do país e beneficiar a democracia;
4) A introdução do voto eletrônico direcionada pelo mercado, como
acontece no Brasil, é um grande risco à democracia. Uma coisa é o
desenvolvimento de uma tecnologia com a participação de toda a sociedade
(eleitores) e outra coisa são decisões por trás de portas fechadas, com
corporações estrangeiras comemorando faturamentos excessivos;
5) Já que o voto eletrônico não vem sendo introduzido nas democracias
tradicionais, sendo cada vez mais crescente os movimentos de
resistência, por temer a sua utilização, é preciso avaliar o uso do voto
eletrônico no Brasil, desmistificando que não se trata de uma tecnologia
brasileira, pois voto eletrônico já existiu nos Estados Unidos, Alemanha
e Japão, desde os anos de 1960.
* José Rodrigues Filho foi ex-pesquisador na Universidade de Harvard. É
professor da Universidade Federal da Paraíba e, atualmente, desenvolve
pesquisa sobre governo eletrônico e democracia eletrônica no Brasil.