Crer para compreender

CRER PARA COMPREENDER

Se o Ressuscitado não pode ser visto por nossa visão humana, existe a comunidade cristã que, com sua vida, retrata sua imagem e testemunha que ele está vivo. No IV Evangelho o evangelista São João retoma o assunto da falta de fé de alguns, onde busca responder os problemas dos cristãos de algumas comunidades que pretendiam só crer depois de ver. Com esse objetivo, narra-lhes o episódio de Tomé e explica que o Ressuscitado tem uma presença que foge aos nossos sentidos, uma vida que não pode ser tocada ou vista. Somente pode ser objeto da fé.

Nesse particular, a fé é sempre um risco, pois não se trata de tocar e ver, mas de acolher o anúncio tal qual ele é proclamado. Ao cristão que tem fé não são necessárias aparições ou outras manifestações espetaculares. O som da voz do Senhor (a Escritura) é suficiente para reconhecê-lo e segui-lo. Para Jesus, bem-aventurados são aqueles que crêem sem ver, porque a fé deles é mais genuína. Quem vê tem a certeza da evidência, possui a prova material, não a prova da fé. De fato, no que tange às coisas de Deus, é primordial primeiro crer para depois compreender.

Embora pareça paradoxal, esta afirmação é a que mais se coaduna com a fé que deve animar nossa vida cristã. A fé, como vigoroso dom de Deus, aparece nas chamadas formulações de Santo Anselmo de Cantuária († 1109). Estando Deus no centro do mistério, nós nunca poderemos apreendê-lo pelos sentidos ou pela inteligência. Isto já ficou bem claro. O clássico credo ut intelligam (crer para compreender) de Santo Anselmo, em sua clássica obra, o Proslogion faz a troca de mão do ônus de compreender, que se torna posterior ao crer:

“Senhor, eu não tenho a intenção de penetrar na tua profundidade, porque minha inteligência não poderia, de modo algum, atingi-la. Desejo, porém, compreender algo da tua verdade, que crê e ama meu coração. Não procuro compreender para crer, mas sim crer para compreender, uma vez que estou seguro que, se não cresse, não compreenderia”.

Falta ao homem de hoje, e por isso o mundo está desse jeito, o modo de conhecer pela contemplação, joelhos em terra, no qual os sentidos são substituídos pela atitude silente e respeitosa de quem está diante do mistério. Assistimos a uma assustadora mutilação dos espíritos, pelos modismos e pela massificação. O problema do homem moderno é que ele rejeita compreender pela fé, e seu desejo de crer acaba naufragando no mar da mediocridade.