EU QUERIA SER BOMBEIRO
                                    (Minha homenagem aos soldados do Corpo de Bombeiros )
 
Quando criança presenciei uma cena que jamais esqueci. Da esquina da Rua Chile com a Praça Castro Alves presenciei ao lado do meu pai em meio a uma multidão aflita de curiosos a ação obstinada de uma guarnição de soldados do Corpo de Bombeiros que tentava debelar as chamas de um casarão antigo no cimo da Ladeira da Montanha. Era uma batalha impar de homens contra fogo atiçado pelo forte vento que em pouco tempo foi tomando toda a construção enquanto os bravos soldados teimavam em apagar as chamas.
 
Assístiamos a tudo de longe, limitados por uma corda de isolamento esticada pelo policiamento como forma de segurança. Meu pai mostrava-se visivelmente emocionado pois percebi lágrimas nos seus olhos. Olhei em volta e vi que não era só ele. Muitas pessoas expressavam a mesma reação.
 
As chamas ultrapassavam o alto do prédio e tingia de amarelo-avermelhado o céu azul daquela tarde, emolduradas por uma espessa fumaça cinzenta bordada de respingos incandescente que se desprendiam das chamas. Parecia uma imensa fogueira, daquelas das noites de São João.
 
Os jatos d’água eram direcionados para o topo da construção pelos bombeiros, porém o calor era intenso e logo transformava a água em vapor mas os bravos soldados não se davam por vencidos. Havia uma missão a cumprir: apagar o fogo e preservar o patrimônio. Alíás esse é o lema dos bombeiros militares: “VIDAS HUMANAS E RIQUEZAS A SALVAR”.
 
Lembro-me até hoje do instante que escutamos um clarim a tocar. Perguntei ao meu pai o que era e ele me disse que era o soldado corneteiro executando o toque de retirada para que seus companheiros deixassem imediatamente o local pois havia o risco iminente de desabamento do prédio. Era um toque angustiante e aflito e perdcebia-se ao longe que os soldados apressavam-se em obedecer aquela ordem transmitida em forma de acordes.
 
As pessoas olhavam em silêncio a retirada dos soldados enquanto o toque prosseguia ecoando naquela tarde tingida de vermelho. De repente o clarim silenciou no exato momento em que o prédio veio abaixo, atiçando chamas e brasas para todos os lados. Não se ouviu mais o clarim e sim o ruído sinistro do crepitar das chamas seguido de gritos e lamentos dos soldados que anunciavam que o pior havia acontecido.
 
No cumprimento heróico do dever, o soldado que executava o toque de retirada para que seus companheiros se colocassem a salvo  havia sucumbido sob os escombros em chamas enquanto tocava para que o último de seus companheiros pudesse se salvar. Cumpriu seu dever até o último minuto sem se preocupar com a própria vida e morreu heróicamente.Todos ficaram estupefatos sem acreditar que aquilo estivesse acontecendo enquanto soldados se abraçavam emocionados e choravam pela perda do valoroso companheiro.
 
Naquele instante, inexplicavelmente começou a cair uma chuva fina que lentamente foi se avolumando e em breve as chamas iam diminuindo até que restou uma densa fumaça branca que era o vapor condensado da água da chuva pelo calor dos escolhos. Ninguém arredava pé, nem os transeuntes, nem os soldados do Corpo de Bombeiros. Enquanto a população presente começou a entoar o hino do Senhor do Bomfim seguido de uma Ave Maria, os soldados adentravam os escombros, revirando tudo cautelosamente, só saindo de lá com o corpo do bravo companheiro que perdeu a vida no cumprimento da missão.
 
Ao saír daquele monte de paredes e ferros retorcidos ainda quentes com o corpo do amigo, foram aplaudidos por todos os presentes que gritavam: “VIVA OS BOMBEIROS!” “VIVA OS SOLDADOS DO FOGO!”.
 
Agarrei-me na perna do meu pai que não se continha em lágrimas e chorei também. Perguntei: “Pai, eu posso ser Bombeiro também?” Ele respondeu: “Quem sabe, filho. Quem sabe um dia...” Cresci e aquilo tudo que presenciei naquela tarde não saía da minha cabeça, e sempre que passava por um militar Bombeiro eu o admirava com muito respeito.
 
Passados os anos, sou enfermeiro militar aposentado (da Marinha) e ao visitar o Morro do Bumba na tarde de quinta-feira (08/04), fiquei visivelmente emocionado vendo aquela tragédia e a luta obstinada de todos, principalmente os soldados do Corpo de Bombeiros, que não media esforços nem limites de cansaço em busca de sobreviventes.
 
Estava retornando do local da tragédia quando passei por um soldado da corporação que se recostava em um carro para se refazer do cansaço. Aproximei-me com todo respeito e admiração e o cumprimentei. Eu disse: “Vocês estão de parabéns pelo excelente trabalho humanitário.” São realmente heróis. Abracei-o e nos emocionamos e choramos juntos. Então, refeitos da emoção, contei para ele esta história da minha vida e finalizei dizendo: EU QUERIA SER BOMBEIRO.
 
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Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 10/04/2010
Reeditado em 10/04/2010
Código do texto: T2188246
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