A liturgia da Palavra SERMO LXXI

A LITURGIA DA PALAVRA

Prof. Dr. Antônio Mesquita Galvão

Proclame a Palavra, insista no tempo oportuno e inoportuno,

advertindo, reprovando e aconselhando

com toda a paciência e doutrina (2Tm 4,2)

A Liturgia da Palavra tem um conteúdo de suma importância, pois é nesta hora que Deus fala solenemente à sua comunidade reunida como “Povo de Deus”. A Igreja Católica considera que a proclamação e escuta da palavra é parte essencial de qualquer celebração, por isso o rito de qualquer celebração prevê uma liturgia da palavra, ainda que simplificada. Na verdade, para a Igreja, a proclamação da palavra é um dos elementos litúrgicos em que Jesus Cristo está presente na no meio do povo. Na liturgia, Cristo “está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a Sagrada Escritura” (SC 7).

O mesmo Concílio, para dar justa expressão à importância da palavra de Deus nas celebrações, pede que “seja mais abundante, variada e bem adaptada a leitura da Sagrada Escritura nas celebrações litúrgicas” (SC 35).

Qual o objetivo da Liturgia da Palavra? Pelas leituras da Palavra de Deus e pela explicação desta, pela homilia, Deus fala a seu povo, dirige-lhe sua mensagem, revela, ainda, o seu mistério de amor, de salvação e de redenção aos seus filhos e filhas, oferecendo-se como alimento espiritual. Na verdade, pela Liturgia da Palavra, Deus está no meio de seus filhos e filhas, revelando-se em seu rosto de amor (cf. IGMR 55). A liturgia da Palavra e a liturgia Eucarística devem ser consideradas como um só ato de culto.

Estão tão intimamente ligadas entre si as duas partes de que se compõem, de algum modo, a missa – a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística – que formam um só ato de culto. (SC 56).

A grande verdade é que o ponto alto, ou melhor, os pontos altos, da celebração são aqueles que apontam para as duas mesas: a da Palavra (o ambão) e a da Eucaristia (o altar). Os ritos, iniciais e finais servem apenas como moldura para o grande evento que são aquelas duas grandes liturgias. Em toda a celebração importante do culto cristão ocorre sempre a liturgia da Palavra. Na Missa ela tem como objetivo despertar na assembléia reunida um forte desejo de conversão, bem como ensejar motivos para a ação de graças, que vai ocorrer na liturgia Eucarística.

A Liturgia da Palavra é um momento de alta espiritualidade, alegria e meditação. É comum, em muitas comunidades, a entrada, em procissão, da Palavra de Deus, representada pelos livros sagrados (Bíblia ou Lecionário), acompanhada de velas, flores, carregada por um dos leitores ou o diácono, tudo ornado com cantos alegres, aleluias e até mesmo danças litúrgicas, como ensina L. Cechinato:

Após o Concílio Vaticano II, a liturgia deixa uma certa liberdade para a criatividade, possibilitando assim algumas iniciativas que venham trazer mais vida e participação ao culto divino. Por isso, antes da proclamação do Evangelho, pode-se fazer uma procissão com a Bíblia. Para se dar mais destaque ao anúncio da Palavra de Jesus, é bom que dois ministros ou acólitos segurem uma vela de cada lado da estante onde se faz a proclamação (In: A Missa parte por parte, Ed. Vozes, 1993).

Ao terminar a leitura do Evangelho, o leitor pode apenas anunciar: “Palavra da salvação!” ou lhe é facultado unir a esse anúncio o gesto de erguer a Bíblia ou o Lecionário, para ser saudado pela. Em alguns casos, o “Glória a vós, Senhor!” pode ser acompanhado de uma salva de palmas, cantos ou aleluias. É outra forma de aclamar a Palavra. Eu já vi, liturgos (aqueles que coordenam a liturgia numa determinada solenidade), incentivando o aplauso em três oportunidades: na aclamação da Palavra anunciada (junto com o “Palavra da salvação”), após o “Eis o mistério da fé” (após a elevação da hóstia e do cálice), e após a “doxologia eucarística, junto com o amém (“por Cristo, com Cristo...”).

O aplauso, apesar de algumas manifestações contrárias, pode ser introduzido em ocasiões especiais, sem, no entanto, cair no comum nem configurar um abuso. Trata-se de uma forma de aclamação, fruto da participação do povo.

Um cuidado especial deve ser dispensado à criatividade. Esta não pode ser confundida com abusos ou improvisações contrárias ao espírito da sagrada liturgia. Sobre a eficácia da proclamação da Palavra de Deus, há um interessante texto do reformador Calvino (em suas Ordonnances, IV), com o espírito ecumênico, que transcrevemos aqui:

A eficácia da pregação não está no pregador, mas na força do Espírito Santo. Por isso, o pregador deve ser sempre escutado, embora não passe de “homenzinho qualquer”, surgido do pó e, em certos casos, possa ser até moralmente indigno.

A comunidade que escuta a Palavra e que tem na homilia uma explicação dos mistérios anunciados, descobre a mensagem, contempla a glória de Deus, e proclama com ênfase as maravilhas que o Senhor fez/faz por seu povo, renovando assim, continuamente a Aliança. Recordando e interiorizando as palavras de Jesus, a assembléia fortalece a sua fé, aumenta sua esperança e intensifica o amor, a Deus e aos irmãos. Compreende-se a liturgia da Palavra com o coração aberto, em atitude de escuta.

A liturgia da Palavra tem sete partes, a saber: A Primeira Leitura, o Salmo de Meditação (ou responsorial), a Segunda Leitura, a Aclamação do Evangelho, a leitura do Evangelho e a homilia, o Credo e a Prece Universal (oração dos fiéis). Cada uma dessas partes tem uma atitude e adequação do coração ao rito celebrado. Nas três leituras (Primeira, Segunda e Evangelho) há uma seqüência bíblica: na primeira fala o profeta; na segunda o apóstolo e na terceira é Jesus que fala. A palavra chave da liturgia da Palavra é diálogo. Vamos tentar dissecar os pontos básicos de cada uma das sete partes:

• Primeira leitura

Aqui Deus nos fala; o comentarista deve fazer uma breve introdução, dando como que uma pista sobre o assunto que vai ser tratado; o leitor proclama a Palavra com respeito, anunciando o nome do livro: “Leitura do Livro do Profeta Jeremias, e conclui dizendo: “Palavra do Senhor!”. Atenção: é “Palavra do Senhor”, no singular, e não “palavras do Senhor” como às vezes se escuta em algumas liturgias; os leitores (primeira, segunda leitura e salmo) devem, ao chegar ao ambão, fazer uma reverência ao Sacrário ou ao altar;

A Primeira Leitura geralmente é tirada do Antigo Testamento, onde se encontra o passado da História da Salvação. O próprio Jesus nos fala que nele se cumpriu o que foi predito pelos Profetas a respeito do Messias.

• Salmo de meditação (ou responsorial)

Nos salmos, nós falamos com Deus (nossa resposta); é um canto ou recitação de um salmo; a palavra salmo indica a recitação de um poema, acompanhada de um instrumento musical; funciona como que uma resposta à Primeira leitura; é como que uma ressonância do que foi anunciado na leitura precedente, em forma de resposta orante, em estilo poético; serve para ajudar a Assembléia a rezar e a meditar na Palavra acabada de proclamar. Pode ser cantado ou recitado.

• Segunda leitura

aqui Deus também nos fala; esta leitura só ocorre na liturgia dominical ou em celebrações especiais; geralmente é usado um texto do Novo Testamento; a Segunda Leitura em geral é tirada das Cartas de Pregação dos Apóstolos (Paulo, Thiago, João etc.) às diversas comunidades e também a nós, cristãos de hoje; em certas ocasiões usa-se trechos do Apocalipse.

• Aclamação ao Evangelho

terminada a Segunda Leitura, vem a monição ao Evangelho, que é um breve comentário convidando e motivando a Assembléia a ouvir o Evangelho. O Canto de Aclamação é uma doxologia para o Senhor que vai nos falar; aqui a assembléia fala, num sentido de acolhida da Palavra que vai ser proclamada; através do canto aclama-se o Cristo, que vai falar a seu povo; o Evangelho deve ser sempre saudado com o “aleluia”, recitado ou cantado; aclama-se de pé, em sinal de prontidão, e porque o Cristo está falando;

• Proclamação do Evangelho e homilia

É proclamado o Evangelho de Jesus segundo Mateus, Marcos, Lucas ou João, conforme o tema do dia; toda a Assembléia está de pé, numa atitude de expectativa para ouvir a Mensagem. A Palavra de Deus solenemente anunciada, não pode estar "dividida" com nada: com nenhum barulho, com nenhuma distração, com nenhuma preocupação. É como se Jesus, em Pessoa, se colocasse diante de nós para nos falar. A Palavra do Senhor é luz para nossa inteligência, paz para nosso Espírito e alegria para nosso coração; Deus nos fala, mais uma vez; o presbítero proclama o “evangelho do dia” (ou outro em especial) conforme o Lecionário; é um relato da atividade missionária de Jesus Cristo; o celebrante inicia dizendo a que evangelista se refere: “Evangelho de Jesus Cristo segundo São Mateus” e a assembléia responde: “Glória a vós Senhor”. E conclui dizendo: “Palavra da Salvação!” e todos respondem: “Glória a vós, Senhor!”.

Aqui também chamamos atenção para um equívoco que ocorre com alguma freqüência. A Palavra de Deus é composta de muitas palavras, mas como um monólito doutrinário ela é una, e deve ser aclamada como Palavra, do Senhor ou da Salvação.

Por isso não deve ser dito “Palavras da salvação” ou menos ainda, como se costuma escutar por aí: “Estas são para nós hoje, palavras da salvação”, mas apenas: “Palavra da Salvação”.

• A homilia

A homilia explica, em tom fraterno e coloquial a Palavra de Deus (as três leituras, e não apenas uma delas); trata-se de uma ajuda para que os fiéis compreendam os mistérios de Cristo, e compreendendo procurem vivê-los e assim buscar a conversão; a homilia (pregação) pode ser feita pelo celebrante ou outra pessoa convidada para esse fim; a homilia é a interpretação de uma profecia ou a explicação de um texto bíblico. A Bíblia não é um livro de sabedoria humana, mas de inspiração divina. Jesus tinha encerrado sua missão na terra. Havia ensinado o povo e particularmente os discípulos. Tinha morrido e ressuscitado dos mortos. A missão estava cumprida! Mas sua obra da Salvação não podia parar, devia continuar até o fim do mundo. Por isso Jesus passou aos Apóstolos o seu poder recebido do pai e lhes deu ordem para que pregassem o Evangelho a todos os povos. O sacerdote é esse "homem de Deus". Na homilia ele "atualiza" o que foi dito há dois mil anos e nos diz o que Deus está querendo nos dizer hoje.

Baseada nas leituras litúrgicas, as reflexões da homilia são sempre relacionadas entre si. O Sacerdote faz a explicação e reflexão do que foi ensinado. Esta é uma hora muito importante da Santa Missa, pois é quando aprendemos grandes lições de vida e fazemos o firme propósito de aplicá-las em nossas vidas. É também a hora em que podemos entender o poder da Palavra de Deus que nos liberta e faz de nós seus novos apóstolos. Falamos mais em homilia adiante.

As leituras são escolhidas pela Igreja conforme o tempo que estamos vivendo, isto é, de acordo com o Calendário Litúrgico: tempo comum, Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Pentecostes, etc. A valorização da liturgia da palavra foi um dos eixos da “Reforma Litúrgica” ordenada pelo Concílio Vaticano II, e executada pelo papa Paulo VI. Os padres conciliares, de fato, consideraram que “é enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. (…) Para promover a reforma, o progresso e adaptação da Sagrada Liturgia, é necessário, por conseguinte, desenvolver aquele amor suave e vivo da Sagrada Escritura de que dá testemunho a venerável tradição dos ritos tanto orientais como ocidentais” (SC 24).

Depois das leituras começa o ordo missae, que muitos chamam de “ordinário da missa”, que algumas correntes chegam a incluir na Liturgia da Palavra:

• Profissão de fé (o Credo)

a Igreja fala (professa sua fé); o objetivo do Creio é levar o povo a dar seu assentimento e resposta à Palavra de Deus que foi proclamada, bem como trazer presente a regra da fé antes de passar para a liturgia Eucarística; A comunidade professa sua fé em comunhão com os ensinamentos da Igreja e pela liturgia da palavra, confessando crer em toda doutrina Católica, no perdão dos pecados e na presença viva de Jesus. A fé é a base da religião, o fundamento do amor e da esperança cristã. Crer em Deus é também confiar nele. Dizemos “Creio em Deus Pai”, com essa atitude queremos dizer que cremos na Palavra de Deus que foi proclamada e estamos prontos para colocá-la em prática.

• A Prece Universal (ou Oração da comunidade)

Neste etapa, a Igreja pede por suas necessidades; cada comunidade deveria fazer suas preces, conforme sua realidade, necessidades particulares e peculiaridades sociais e pastorais, e não simplesmente repetir o que está escrito nos folhetos, que muitas vezes está fora das realidades daquela Igreja particular; a comunidade unida em um só pensamento e desejo eleva a Deus seus pedidos e anseios, pedidos coletivos e também pessoais. As orações podem ser conforme o tempo litúrgico ou campanhas da igreja, como por exemplo a Campanha da Fraternidade. Depois de ouvirmos a Palavra de Deus e de professarmos nossa fé e confiança no que Deus nos falou, nós colocamos em suas mãos as nossas preces de maneira oficial e coletiva. Mesmo que o meu pedido não seja pronunciado em voz alta, eu posso colocá-lo na grande oração da comunidade. Assim se torna oração de toda a Igreja.

Em paralelo, há outros pontos da Liturgia da Palavra que devem ser observados, para uma melhor compreensão do mistério celebrado. Falando a respeito dessa liturgia, Santo Agostinho assim se manifestou:

Quando Jesus Cristo subiu aos céus, deixou sua boca (os evangelhos) na terra.

A Liturgia da Palavra deve revestir-se de um clima de oração, escuta e acolhida. A motivação e as introduções devem ser eficazes, para que se desperte esse sentimento de abertura na assembléia. O ideal – dependendo das características de cada comunidade – seria que, para uma melhor assimilação, as leituras fossem apenas lidas e escutadas, e não acompanhadas através dos folhetos. Para tal, seriam necessários, bons leitores, um bom sistema de som, silêncio e uma atitude receptiva. O silêncio é característica de certos momentos da liturgia, e como tal deve ser observado e cultivado. A esse respeito, respiguei uma interessante frase de Romano Guardini:

Quem não sabe fazer silêncio não pode fazer liturgia.

A Liturgia da Palavra deve ser celebrada de tal forma capaz de fomentar a meditação. Para tanto, é preciso que se evite a pressa e os ruídos que impedem o recolhimento. O diálogo entre Deus e a humanidade, que se realiza com a ajuda do Espírito Santo, requer breves e localizados momentos de silêncio, adequados à assembléia presente, para que neles a Palavra de Deus seja acolhida e digerida interiormente. Pode ocorrer a incidência de silêncio antes de iniciar a Liturgia da Palavra, depois das leituras e após a homilia.

É interessante que, além da mística, sejam alocados à liturgia todos os recursos possíveis e disponíveis para a otimização de nossas celebrações. A notícia, boa, ruim, mentirosa, tendenciosa, do rádio, jornal ou televisão, é dada com técnica, recursos audiovisuais de última geração, feita por profissionais, com largo espectro de difusão, chegando a milhares de ouvintes e telespectadores. Assim funciona a chamada grande mídia. E a Palavra de Deus, a boa notícia da salvação, como é divulgada por nós? Nunca esquecendo que o local onde é proclamada a Palavra Deus, a outra mesa da celebração, é o ambão.

Quanto ao ambão há um fato que merece reparos. Todos nós sabemos que a liturgia se processa – já foi dito – através das “duas mesas” o ambão (para a Palavra) e o altar (para a Eucaristia). No entanto, essa bipolaridade do mistério não é condignamente celebrada em algumas igrejas. Se de um lado a teoria nos revela uma semelhança teológica e pastoral entre o ambão e o altar, de outro a prática nos mostra o contrário, quando se vê altares enormes, finamente ornamentados com toalhas, velas e flores, enquanto ali ao lado a mesa da Palavra aparece esquálida, uma base singela, uma haste vertical (às vezes um pouco mais grossa que um cabo de vassoura) e uma diminuta prancha, não-raro sem toalha, onde é proclamada a Palavra, dados os avisos da comunidade e vendidos números de rifa para ajudar em alguma campanha paroquial. Urge a equiparação das duas mesas.

No terreno da captação da mensagem, cabe também atenção a certos detalhes técnicos. Os experts em comunicação afirmam que, em geral, do que se fala, alguma coisa as pessoas guardam e muito do que é dito se perde. Vejam abaixo o que se aproveita de um discurso:

7% das palavras

17% das expressões peculiares (chavões) utilizadas

25% da expressão corporal (gestos e movimentação)

51% se perde

A comunicação litúrgica não fica muito longe dessa estatística. Para isto, o uso de palavras, expressões e gestos, nas leituras e homilia deve ser muito bem trabalhado, para que os ouvintes interiorizem a mensagem.

O canto de aclamação do Evangelho deve predispor favoravelmente os ouvintes. Este canto funciona quase como um mantra, para criar um estado de abertura e relaxamento, para que os espíritos se disponham a escutar a Palavra. No tópico referente ao canto litúrgico, adiante, falaremos mais no canto de aclamação.

O ministério da Palavra de Deus deve ser celebrado de forma viva, piedosa, vibrante e existencial. Deve ser visto como um diálogo entre pessoas. Alguns biblistas costumam afirmar que os textos sagrados são uma carta de amor de Deus à humanidade.

A reforma litúrgica do Vaticano II valorizou os cantos (o salmo de meditação e a aclamação do Evangelho). O salmo de resposta é uma espécie de meditação da palavra ouvida, uma retomada contemplativa de todo um contexto escriturístico. Por seu caráter solene, a aclamação do Evangelho deve ser impregnada de um louvor festivo, e para tanto não pode ser omitido o aleluia, que significa “Deus-Javé seja louvado!”.

• A HOMILIA

a) aqui, a Palavra mais do que proclamada, é celebrada;

b) seu objetivo é fazer com que a Palavra se encarne no povo, e que este responda à Verdade celebrada;

c) é mais endereçada ao coração;

d) breve (máximo de dez minutos) e centrada nos textos do dia.

A homilia é o comentário da Palavra anunciada. Ela deve conduzir a assembléia a uma ativa participação no rito, proclamando as maravilhas de Deus, a história da salvação e o mistério de Cristo. A homilia leva ao povo o alimento da Palavra. O povo tem direito a esse alimento. O Concílio (SC 52) define a homilia como “...parte da própria liturgia”. A homilia, é bom que se diga, não é aula, pregação doutrinal nem exposição exegética da Bíblia. Situada entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística, a homilia quer fazer uma ponte entre essas duas instâncias, trazendo o mistério o mais perto possível da assembléia. Mesmo nas missas semanais, por menor que seja a exortação o celebrante deve fazer homilia.

Hoje se costuma estabelecer uma diferença entre homilia e pregação (ou sermão). Enquanto a homilia é uma conversa fraterna, um “papo” familiar, em geral utilizada nas Missas ou cerimônias que comportem uma liturgia da Palavra, pregação é mais pesada, em geral adequada a grandes romarias, novenas solenes, etc.

A homilia, agregada à proclamação da Palavra, deve ser bem preparada, conter os elementos essenciais dos textos anunciados, e tocar o coração das pessoas, encaminhando-as à revisão de vida e daí a conversão. Não se usa a homilia para outros motivos que não seja o kerygma, isto é, o anúncio da boa notícia, da melhor maneira possível.

Não temos o direito de cansar o povo com homilias despreparadas ou enauseantes, que pouco ou nada contribuem para a formação do povo do Senhor. Nossas celebrações, que são com razão momentos intensos de aprofundamento e oração, não podem se reduzir a um suceder-se interminável de palavras, avisos e cantos, em que o silêncio não encontra mais lugar. Isso para não falar em muitas igrejas ou espaços de celebração em nada adaptados à comunidade que ali se reúne para participar dos santos mistérios de Deus (J. R. DE MELO, A participação ativa na liturgia: Grande aspiração da reforma litúrgica do Vaticano II: apud J. A. DA SILVA (Org.), Liturgia, um direito do povo, Ed. Vozes, 2000).

• A PREGAÇÃO

a) trata-se de uma exposição com estilo próprio, a partir de um tema determinado;

b) seu objetivo é estabelecer um “tratado” sobre o assunto determinado, com base nas Sagradas Escrituras que apontam para um determinado evento;

c) é mais endereçada à inteligência;

d) extensa (até 40-60 minutos).

No passado, o ponto alto das novenas era a pregação. Os pregadores arrastavam multidões que acorriam às igrejas para escutá-los. Não havia, como hoje depois da reforma litúrgica, missa, mas uma bênção solene do Santíssimo, muitos cantos, incenso, etc. O ponto de atração era a pregação; o povo ia às novenas para escutar os grandes pregadores, que em geral nos brindavam com brilhantes peças da oratória sacra, de uma hora ou mais. Hoje, os padres mais jovens não aprenderam nas escolas a desenvolver uma pregação. Sabem fazer homilias, e acham que pregação é uma homilia mais comprida, o que é não é correto. Por esta razão, hoje em dia, pela ausência de bons pregadores, na legítima acepção da palavra, eu raramente freqüento novenas.

• CREDO

O Credo (Creio em Deus-Pai, Todo poderoso...) que também faz parte da Liturgia da Palavra, foi introduzido no corpo da Missa após o Concílio Vaticano II. Antes, como é o símbolo da fé cristã, era proclamado apenas na liturgia batismal. Seu texto é originário do Concílio de Calcedônia (ano 451) que compilou os artigos dos concílios anteriores (Nicéia, 325; Constantinopla I, 381). Recebeu, nessa oportunidade, o nome de “Símbolo niceno-constantinopolitano”.

• A ORAÇÃO DA COMUNIDADE

A “oração dos fiéis” (ou “prece universal”) encerra a Liturgia da Palavra. É a resposta à Palavra de Deus. Nas leituras Deus nos fala; nos Salmos e na oração dos fiéis a assembléia responde. Nessa oração, exercendo a função sacerdotal que dimana do batismo, o povo suplica por todos os homens. A “prece universal” não deve ater-se aos folhetos: cada comunidade deve elaborar a sua, de acordo com as realidades específicas de cada lugar e Igreja.

• pelas autoridades da Igreja e suas necessidades;

• pelos poderes públicos;

• pela salvação da humanidade;

• pelos que sofrem;

• pela comunidade local;

• pelas intenções especiais.

CONCLUINDO...

Para concluir, diríamos que a Liturgia da Palavra não se restringe à leitura dos textos propostos, mas é a proclamação da boa notícia de Deus. É no escutar a Palavra de Deus que a Igreja cresce e faz crescer. O aleluia, ou outra aclamação qualquer, pode ser cantado após a proclamação do Evangelho. O diálogo, nessa conformidade (SC 35), é vivo e edificante:

Deus fala a seu povo e Cristo ainda anuncia o seu evangelho; o povo, por sua vez, responde a Deus com o canto e a oração.

Nessa perspectiva de diálogo, Deus ama, cria e salva; o homem escuta, acolhe, celebra, interioriza e coloca em prática.

Toda a Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, afim de que o homem de Deus seja perfeito, preparado para toda boa obra (2Tm 3,16s).

Meditação feita no fechamento de um “Encontro de Liturgia” realizado em Minas Gerais, em 2006. Prof. Galvão é Teólogo leigo, Biblista e doutor em Teologia Moral. Autor de mais de uma centena do livros, entre eles “Liturgia: Historia, Espiritualidade e Prática”, Ed. Pallotti, 2006.