Rio de Janeiro: imagens de mortes previstas
Em 1995 eu fui ao Rio de Janeiro em companhia de meu colega Julio Cesar Moraes Almeida e lá, ficamos hospedados na Taquara, região de Jacarepaguá; a poucos dias de nossa chegada havia ocorrido uma das maiores enchentes daquela época na cidade e algumas fotos tiradas por moradores me impressionaram. Se alguém tivesse me contado, tenham certeza que eu duvidaria, pois vi nitidamente um carro preso na copa de uma árvore nas proximidades da Cidade de Deus.
Durante quinze anos eu morei no Rio de Janeiro em Copacabana, voltei inúmeras vezes para visitar amigos e curtir a cidade maravilhosa; neste período eu já vi de tudo, do calor infernal, comparado apenas as regiões desérticas até a chuva torrencial que continua alagando e provocando desmoronamentos em pontos vulneráveis, sobre tudo os que estão localizados em morros e comunidades mais pobres e aqueles que estão em locais muito baixos e com alto índice de lixo espalhado.
Durante o tempo que eu conheço o Rio e o tempo atual, jamais vi algo sequer parecido com esta última tragédia que pairou sobre a região metropolitana; agora, momento exato em que estou escrevendo este texto, são 13h38minh do dia 06 de abril; já se passaram cerca de 18 horas desde o início das chuvas e o saldo de mortos confirmados é de 77 pessoas; alguns sites na internet já falam em mais de 100 mortos e cerca de 50 desaparecidos.
As imagens que chegam a todo instante pela televisão e as fotos divulgadas pela internet são incrivelmente impressionantes; casas, carros e avenidas inteiras estão debaixo d’água; pessoas as milhares estão sem chegar a suas casas desde o início da noite de ontem e dormem, sabe-se Deus como, em raríssimos lugares que não foram atingidos pelas águas; pessoas feridas vagam pelas ruas da Cidade Maravilhosa a espera de um socorro que jamais chega e os carros que conseguiram ficar em locais mais seguros, mas ilhados, servem de abrigos para seus donos que também esperam um guincho há horas.
Desde a serra de Petrópolis, uma das cidades campeãs em mortes por soterramento no Rio até a Zona Sul da capital carioca, praticamente nada consegue passar em qualquer sentido; ninguém chega ou sai da cidade há horas e até os aeroportos revezam entre a abertura possível e o fechamento obrigatório que causou outro caos no restante do Brasil, o caos aéreo!
O Governador Sérgio Cabral e o Prefeito do Rio Eduardo Paes decretaram o fechamento oficial de todas as repartições públicas da Região Metropolitana; os Presidentes dos Tribunais suspenderam por tempo indeterminado todas as audiências marcadas para hoje; Corpo de Bombeiros puseram todo o efetivo possível de prontidão; polícia, agentes de trânsito, enfermeiros, médicos e outros profissionais estão em alerta máximo e podem ser chamados a qualquer momento para atender pessoas; traduzindo, a cidade do Rio de Janeiro está vivendo horrores similares aos de uma guerra e a tensão, pouco comum nos cariocas, é visivelmente notada em cada rosto que se vê nas reportagens.
Tecnicamente falando os meteorologistas dizem que a chuva que caiu em uma única noite foi a esperada para o mês inteiro; falando em números, o volume que vitimou mais de uma centena de pessoas em Angra dos Reis no início do ano chegou a 180 mm; somente nesta noite no Rio de Janeiro o volume aferido foi de 240 mm; alguns falam em algo parecido com 500 mil piscinas olímpicas cheias que despencou em 18 horas sem parar. Uma das imagens mais impressionantes, para mim, que estou acostumado a freqüentar a região entre Copacabana e Leblon, foi a Lagoa Rodrigo de Freitas transbordando!
Partindo para a prática rasgada desta situação caótica em que vive as pessoas do Rio de Janeiro, eu não tenho medo de afirmar que 50% de todos os problemas estão por culpa da própria população que insiste em se manter imunda, irresponsável, mal educada e criminosa. As pessoas jogam tudo que lhes vêem as mãos nas ruas, seja um simples papel de bala até pneus, geladeiras, colchões, caixões de defunto e tantos outros objetos que estamos fartos de ver nos córregos, rios, lagoas e ruas de muitas cidades.
Mas se 50% dos problemas são os objetos descartados nas ruas, onde estão os outros 50%? Parte deles é de pessoas que constroem de forma clandestina assumindo o risco de qualquer problema que surgir, mas que culpa o Estado quando eles surgem! Prova disso são as moradias até de médio porte que encontramos em morros e favelas, visivelmente pertencentes a pessoas com razoável poder aquisitivo, que não querem morar longe dos grandes centros e dos grandes tumultos. O Estado tem sua parcela de culpa por não insistir na demolição destas edificações arriscadas, que normalmente vitima seus donos e outras pessoas que estão logo abaixo delas.
Podemos afirmar que uma menor taxa de culpa pode ser atribuída ao processo climático, que já anda frágil e vulnerável, culpa mais uma vez de todos nós que não cuidamos devidamente do lugar onde moramos, mas a grande desgraça está nas coisas que fazemos de modo secundário, coisas que nos qualificam como verdadeiros porcos chafurdando numa zona podre que insistimos mais uma vez em chamar de cidade querida.
A cidade do Rio de Janeiro foi fundada em 1565; são 445 anos completados no último dia 1º de Março; quem a fundou foram os portugueses e a ver pelo projeto de Paraty, podemos dizer que eles nunca foram nenhum modelo de projeto de agrimensura, muito menos de limpeza. Preguiçosos até a alma, faziam casas bem próximas ao mar para que a maré fizesse o trabalho de limpeza urbana, ou seja, o lixo era jogado na frente das casas e quando a maré subia, ela própria tratava de levar a imundice como forma de oferenda ao Deus Netuno. O projeto do Rio de Janeiro não é tão diferente; a cidade foi construída espremida entre os morros altos e o mar e como nosso povo não gosta de morar longe da mordomia, muito menos é exemplo de educação e limpeza, trataram de fazer suas casas amontoadas em qualquer lugar vago que encontrassem e o resultado é este que estamos acostumados a ver.
Que me perdoe cada familiar de pessoas que morreram nesta e noutras tragédias, mas cada povo, do mesmo jeito que têm o governo que merece, também tem o ambiente que merece e não me venham falar de pobreza e azar de vida; sabemos que muitas das pessoas que moram nos grandes centros não estão ali porque amam o lugar e sim pela necessidade, mas também sabemos que todos, sem exceção, poderiam morar em locais mais distantes e gozando de uma relativa segurança contra catástrofes, mas como já citei, isso está fora de cogitação.
Quando eu morava no Rio eu assisti uma manifestação de alguns moradores do Dona Marta que exigiam melhorias para a favela; uma repórter perguntou se ela não gostaria de sair daquele lugar para ocupar uma casa oferecida pelo Governo numa região mais distante; a resposta da manifestante foi rápida: - Deus me livre! Prefiro mil vezes ter que conviver com a miséria, tráfico e mortes aqui, do que ir para São Gonçalo e viver longe desta praia maravilhosa! Enfatizou a mulher. Depois disso, eu preciso dizer alguma coisa?
Se cada um se conscientizasse que um dos grandes problemas urbanos modernos é o lixo descartado de forma aleatória; se o Governo batesse firme nestas questões e punisse severamente aquele que infringisse as normas, talvez tivéssemos um lugar mais decente para podermos nos orgulhar e afirmar ser uma Cidade verdadeiramente Maravilhosa; se não a temos, parte da culpa são deles, aqueles que são os mais atingidos!
Tenho que também fazer outro desabafo; neste celeiro de miséria que chamamos de Brasil, paga-se a conta quem menos contribui para as ocorrências; aqueles que trabalham, pagam impostos além do plausível, gera emprego e pensa, acaba pagando caro por quem só destrói; por quem só cobra, por quem se quer sabe raciocinar, mas são estes que elegem o Presidente, o Governador e o Prefeito e é por isso que são tratados com tanto carinho!
Podem me chamar de deselegante e até de insensível; quem me conhece sabe bem que sou o maior defensor de nosso povo e de qualquer povo que necessite de uma ajuda verdadeiramente moral; povos na África e na América Central são algumas das raridades de falta verdadeira de oportunidade; são pessoas que nasceram sob regimes de escravidão e que jamais tiveram a única sorte para sorrir de uma anedota e que vivem a própria sorte a espera da morte talvez. Estas pessoas são sofridas até a alma e elas sim, muitas das vezes não puderam escolher em mudar suas sortes...
A tragédia de agora no Rio de Janeiro, juntamente com a do início do ano em Angra dos Reis, deixarão marcas muito profundas na vida de muita gente por muitos e muitos anos; nem o Poder Público, muito menos as pessoas comuns poderão fazer nada de essencial que mude efetivamente esta pintura dantesca, surreal e seva. De efetivo apenas a mudança dramática e pertinaz do caráter comportamental de um povo acostumado ao lixo e a preguiça, que ainda enxerga o glamour nas coisas que em outros locais civilizados já estão banidos do rol de fatos.
Como disse um repórter: - Pobre Rio do ano inteiro; o Rio do Abril vermelho!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
Meu site: www.irregular.com.br