O LOBBY, A ÉTICA SUBENTENTIDA NA ARGUMENTAÇÃO E O PLENO

Relatos a título de lobby, a respeito do que se gosta, como se a tentar encontrar e apresentar razões para gostar de tal coisa. “Razões” que levam em conta não fundamentos teóricos e racionais, mas impulsos estéticos e uma teleologia estético-sensitiva, relacionados sob uma sintaxe poética que camufla sua falta de sentido lógico. O interlocutor, deve se desvencilhar de sua posição cética, adotando algo positivo, uma vontade de entender e mascarar pra si mesmo pontos mais minuciosos ou gritantes onde se escondem as contradições. Cada um faz isso normalmente, nos diversos campos, quando, p.ex., aquele de tendência ateísta aceita argumentos duvidosos como certos para a inexistência do sobrenatural. Deste jeito, motivado por uma tendência interna, gera-se muito conflito – porque é uma forma defensiva e egocêntrica. A idéia é, pelo contrário, forçar a si mesmo essa flexibilidade de ceticismo, essa disposição positiva em relação aos gostos alheios; e claro que da mesma forma reciprocamente. O que não significa obrigação de os internalizar. Mas sobretudo, expor o que de irracional existe no ser humano, comunicando abertamente para que todos se identifiquem primeiramente e pelo menos neste ponto. Disso, o respeito múltiplo, em primeiro lugar. Depois a experiência e porventura identificação em relação aos gostos e possivelmente às pessoas que os compartilham ou não. O que está de outro lado, que vai “ao encontro de” e não “de encontro a” essa poética expositiva, flexibilidade etc., é a necessidade de que, – no que as relações transpassem o sujeito, se tornem litigiosas e demandem um juiz externo –, prevaleça uma discussão racional, tão democrática quanto aquela poética do lobby.

Ao contrário do tradicional – ou melhor, acompanhando-o, mas trazendo a atenção para um caso particular e difundido – digo que, embora seja verdade que não haja fundamento científico a partir da análise do mundo “cru” para determinação de uma conduta qualquer, existe uma ética tácita no discurso argumentativo. Minha própria visão de mundo é “fisicalista”; mais: tende a sê-lo. Assim como dito acima em relação ao ateu, pode ser que argumentos em favor de um mundo sem sujeitos me sejam mais atraentes, envolventes e amáveis do que os contrários. Posto isso, não teria eu (e não tenho) como justificar minha posição democrática a partir dessa minha teoria cosmológica. Onde quero chegar é que, entretanto, afirmando uma ética não democrática num texto como esse, estaria me contradizendo. É que o discurso já supõe alguns traços éticos. Um dos primeiros deles se deduz do fato de que ele é dirigido a alguém, o que significa, então, a consideração da existência do outro como sujeito e pois de alguma importância desse outro. Por absurdo, é possível mostrar que, no outro extremo, uma atitude sem palavras seria desconsiderar a subjetividade do outro, como cortar a facão um galho que atrapalha a caminhada. Duas condutas éticas distintas; contudo, a em que se usa linguagem aponta a uma direção própria da comunicação entre sujeitos e que em sua plenitude será democracia assim que o discurso se tornar argumentação. Porque, enfim, discutir com outras pessoas, considerando suas análises e argumentos e rebatendo-os da mesma maneira, transpõe à prática uma igualdade de condições de jogo sob um parâmetro externo – a razão (que só não é juiz por não ser sujeito).

Ainda, sobre outra coisa fundamental tenho vontade de dizer o que penso, que é a respeito do que seria o “pleno”, numa forma genérica. O pleno a que me refiro é aquela condição em que se encontraria um sujeito realizado plenamente. Há de se considerar, claro, o fato de que em alguns (muitos) casos isso é conflitante com a democracia, na medida em que a plenitude de um sujeito pode ser o prazer de subjugar o outro. É sobre justamente o pleno dentro da democracia que quero falar – também porque é o mais problemático e mais recorrente (além de subentendido, conforme exposto acima). Parece contraditório quando falo em “sujeito”, uma vez que em minha cosmologia isso não existe, mas que se entenda essa palavra como um recurso heurístico igual a quase todas as palavras desse texto, e que quer dizer um ser humano. Do meu fisicalismo também a idéia de que um sujeito é o que é, assim como todos os objetos são o que são, pela influência recíproca das coisas em geral. Disso também, a “liberdade” do sujeito. Praticamente, somos mais livres quanto mais opções podemos seguir. Mas que seja claro que inclusive o caminho que queremos retrata influências que tivemos e que o eu, aí, existe pela prática (inclusive pelas memórias, pensamentos) e não como algo guardado num relicário afastado. Essa liberdade – que seria algo sentido plenamente, embora não livre em relação à natureza fundamental – é o meu pleno. A diversidade do que se pode sentir no mundo (com suas doses de opção e de influência) me parece ser o principal insumo da liberdade a que temos direito*; essas influência e opções, ainda, podem ser apresentados, obviamente, por outros sujeitos – é precisamente onde reside o problema, para o qual a solução pode estar no primeiro parágrafo deste texto.

Andrié Silva
Enviado por Andrié Silva em 04/04/2010
Código do texto: T2176610