Mercado produtor do "semi-acabado"

(Contexto: futebol cearense - 2008/2009)

Alguns clubes agonizam, uns poucos talentos sobrevivem, ao tempo em que se a ‘matéria-prima’ se renova, mas escasseia o ‘produto acabado’.

Foi-se o tempo em que as grandes capitais brasileiras produziam aos borbotões seus próprios talentos para o futebol. Não que nelas o talento não mais possa vicejar. Brota sim, mas não como dantes. Sabemos que de modo fortuito há surgido e continuarão a surgir, naturalmente, talentos em exceção, e não mais em profusão.

Quem mais tem acusado o golpe do fim das várzeas e suas conseqüências, são os clubes de futebol do eixo Rio-São Paulo. Em virtude do conjunto das características, tanto físico-geográficas quanto sócio-culturais assumidas pelos grandes conglomerados urbanos deste eixo, foi-se perdendo as condições para o incremento e até mesmo para a manutenção dos centros urbanos da região como produtores de ‘matéria-prima’ para o futebol.

Com a escassez das bases de produção do sudeste, vemos os clubes da região orientar suas buscas, preferencialmente, para o norte e o nordeste brasileiros. Assim, em razão da falta de estrutura da grande maioria dos clubes destas duas regiões, eles acabam desperdiçando parcela importante de sua ‘matéria-prima’, circunstância que tem permitido aos clubes detentores de uma melhor estrutura atrair esse importante e fundamental ‘insumo’.

O quadro que se desenha para o futuro, entre seus traços e figuras, esboça uma megatendência de gigantismo dos grandes clubes e de apequenamento dos menos aquinhoados. É só olharmos atentamente para a 1ª divisão do futebol brasileiro para percebermos essa nova realidade, em que nela não consta nenhum clube da região norte, e em que os clubes da região nordeste têm sido meros transeuntes.

Não é por mera obra do acaso que existe esse verdadeiro ‘apartheid’ no cenário do futebol nacional, onde o fosso entre grandes e pequenos é cada vez mais profundo. Mas não creio que esta situação deva ser encarada por um viés predominantemente político, até para que não caiamos na armadilha da visão separatista. Na verdade, os dirigentes e as lideranças do norte e do nordeste precisam primeiro entender e assimilar a realidade que os circunda, para em seguida se prepararem para a descoberta de alternativas que a ela possa ser sobreposta.

Em passando toda uma vida como dublês e/ou coadjuvantes, isto confere aos clubes de menor porte uma capacidade de auto-percepção formidável. E, portanto, o papel de beneficiários menores em qualquer parceria já lhes é familiarmente conhecido. E, é bom frisarmos diante mão, que o menor quinhão numa parceria e/ou sociedade não representa, necessariamente, um papel inferior. Antes, reflete a cota-parte proporcional ao nível do investimento de cada uma das partes.

Antes, também, que sejamos mal interpretados, vale dizer que não nos contentamos com a utilização das paráfrases e da intertextualidade; que abominados o plágio no sentido da apropriação indébita; que não estivemos nem estamos genuflexos a nenhuma situação hegemônica. Apenas reconhecemos que o ‘modus vivendi’ e o ‘modus operandi’ dos clubes do norte e do nordeste precisa ser mais bem contextualizado, até para que não vivamos de um mimetismo daninho que em nada contribui para a auto-sustentabilidade dos clubes locais.

E também para que de antemão não fique sem resposta quem se questione sobre nossa capacidade crítico-analítica para dissertar sobre o tema, direi que, quem não deu um chute numa bola não está condenado a não entender de futebol e menos ainda a sobre ele falar. Imaginar diferentemente seria dar abrigo a uma premissa falsa e elitista.

Se assim fosse, qualquer crítico de arte deveria estar acima do nível de um expressionista como Vicent Van Gogh ou de um cubista como Pablo Picasso. Qualquer crítico literário deveria estar ao nível dos maiores escritores do mundo. E, depois de Pelé, quem estaria em condição de comentar futebol?

Felizmente, na prática a coisa não funciona desta maneira amesquinhada. Ainda bem que a inteligência não está sujeita a monopólio. Quem analisa não precisa sequer saber fazer malfeito dentro de campo ou fora dele. Menos ainda precisa saber fazer igual, ou melhor, que qualquer ‘boleiro’ ou cartola. Faz-se mister saber observar. Observar com critério, induzindo, deduzindo, utilizando até mesmo a chamada experiência sensível.

Muitos são os exemplos marcantes de pessoas simples que viraram personalidades de destaque e verdadeiras referências em determinadas áreas do saber, donde se pode concluir que a experiência tem o seu valor sim, mas o que dela fazemos e como a utilizamos têm importância ainda maior.