A dama e os naipes.
A sociedade é um todo, um aglomerado de pessoas que se aceitam formando comunidades, cidades...
A síntese desse grupo pode ser resumida num baralho. Reinos de Paus que segundo os estudos esotéricos seria a insígnia da sabedoria; de Ouro, ícone da riqueza de todas as espécies; de Espadas; símbolo do sofrimento, desavenças e de Copas; tradutor do amor e de toda a sua grandeza. No jogo, as cartas se embaralham e são os naipes e as grandezas que determinam o destino ou o produto do embate. Tudo gira em torno do reino e sejam valetes ou reis, todos estão envolvidos com alguma dama de mesmo naipe. Ela é o centro das atenções, pois sem ela não há império ou comunidade.
Nessa comparação, nos primeiros anos de vida, o ícone é a copa. Toda a sutileza e beleza se confundem diante do clima de proteção e dedicação que lhes são dadas. Sendo criança, não importa a raça, é alvo de carinho e esperança. Não podem faltar as quimeras e nem as fantasias para colorir os horizontes futurísticos que se desenham. Toda mulher, invariavelmente, foi uma garota, pois não há senhora sem que houvesse uma menina e nem uma menina sem uma senhora.
Mas o baralho também é provido de surpresas e as cartas enganam. Ainda na infância outros símbolos se manifestam. Provavelmente, o mais influente de todos é a espada. Começa com o sentimento de posse, ciúme infundado, de grandeza. Quando a cultura paterna é deficiente, os caprichos infantis dominam e elas desenvolvem o desejo de poder, de imposição sobre os demais. Começam a entender os estímulos de consumo que acompanham os desejos físicos próprios da transição para a puberdade. Nessa luta entra mais um componente: o ouro. Dinheiro, na comunidade material significa poder e na adolescência, quando desprovida de boa vivência social, ele demonstra status, a força. Ignorando o sentimento terno do amor, exagera em atos de sedução mesclando instintos sexuais com fetiches e se impondo sobre outras castas menos favorecidas.
Mas vem a maturidade. Imbuída de responsabilidade, muitas delas assumidas em momentos de devaneios, vê que nem todos os seus sonhos se realizaram e é obrigada a arcar com as conseqüências. Ainda convive com a presença incomoda da espada e do ouro nas decisões mundanas sendo obrigada a se omitir, a mentir; a viver num mundo irreal para manter a posição social que arduamente construiu. A presença intensa das dificuldades associa-se as frustrações, às dores. Rica ou pobre se vê nas filas dos ambulatórios em busca de socorro. Os seios que despertavam volúpias, que amamentavam, hoje são alvos de exames. O corpo esguio que ostentava luxúria contenta-se com o uso prático das vestimentas. Fase em que ocorrem a perdas do convívio de pessoas queridas, das fantasias amorosas que não se realizaram; os prazeres intensos deram lugar a incertezas. As perdas e danos, a presença ou não de filhos, de cônjuges, alteram a realidade a obrigando a agir com prudência e sabedoria. Toda adulta - querendo ou não - acaba por conhecê-la. Na frieza dos seus ensinamentos ela mostra os fatos, a verdade nua que não aceita máscaras. O destino do mundo agora lhe interessa e não há uma expectativa duradoura de paz.
Por fim, quem atinge a melhor idade passa a agir com humildade. Sobreviveu aos desafios e aprendeu a jogar, e só então exibe a verdadeira riqueza que se depurou no decorrer dos anos. Deixa fluir o melhor da vida, a tradução do símbolo de copa - o amor fraterno-, alvo deixado nos momentos de luta que se torna realidade. É a matriarca, quem tem uma palavra amiga, quem dá colo; é como sombra frondosa, o oásis no deserto das inseguranças humanas, porque o carteado da vida, embora cheia de escoriações, ela é vencedora.