DO COMENTÁRIO
Publicar um texto assemelha-se ao fundo das águas. Nelas se lançam as redes, à espera do indefinido número de peixes. Profundas águas, grande e variado cardume supõe-se. Menos abrangente que a rede, o texto é um anzol. Fisga individualmente o alvo leitor que, ao contrário dos peixes, muito pouco e lentamente se multiplicam.Os peixes, porque em cardume, lhes pescamos. Os leitores, porque solitários, individualmente põem-se à isca do escritor que se deixa atrair.
A relação do escritor com o leitor se limita à palavra semeada de que fala a parábola do semeador, assim como na pesca se lança a rede. Colhe-se o fruto conforme a terra firme e fértil; pesca-se o peixe não na superfície, mas na profundeza das águas. O pescador lança a rede em águas límpidas ou turvas. O escritor lança um texto a um público determinado ou incerto. Neste caso, visando um alvo no escuro. O objeto da pesca é o peixe. O alvo a que visa o texto é o leitor de quem o escritor colhe a crítica ou comentário.
É nessa relação que às vezes se estabelece uma desigualdade geradora de conflitos. Ou por parte do texto incompreensível, cujo autor se faz de “sábio incompreendido”, ou por parte do desatento leitor, cujo comentário transforma numa pretensiosa e infundada crítica.
Respeitadas as honrosas exceções, na regra geral se inserem os pseudos teóricos a emitirem convictas opiniões subtraídas da auto-suficiência. A forma fixa, a rima, a métrica e suas variações têm no soneto o exemplo maior, e por ser tão belo quanto difícil, torna-se alvo preferido pelos que dele zombam, ao mesmo tempo em que frustrada e secretamente o admiram.
Não é o caso do raro exemplo a seguir.
Reporto-me ao um comentário recentemente feito a um texto da brilhante poeta Tânia Meneses, no qual, acerca de “Posse Poética, Uma Tentativa Frustrada”, assim me pronunciei: poesia é gênero de que o soneto é espécie. Ninguém inventou a poesia, mas lhe criaram formas e fôrmas. Daí se diversificou um "cardápio" para todos os gostos sobre os quais discutir é inútil. Eu mesmo, como leitor e como "perseguidor" da poesia, não faço acepção de estilo, mas procuro escrever conforme o suposto dom no qual se baseia a minha obstinação. Você é POETA. Muito mais que uma fazedora de versos. Daí sua mensagem sobrepondo-se a qualquer rigor formal. Eu, não sei o que sou, mas repudio qualquer rótulo. Meu encanto pelo soneto não é uma predileção. Meu avô, com mais de 80 anos recitava sonetos de cor quando eu tinha oito anos. Meu pai, que não é poeta, também sabe os mais célebres. No curso de Letras, tive um professor/escritor em cujas aulas ele, além da tradicional escansão, dissecava o texto, transformando-o em prosa, analisando-o sintática e morfologicamente (inclusive a camada fônica) e depois o refazia na forma original. Talvez seja por isso essa minha afinidade com o soneto. Mas o verso livre igualmente me fascina. Se assim não o fosse não leria Drummond, Fernando Pessoa. Nestes e noutros modernistas curiosamente se encontram obras-primas em forma de soneto.
Patético alguém dizer que o soneto está “fora do contexto”. De que contexto? O da limitada percepção incapaz de discernir menos superficialmente sobre métrica e rima? Para esses a técnica é um artificialismo que “limita a ideia.” Mas o mundo das idéias independe da técnica, enquanto esta é que dela precisa. Quando isso se junta é impossível haver algo que não seja arte, e nesse caso, arte poética. O verso livre, por sua vez, não implica ideia solta em justaposições de vocábulos com sentidos diametralmente opostos. Organizar um pensamento com “liberdade poética” é também um genial artifício que se molda a uma disciplina formal. Criticar é fácil, explicar é difícil. Entender, a cada leitor consiste.
É tão óbvio quanto oportuno esclarecer aos desatentos o meu comentário isento de qualquer crítica à exposição de motivos redigida por Tânia. Porém, mergulhando em águas turvas muito pouco se vê o que é comum em águas límpidas. Como as sementes, as palavras se perdem entre pedras, e morrem. Como os peixes, perdem o fôlego, se o leitor não mergulhar no texto muito aquém da superfície.
Brasília, 28/3/2010
* Foto Google.
Publicar um texto assemelha-se ao fundo das águas. Nelas se lançam as redes, à espera do indefinido número de peixes. Profundas águas, grande e variado cardume supõe-se. Menos abrangente que a rede, o texto é um anzol. Fisga individualmente o alvo leitor que, ao contrário dos peixes, muito pouco e lentamente se multiplicam.Os peixes, porque em cardume, lhes pescamos. Os leitores, porque solitários, individualmente põem-se à isca do escritor que se deixa atrair.
A relação do escritor com o leitor se limita à palavra semeada de que fala a parábola do semeador, assim como na pesca se lança a rede. Colhe-se o fruto conforme a terra firme e fértil; pesca-se o peixe não na superfície, mas na profundeza das águas. O pescador lança a rede em águas límpidas ou turvas. O escritor lança um texto a um público determinado ou incerto. Neste caso, visando um alvo no escuro. O objeto da pesca é o peixe. O alvo a que visa o texto é o leitor de quem o escritor colhe a crítica ou comentário.
É nessa relação que às vezes se estabelece uma desigualdade geradora de conflitos. Ou por parte do texto incompreensível, cujo autor se faz de “sábio incompreendido”, ou por parte do desatento leitor, cujo comentário transforma numa pretensiosa e infundada crítica.
Respeitadas as honrosas exceções, na regra geral se inserem os pseudos teóricos a emitirem convictas opiniões subtraídas da auto-suficiência. A forma fixa, a rima, a métrica e suas variações têm no soneto o exemplo maior, e por ser tão belo quanto difícil, torna-se alvo preferido pelos que dele zombam, ao mesmo tempo em que frustrada e secretamente o admiram.
Não é o caso do raro exemplo a seguir.
Reporto-me ao um comentário recentemente feito a um texto da brilhante poeta Tânia Meneses, no qual, acerca de “Posse Poética, Uma Tentativa Frustrada”, assim me pronunciei: poesia é gênero de que o soneto é espécie. Ninguém inventou a poesia, mas lhe criaram formas e fôrmas. Daí se diversificou um "cardápio" para todos os gostos sobre os quais discutir é inútil. Eu mesmo, como leitor e como "perseguidor" da poesia, não faço acepção de estilo, mas procuro escrever conforme o suposto dom no qual se baseia a minha obstinação. Você é POETA. Muito mais que uma fazedora de versos. Daí sua mensagem sobrepondo-se a qualquer rigor formal. Eu, não sei o que sou, mas repudio qualquer rótulo. Meu encanto pelo soneto não é uma predileção. Meu avô, com mais de 80 anos recitava sonetos de cor quando eu tinha oito anos. Meu pai, que não é poeta, também sabe os mais célebres. No curso de Letras, tive um professor/escritor em cujas aulas ele, além da tradicional escansão, dissecava o texto, transformando-o em prosa, analisando-o sintática e morfologicamente (inclusive a camada fônica) e depois o refazia na forma original. Talvez seja por isso essa minha afinidade com o soneto. Mas o verso livre igualmente me fascina. Se assim não o fosse não leria Drummond, Fernando Pessoa. Nestes e noutros modernistas curiosamente se encontram obras-primas em forma de soneto.
Patético alguém dizer que o soneto está “fora do contexto”. De que contexto? O da limitada percepção incapaz de discernir menos superficialmente sobre métrica e rima? Para esses a técnica é um artificialismo que “limita a ideia.” Mas o mundo das idéias independe da técnica, enquanto esta é que dela precisa. Quando isso se junta é impossível haver algo que não seja arte, e nesse caso, arte poética. O verso livre, por sua vez, não implica ideia solta em justaposições de vocábulos com sentidos diametralmente opostos. Organizar um pensamento com “liberdade poética” é também um genial artifício que se molda a uma disciplina formal. Criticar é fácil, explicar é difícil. Entender, a cada leitor consiste.
É tão óbvio quanto oportuno esclarecer aos desatentos o meu comentário isento de qualquer crítica à exposição de motivos redigida por Tânia. Porém, mergulhando em águas turvas muito pouco se vê o que é comum em águas límpidas. Como as sementes, as palavras se perdem entre pedras, e morrem. Como os peixes, perdem o fôlego, se o leitor não mergulhar no texto muito aquém da superfície.
Brasília, 28/3/2010
* Foto Google.