Pequeno balanço pós-júri do caso Isabella Nardoni
Enfim condenados! Comemora a população.
“Mãe de Isabella diz que retomará a vida”
“Avô materno diz estar satisfeito com a condenação”
“Populares comemoram a condenação”
São as manchetes de nossos veículos de (des)informação nos últimos dois dias.
Eu me pergunto, junto a Sócrates, mas o que é mesmo a justiça?
Não quero dizer que o crime do casal foi uma coisa banal, muito pelo contrário, o delito do casal foi medonho, hediondo, ou seja, aquilo que causa repulsa, altamente lesivo, covarde, impensado, produto de um momento fugaz de alta fúria.
Não assisti ao júri, nem li as peças processuais, muito menos examinei os laudos periciais, contudo vou confiar no veredito do júri que chegou à conclusão da culpa do casal Nardoni.
Enfim condenados! Comemora a população. E eu a lembrar de Sócrates indagando nas praças de Atenas sobre o que era a justiça.
O povo está satisfeito. Sua sede de VINGANÇA foi saciada. É certo que para a maioria, o casal deveria era mesmo pagar com a vida, ou seja, serem exterminados sumariamente sem nem mesmo terem direito à defesa. É assim que o nosso douto povo pensa.
O julgamento acabado, o espetáculo, cada vez mais arrefecido, agora irá perder o interesse aos poucos. A imprensa não venderá mais, por exemplo, um milhão de jornais, mas apenas uns, sei lá, 750 mil.
Queda nos lucros! Isso é grave! “Necessitamos encontrar outra tragédia, pois nossos números não vão muito bem”. Dizem os executivos da área de mídia.
O povo, após o julgamento, senta em frete à televisão e espera pela próxima notícia. Quem será a bola da vez agora? Iremos protestar por justiça agora, mas sobre qual assunto?
E aí Sócrates? Tu meditaste por toda tua vida à procura de uma resposta para a questão: O que é a justiça? E mesmo vivendo setenta anos, tu, o marco da filosofia ocidental, não conseguistes responder a uma questão que o povo e a mídia brasileira respondem tão facilmente.
Cadê tua sapiência, Sócrates?
Eu penso que mesmo que fossem absolvidos, o casal Nardoni já teria de fato sofrido as enormes conseqüências pelo seu ato impensado ou muito mal pensado, como queiram.
Mesmo absolvidos, seria impossível viverem no Brasil. Seria impossível arrumar um emprego, andar pela rua, ou fazer qualquer tipo de atividade social. Mesmo absolvidos, passar dois anos numa cadeia parece nada para quem está do lado de fora, mas para quem está lá estes dois anos multiplicam-se por mais dois.
Mas o povo clama por “justiça”.
Os jornalistas e âncoras de jornais abanam a cabeça ao falar sobre o crime hediondo do casal. Estão certos de que são mais humanos do que esses dois animais.
Implicitamente, sorrateiramente, aquele que fala mal ou julga seu semelhante automaticamente se exclui da possibilidade de vir a praticar o ato que julga. Ou seja, de forma indireta ele diz: Sou melhor do que você, pois jamais faria uma coisa dessas.
Querem “justiça”. Eu trocaria a palavra justiça, na boca do povo, pela palavra vingança. E uma vingança barata e pouco refletida, ou seja, paga-se a barbárie com a barbárie.
Monta-se um circo, um espetáculo grandioso, há neste circo de tudo, mas o papel principal é o do constitucionalmente titular do poder, o povo. Ele representa o palhaço.
O palhaço que ri e não sabe por que, o palhaço que se junta a outros palhaços em momentos como esse, para clamar por “justiça”, ou para verem os inúteis jogos da seleção.
O palhaço desconhece seus direitos, não se interessa por política. O palhaço quer saber mesmo é de representar o seu papel no circo. Não sabe bem por que está ali, ou se está de fato certo o que está fazendo, o palhaço recusa-se peremptoriamente a pensar.
O povo, em verdade, tem sede de sangue, ele quer é chutar e quebrar. Reflexo de uma sociedade em que tudo é banalizado e praticamente todos são boçais.
Desde o mendigo que pede esmola na rua até o “formador de opinião”, a babaquice aqui no Brasil é quase geral.
Aqui se pensa muito pouco, as soluções são fáceis, no Brasil é possível tornar banal qualquer coisa.
Sócrates, eu de fato estou muito decepcionado contigo, pois não conseguiste resolver numa vida inteira o que o povo brasileiro e sua responsável imprensa resolvem bem em apenas dois anos, que vergonha Sócrates? Que vergonha!