"Marreta de Dois Quilos" ou "Trambiqueiros Prestativos S.A." =Artigo de alerta=
Morar em Santos exige alguns cuidados. Aliás, tomar alguns cuidados é necessário, creio, em qualquer cidade, mas aqui a gente tem que se prevenir – e muito- contra os “prestativos” prestadores de serviços de quase todos os tipos.
Se um camarada sabe mais ou menos lidar com eletricidade, alvenaria, consertos de eletrodomésticos, julga-se logo pronto a ganhar dinheiro com isso. Mas a principal habilidade que desenvolve é a cara-de-pau para explorar ao máximo aos clientes que julgam idiotizados por terem chegado à terceira idade.
Minha mãe, cardíaca, foi instada, a conselho médico, a colocar um ar-condicionado no quarto dela. E quando minha mãe quer alguma coisa ela sabe ser muito paciente. É capaz de esperar por alguns minutos para que a coisa comece a acontecer.
Para a coisa começar a acontecer, chamei aqui em casa um camarada que anda com um carro bacana, todo adesivado, prometendo consertos com qualidade, rapidez, economia, seriedade e competência. O sujeito veio, analisou detidamente as condições da fiação do apartamento, pediu “apenas” seiscentos reais pela mão de obra, mais cento e cinqüenta pela abertura do buraco na parede, e deixou uma listinha de material a ser comprado por mim. Dos itens pedidos por ele dois simplesmente não existem. Claro que o dispensei no dia seguinte ao saber que o cabo flexível de 8 mm simplesmente não é fabricado.
Veio outro. Um engenheiro eletricista, filho de um dono de casa de material elétrico, que se esmerou no cálculo do custo do material. Feito o cálculo, fiquei sabendo que o material me custaria duzentos e oitenta e quatro reais. Ele não sabia que o pai dele já havia me passado o preço de cento e quarenta e oito reais. Total da instalação com mão de obra? Mixaria. Só mil reais. Mil reais para instalar um ar condicionado que custou oitocentos e alguma coisa.
A título de vingança, combinei com ele o serviço para o dia seguinte a partir das oito e meia da manhã. Deixei-o passar a noite acreditando que faturaria novecentos reais na moleza e no dia seguinte, às oito da manhã em ponto, liguei cancelando o pedido de instalação. Ele custou a se conformar com a perda do “absurdamente extenuante” trabalho que teria. Coitado...
Todos dois procuraram convencer-me da imensa dificuldade que seria levar uma fiação do quadro-geral da cozinha até o quarto de minha mãe e ambos calcularam que seriam gastos mais ou menos 96 metros de cabo flexível. Gastei menos de trinta metros e fiquei curioso sobre onde eles enfiariam o que sobrasse. Se me pedissem uma sugestão...
De saco cheio da palhaçada, resolvi meter os peitos e fazer eu mesmo todo o serviço. Algumas horas depois a fiação estava colocada, os disjuntores instalados, a tomada à espera da eletricidade, e só faltava abrir a moldura de alvenaria no quarto e meter o ar-condicionado ali dentro.
Meu amigo pedreiro, que não pôde fazer a instalação por excesso de serviço devido à sua honestidade e competência, disse-me que seria necessária uma marreta de dois quilos e uma talhadeira boa.
Comprei a marreta no peso indicado e uma talhadeira de aço e comecei a obra por minha conta. Algumas horas depois meu braço direito parecia um ser independente trabalhando ao meu lado. Não o sentia mais e percebia o músculo inchando à medida em que uma ou outra bolha ia se formando na palma de minha mão direita. Mas eu sou chato e não desisto nunca. Quando parei o trabalho, que no condomínio só pode ser feito até as quatro e meia da tarde, um montão de entulho estava à minha espera para ser levado embora.
Quando tentei atacar a viga de concreto a coisa engrossou. Tive que recorrer ao João, meu amigo pedreiro e faz-tudo do condomínio, e ele prontamente me atendeu. Correu à sua caixa de ferramentas, pegou uma marretinha de meio-quilo e voltou sorridente à minha casa dizendo:
- Essa sua marreta de dois quilos ferra com o braço da gente...
- Filho da...quer dizer que pra mim, marreta que ferra o braço, e pra você essa merdinha que dá até pra fazer cutícula com ela?
A verdade é que nem mesmo os amigos perdem a oportunidade de valorizar qualquer serviço a ser feito.
O desgramado só ria com cara de safado enquanto dava suas marretadinhas light.
Ps: Com a economia feita, mais de setecentos reais, convenci minha mãe a investir em um multiprocessador de alimentos e amanhã começarei minha propaganda, sutil, da máquina de fazer pão. Gosto de bancar o cozinheiro, mas fazer força só mesmo pra instalar o ar-condicionado.