O espírito cooperativo
Não vou começar a falar sobre o tema aqui proposto conceituando o que seja a cooperação, tendo em vista o fato de que até mesmo alguns animais irracionais parecem compreender o que significa “cooperar”. Se não compreendem, pelo menos demonstram saber o valor da cooperação. Nós, entretanto, se sabemos o que seja cooperar, tal não tem sido suficiente para nos estimular à prática da cooperação, atitude que observamos até mesmo entre insetos, como as abelhas e as formigas, símbolos máximos do trabalho cooperativo.
Infelizmente, na história dos homens (sic) exemplos de atitudes cooperativas tem sido compensadas com o desprezo, uma vez que espíritos cooperativos muitas vezes o receberam como recompensa pelos bens que fizeram a outros. Baseado em tais frustrações, alguém já nos advertiu mesmo para o fato de que, “quando tiveres chance de fazer o bem, não o faças: ninguém o merece” – quer este bem seja feito para uma pessoa ou para uma comunidade. A história dos mártires está aí para nos dizer sobre este triste fato. A música “Geni e o zepelim”, de Chico Buarque de Holanda, nos conta a história de certo homossexual que, apedrejado por suas práticas sexuai, de repente é única esperança de salvação de uma cidade ameaçada por um genocida num zepelim, que promete poupar a cidade se Geni lhe der o que ele quer. A população, então, passa a ovacionar o xibungo implorando-lhe humildemente para que durma com seu opressor. Depois que aquele sacia sua tara e parte, deixando a cidade intacta, a população volta a execrar o pederasta a desejar matá-lo novamente a pedradas.
Como também percebeu em vida o poeta paraibano Augusto dos Anjos, entre muitos outros, quantos já foram cuspidos como paga por beijos dados? Quantos traídos pela confiança? Quantos mortos por aqueles a quem somente dedicaram amor?
Pelo exemplar altíssimo número de mal-agradecidos existente no mundo, sequer deveríamos desejar bom dia aos nossos vizinhos. Porém, pela mesma razão, como exemplo prático do pretendido estabelecimento de um “reino dos céus” na Terra, o mestre Jesus Cristo nos aconselhou a fazer o bem sem ver a quem – não apenas porque aos santos dos primeiros e últimos dias não é lícito nem conveniente agir de forma interesseira, mas porque também muitas vezes quem recebeu bens não os pode retribuir, ou, ainda que possam, jamais terão o desejo de fazê-lo.
Isto posto, talvez aqui esteja explicada as razões pelas quais nós, simples humanos (sic), não estamos muito dispostos a voluntários exercícios de cooperação. Por causa de nosso livre arbítrio e exacerbado egoísmo, não somos como as formigas e certos outros animais que, com suas ações cooperativas, apenas estão cumprindo uma determinação instintiva estabelecida aos movimentos de seus minúsculos seres.
Entretanto, quer entre insetos, animais irracionais ou racionais, pouco se consegue sem a cooperação – que, em momentos de necessidades extremas, se manifesta tão espontaneamente entre as pessoas que nos admiramos de ter menosprezado ou severamente criticado “a ausência” da tendência cooperativa de nossa latente humanidade (sic).
Mas, a não ser pelos sofrimentos ocasionados por cataclismos, a maior parte de nossos graves problemas sociais é gerada mesmo pela ausência quase absoluta do amor ou, já que um sentimento nobre demais a ser expresso entre simples humanos (sic), pela falta de certa dose de respeito aos semelhantes, estejam eles próximos de nós ou distantes.
A conseqüência direta desse desrespeito? A falta de cooperação. E então, para nós, foi preciso estabelecer, com leis, práticas compulsórias de respeito aos outros e a necessidade da cooperação – embora tal procedimento evidentemente não tenha resolvido o problema sobre como estabelecer o Bem e suas conseqüências “no coração” das pessoas, ainda que, por séculos, e mesmo considerando justamente excessivas certas práticas educativas, "Deus", as igrejas e as escolas tenham pretendido isto, estando hoje ambas as instituições, acima de tudo, e mesmo pregando o contrário (ao estimular prática de esportes e o “trabalho de equipe”, por exemplos), apenas interessadas em estimular o espírito competitivo das pessoas, ao que tudo indica, essência primeira e última dos que se dizem “cooperadores" de realizações genuinamente humanas sobre a Terra.