ATOS DE FALA EM CARTAS OFICIAIS DA PARAÍBA DOS SÉCULOS XVIII E XIX

ATOS DE FALA EM CARTAS OFICIAIS DA PARAÍBA DOS SÉCULOS XVIII E XIX

Divalnise Emmanuelle A. C. Guedes

A pesquisa a que nos propomos enfocará textos oficiais da Paraíba, datados de 1774 a 1874. Tal estudo será desenvolvido à luz de estudos feitos por John Austin, filósofo da linguagem, que elaborou em sua obra “How to do things with words”, uma teoria sobre a natureza da linguagem enquanto forma de realizar ato. Como também, há a contribuição do filósofo norte-americano da Universidade da Califórnia, John R. Searl, com a sua classificação dos atos ilocucionários, em que propõe cinco tipos de atos ilocucionários.

É nítido perceber que todo texto ao ser produzido atenda a uma função social, ou seja, apresenta elementos para atingir diferentes finalidades comunicativas. No corpus em estudo, há a presença de alguns propósitos comunicativos que apresentam uma linguagem como forma de ação, isto é, evidencia algumas decisões tomadas por locutores em que estas são favoráveis ou não para os seus interlocutores. Essa observação suscitou uma nova abordagem com uma visão pragmática das cartas, isto é, os textos oficiais supracitados. Portanto, este estudo proporcionou uma nova visão desses documentos, por meio da Teoria dos Atos de Fala.

A partir das doze conferências do filósofo John Austin (1962), passou-se a conhecer os princípios de Locução, Ilocução e Perlocução. O referido autor classificou alguns verbos como performativos, são verbos que correspondem aos atos de fala, como jurar ou batizar, pois cumprem o que dizem. Visto que, no momento em que são mencionados, as suas ações realizam-se observando os critérios de sucesso ou de infelicidade. Além destes, há também os verbos constantivos, referindo-se a uma declaração com o conceito de verdadeiro ou falso. Ao passar do tempo, Austin renuncia estas classificações para os verbos mencionados e passa a caracterizá-los em “atos de linguagem”. Estas representam enunciações e possuem o que o filósofo descreveu de “força ilocucionária” a qual representa o tipo de ato de linguagem realizado quando se enuncia algo. A linguagem é usada não apenas para fazer declarações (afirmações) e que para a maior parte dos enunciados não se pode atribuir um valor de verdade, diz Austin (1962).

Diante da Teoria dos Atos de Fala todo texto, seja ele oral ou escrito, apresenta três aspectos:

a) Locucionário: O falante produz algo com base em regras gramaticais, articuladas à combinação de sons e às relações sintáticas veiculadas pela seleção vocabular;

b) Ilocucionário: O falante visa influenciar o comportamento do receptor, dizer é fazer algo, é uma promessa, um conselho, uma recusa, um elogio, um pedido, um aviso e tantas outras realizações possíveis;

c) Perlocucionários: levam-se em consideração os efeitos que esses produzem no interlocutor.

Austin classificou os atos ilocucionários em certas categorias: vereditivos, expositivos, exercitivos, comparativos e compromissivos.

a) Vereditivos: pronúncia de um veredito, oficial ou não-oficial, acerca da evidência ou das razões relativas a valor ou fato. São eles: inocentar, estatuir, calcular, descrever, analisar, estimar, datar, hierarquizar, avaliar e caracterizar.

b) Expositivos: explanação de concepções, direcionamento de argumentos e, ainda, o esclarecimento de usos e referências. Verbos: afirmar, negar, enfatizar, ilustrar, responder, aceitar, objetar, conceder, descrever, classificar, identificar e chamar.

c) Exercitivos: Atos responsáveis por uma decisão favorável ou desfavorável a algo. Ou seja, uma decisão que preconiza uma determinada conduta. Verbos: ordenar, mandar, instruir, pleitear, suplicar, rogar, aconselhar e nomear.

d) Comportativos: Desculpar-se, agradecer, deplorar, compadecer-se, congratular, abençoar e contestar.

e) Compromissivos: Atos que comprometem o locutor com certa linha de ação futura. Verbos: prometer, jurar, empenhar, garantir e aderir.

Ao abordar os Atos de Fala em dez Cartas Oficiais da Paraíba dos séculos XVIII e XIX, objetivou-se analisar os fenômenos linguísticos em verbos que apareceram com mais frequência e que possuíam uma alta carga semântica, são os verbos: ordenar, pedir, mandar, fazer e remeter.

Os documentos originais pertencem ao acervo documental preservado no Arquivo Histórico da Paraíba. Tais textos foram editados por Fonseca (2003).

Vale ressaltar que as cartas produzidas durante o século XVIII são endereçadas ao governador da Paraíba, enviadas pelo governador da capitania de Pernambuco, verificando-se a presente subordinação da Capitania da Paraíba a de Pernambuco, por questões sociais, econômicas e políticas, sendo assim, elas possuem diversas dimensões da ação comunicativa que visam influenciar o comportamento do receptor com um pedido, um aviso e tantas outras realizações possíveis.

Em todas essas cartas, tomados os trechos como exemplo, verifica-se algum objetivo a ser atingido, seja ele expresso com o propósito de uma ordem, de um pedido, uma sugestão ou instrução. Nesse sentido, Koch (2006) analisa:

Ora, para atingir seu objetivo fundamental, cabe ao locutor assegurar ao seu interlocutor as condições necessárias para que este: a) seja capaz de reconhecer a intenção, isto é, compreender qual o objetivo visado, o que depende da formulação adequada ao enunciado; b) aceite realizar o objetivo pretendido, ou seja, concorde em demonstrar a reação e/ou o comportamento visado pelo locutor. Por isso, este deve realizar atividades lingüístico-cognitivas tanto para garantir a compreensão (tais como repetir, parafrasear, completar, corrigir, resumir, exemplificar, enfatizar, etc.), como para estimular, facilitar ou causar a aceitação (fundamentar, justificar, “preparar o terreno”, etc.). (KOCH, 2006, p. 23-24)

Como metodologia, inicialmente serão feitas observações gerais a respeito dos atos de fala em todos os documentos, vale salientar que o corpus em estudo é composto por 203 cartas, mas por questões temporais a análise delineou apenas 10 (dez) documentos. Para subsidiar a pesquisa contou-se com o aparato teórico da perspectiva da Pragmática, com a teoria dos Atos de Fala e Teoria da Atividade Verbal, que passou a estudar e descrever as ações dos usuários da língua em situações de interlocução.

A partir da fundamentação teórica acima mencionada, verificam-se alguns aspectos analisados por Austin, como a força ilocucionária que consiste no performativo propriamente dito, estabelecendo o tipo de ato realizado. Com isso, tem-se que os atos ilocucionários podem ser realizados a partir de verbos performativos implícitos ou elípticos e, mesmo assim, apresentar a força que objetivam possuir (MARCONDES, 2005). Tendo em vista que os verbos analisados (ordenar, pedir, mandar, fazer e remeter) presentes nas cartas em estudo são usados com um objetivo específico de influenciar o comportamento do receptor ou destinatário das cartas. Deve-se destacar que no período de produção desses textos, havia a subordinação da Paraíba em relação a Pernambuco, com relação a questões econômicas, políticas e burocráticas.

Abaixo, pode-se verificar um quadro demonstrativo com o número da Carta e os verbos nela presentes:

CARTAS ORDENAR PEDIR MANDAR FAZER REMETER

C 1 --------- ------- 2 ------- 1

C 2 1 ------- ------- 1 2

C 3 1 ------- 1 1 -------

C 4 1 ------- 1 6 1

C 5 ------- 1 3 -------

C 6 1 ------- ------- 1 1

C 63 ------- ------- ------- ------- 1

C 64 ------- ------- ------- 1 1

C 65 ------- ------- 2 ------- 2

C 66 ------- ------- 1 ------- -------

A seguir, investigaremos o corpus com a finalidade de analisar os verbos ordenar, pedir, mandar, fazer e remeter, sempre levando em consideração o contexto de produção desses documentos.

Logo abaixo serão apresentados alguns fragmentos das Cartas onde estão presentes os verbos para serem analisados:

(C 1) Título: REMETO A V. Sa O MAPA INCLUSO:

“Remeto a V. Sa o Mapa incluso pelaformalidade do qual sefaz presizo que V. Sa mande, com a possível brevidade, tirar outro, respectivo do destricto Penal desta Capitania, e, logo que estiver tirado o envie Sem perda de tempo à Secretaria deste Governo, mandando taõbem o que lhe vai agora”.

Remeter (mandar, enviar) tem o mesmo sentido de mandar, no qual é mandado para alguém que é subordinado ao remetente da carta, um documento para que este o faça o mais rápido possível.

Mandar (ordenar que vá, exigir que se faça) parece semanticamente com remeter, pois é ordenado para o mesmo preparar um documento com rapidez, neste caso não é um pedido é uma ordem. Então, têm-se dois casos de verbos influenciando o comportamento do destinatário com ordens.

(C 1) Título: REMETO A V. Sa O MAPA INCLUSO:

“Remeto a V. Sa o Mapa incluso pelaformalidade do qual sefaz presizo que V. Sa mande, com a possível brevidade, tirar outro, respectivo do destricto Penal desta Capitania, e, logo que estiver tirado o envie Sem perda de tempo à Secretaria deste Governo, mandando taõbem o que lhe vai agora”.

Remeter (mandar, enviar) tem o mesmo sentido de mandar, no qual é mandado para alguém que é subordinado ao remetente da carta, um documento para que este o faça o mais rápido possível.

Mandar (ordenar que vá, exigir que se faça) parece semanticamente com remeter, pois é ordenado para o mesmo preparar um documento com rapidez, neste caso não é um pedido é uma ordem. Então, há dois casos de verbos influenciando o comportamento do destinatário com ordens.

(C 64) Título: RECEBI: EM 25 DE OUTUBRO DE 1813 ELOGO RESPONDI COMO PELO OFFÍCIO

“Como pelo officio que V. Ex.a me dirigio em o primeiro de Septembro conheço que Manuel Miz Braga he com effeito desertor da Tropa de Linha da Guarnição deSsa Cidade, agora o remetto com hum Officio ao Capitão Mor do Pombal para elle enviar a V. Ex.a me prescreve. Estimo muito ter esta occasião de poder fazer este pequeno Serviço a V. Ex.a” .

Remeter (mandar, enviar) um desertor para outra capitania aos cuidados do destinatário.

Fazer (construir, executar, realizar): concluir a ação cuja ação é a transferência do dito desertor.

(C 5) Título: A ESTA PRAÇ CHEGOU COM EFEITO MANOEL PACHECO

__________________________________________________________

“Faz-se-me indespensavel lembrar a V.Sa da Remessa das Listas dos Mossos Solteiros para as Reclutas destes Regimentos, eem quanto Mas-se demoraõ, va-me V.Sa mandando todos quantos asua eficaz diligencia poder conseguir pois tem ainda muyto pouca gente, edevo com a-maior brevidade completar os referidos Regimentos.”

Fazer (necessidade, algo indispensável): com sentido de algo indispensável, neste caso não se refere a nenhuma conclusão de ação.

Mandar (determinar, enviar), manifestação de ordem ao subordinado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das Cartas Oficiais da Paraíba no que concerne ao uso de alguns verbos performativos, indicando uma ordem, ou seja, o cumprimento ou a solicitação de algo foi observado em grande parte no corpus em estudo.

O objetivo dessa pesquisa foi observar o uso de alguns verbos que contou com o embasamento teórico acima mencionado, verificando assim, alguns aspectos analisados por Austin, tais como a força ilocucionária que estabelece o tipo de ato realizado.

Após analisar os verbos (ordenar, pedir, mandar, fazer e remeter) presentes nas cartas, vimos que esses são usados com um objetivo específico de influenciar o comportamento do receptor ou destinatário das cartas. Isso se deve ao contexto de produção desses textos, pois nesse período havia a subordinação da Paraíba em relação a Pernambuco, com relação a questões econômicas, políticas e burocráticas.

Com isso, podemos concluir que nas cartas escritas por governadores há uma situação de formalismo, de controle social e a linguagem direciona-se ao poder, poder este que era exercido pelo produtor dos textos e essa superioridade pode ser explicada por razões históricas e políticas. Apesar de vários propósitos encontrados nas cartas, há uma semelhança entre elas, pois em todas predominam as ordens e os mandados, visto que, o remetente dos documentos está numa posição hierarquicamente superior ao destinatário destes.

Nos documentos escritos por pessoas cujas atividades são desconhecidas, os assuntos são variados, tendo como finalidade mencionar conflitos de ordem social, problemas com bandos de marginais para reivindicar mais segurança. Quase sempre essa reivindicação era feita a alguém que possuísse um cargo de importância, muitas vezes era o chefe de segurança ou o governador da Capitania.

REFERÊNCIAS

AUSTIN, J.L. (1962) Quando dizer é fazer. Porto Alegre: Artes Médicas.

FONSECA, Maria Cristina de A. P. (2005) A escrita oficial: manuscritos paraibanos dos séculos XVIII e XIX. Recife, UFPE.

___________. 2003) Caracterização Lingüística de Cartas Oficiais da Paraíba dos séculos XVIII e XIX. Programa de Pós Graduação, Recife.

KOCH, Ingedore. G.V. (2006). A inter-ação pela linguagem. 10º ed. São Paulo: Contexto.

MARCONDES, Danilo. (2005). A Pragmática na filosofia contemporânea. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor.