ESTILÍSTICA LÉXICA: PALAVRAS EVOCATIVAS

ESTILÍSTICA LÉXICA: PALAVRAS EVOCATIVAS

Divalnise Emanuelle Albuquerque Costa Guedes

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo analisar textos literários, com a finalidade de se estudar a renovação do léxico, ou seja, as criações de palavras. Com o amplo desenvolvimento das atividades dos falantes no convívio social, muitos estudiosos, a exemplo de Bechara, vêm explorando em seus trabalhos a revitalização lexical. Espera-se que a estilística léxica trabalhada na sala de aula possa incutir no aluno o gosto pelo estudo das palavras expressivas.

Palavras Chaves: léxico, criação de palavras e textos literários.

Este estudo apresenta textos literários em que serão analisadas as palavras evocativas, as quais possuem um alto valor expressivo. Segundo Bechara (2003), as múltiplas atividades dos falantes no convívio da vida em sociedade favorecem a criação de palavras para atender às necessidades culturais, científicas e da comunicação, de um modo geral.

Considerando essa definição, temos os neologismos, palavras que vêm ao encontro dessas necessidades renovadoras, é um fenômeno linguístico que consiste na criação de uma palavra ou expressão nova, ou na atribuição de um novo sentido a uma palavra já existente. Pode ser fruto de um comportamento espontâneo, próprio do ser humano e da linguagem, ou artificial, para fins pejorativos ou não. Os neologismos, muitas vezes, constroem-se com o auxílio dos mecanismos usuais de produção lexical, como a composição (justaposição, aglutinação, prefixação) e a derivação, geralmente por sufixação, como os exemplos brasileiros "petismo" (de PT) e "pefelista" (de PFL), ou os exemplos portugueses "Cavaquista" (de Cavaco) ou "Soarista" (de Soares).

Contrastando com o movimento criador, temos os arcaísmos, representados por palavras e expressões que, por vários motivos, caem no desuso e acabam esquecidas pelos falantes.

Outra forma de renovar o léxico são os empréstimos, palavras e elementos gramaticais tomados de outra comunidade linguística dentro da mesma língua, assim, temos os regionalismos (conjunto das particularidades linguísticas de uma determinada região geográfica, decorrentes da cultura lá existente. Uma de suas principais expressões é o dialeto) e as gírias, fenômeno de linguagem especial usada por certos grupos sociais pertencentes a uma classe ou a uma profissão em que se usa uma palavra não convencional para designar outras palavras formais da língua com intuito de fazer segredo, humor ou distinguir o grupo dos demais criando uma linguagem própria (jargão); ou de outras línguas estrangeiras – anglicismos (termo ou expressão da língua inglesa introduzida a outra língua, seja devido à necessidade de designar objectos ou fenômenos novos, para os quais não existe designação adequada na língua alvo, seja por qualquer motivo como, por exemplo, dificuldades em traduções); galicismos (palavra ou expressão de origem francesa, ou afrancesada, tendo ou não mantida a sua grafia original) e os indigenismos – que são incorporadas ao léxico da língua.

Para Nilce (2000), a estilística léxica ou da palavra estuda os aspectos expressivos das palavras ligadas aos seus componentes semânticos e morfológicos, os quais, entretanto, não podem ser completamente separados dos aspectos sintáticos e contextuais.

No campo da estilística léxica estudam-se, também, as palavras gramaticais e as lexicais. Quanto as gramaticais só apresentam significado dentro do contexto linguístico. Elas funcionam como: dêiticos (eu, tu, e suas variantes); anafóricos (ele, pronomes demonstrativos a 1º e a 2º pessoas); determinantes (artigo, pronomes adjetivos, numerais) e estabelecer coesão textual (anafóricos e conjunções); Já as lexicais, mesmo isoladas despertam significações, seja de seres, seja de ações, seja de qualidades de seres ou modos de ações. São palavras lexicais os substantivos, os adjetivos e os advérbios deles derivados ou a eles correspondentes, os verbos que exprimem ação e processo mental.

Em relação às palavras evocativas, a citada autora esclarece que, atualmente, está havendo uma grande abertura para os termos estrangeiros, inevitáveis pela maior comunicação entre os povos, pois eles estão bem popularizados.

Quanto aos vocábulos indigenistas, os empréstimos são valiosos na literatura, atribuindo à prosa uma particular ressonância poética.

Os regionalistas identificam as diversidades regionais, atribuindo a cada uma suas especificidades. Dessa forma, os romancistas utilizam os dialetos para imprimir a cor local em seus romances.

De acordo com Nilce (2000), a gíria é a que mais oferece maiores possibilidades afetivas, traços afetivos mais intensos, uma vez que está sempre se renovando, seu vocabulário, inicialmente, restrito a um grupo social pode propagar-se, passando, então, a incorporar-se no dialeto social popular.

Nos textos de Guimarães Rosa aparecem muitas palavras criadas por ele (neologismos). Essa criação, no entanto, não é gratuita: o escritor utiliza os processos linguísticos do idioma, ou seja, cria por analogia com processos já existentes em português:

EX 1: “Ele era um homenzão, brutalhudo de corpo, com a cara grande, uma barba fiosa, encardida em amarelo, e uns pés, com alpercatas: as crianças tomavam medo dele;”

As palavras destacadas são formadas por processos de derivação sufixal: homenzão assemelha-se a homenzarrão, que por sua vez, é o aumentativo de homem; brutalhudo vem de brutal e fiosa de fio.

Nas obras de Guimarães Rosa há a utilização de uma categoria gramatical em lugar de outra, recebendo o nome de neologismo de função. Com isso, o autor procura conseguir um maior efeito expressivo:

EX 2: “Como sabendo mais do que os outros a pratica do acontecer das coisas...”

EX 3: “A cantiga não vigorava certa, nem no tom no se dizer das palavras – o nenhum.”

Em ambos os casos as palavras foram substantivadas, a primeira passou de verbo para substantivo, e na segunda o pronome indefinido passou para o substantivo.

Ainda na obra desse ilustre autor, encontra-se a linguagem coloquial e os termos regionais, assim como construções sintáticas típicas da língua falada:

EX 4: “As muitas pessoas já estavam de ajuntamento, em beira do carro, para esperar”

EX 5: “A hora era de muito sol – o povo caçava jeito de ficarem debaixo da sombra das árvores de cedro.”

EX 6: “Todos ficaram de parte, a chusma de gente não querendo afirmar as vistas.”

As expressões destacadas equivalem respectivamente, à aglomeração de pessoas, o povo procurava jeito e olhar fixamente. Dessa maneira, o autor consegue obter mais fidelidade para a linguagem dos seus personagens.

Graciliano Ramos, em “Vidas Secas”, também nos confere regionalismos ao retratar o drama de uma família de retirantes, vítimas da seca:

EX 7: “Arrastaram-se para lá, devagar, sinhá Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça...”

EX 8: “E, pensando bem, ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardas coisas dos outros.”

Essa expressão em destaque, no exemplo 07, é típica dos nordestinos, em que descreve a posição em que as mães seguravam seus filhos nas suas andanças. E na frase 08, a expressão negritada refere-se ao um homem simples, mulato sem posses. Segundo o minidicionário Aurélio (2000) cabra significa: mestiço de mulato e negro; capanga; pessoa, sujeito; cangaceiro. Há também a correlação entre classe social, raça e cor.

Machado de Assis utiliza em algumas de suas obras o estrangeirismo, seja ele na forma de anglicismo ou galicismo, algumas vezes para fazer crítica outras vezes para inserir uma diferente cultura no seu mundo realista. Em seu livro “Quincas Borba”, encontra-se o seguinte exemplo:

EX 9: “Dona Tonica sentiu o grasnar do velho corvo da desesperança. Quoth the Raven: NEVER MORE.”

EX 10: “Chegou à porta da rua; viu parado um coupé. E deixou-se estar na sala, no pouf central, olhando”

No exemplo 09 foi utilizado o anglicismo, ou seja, palavras inglesas, com a finalidade de citar uma obra inglesa onde há semelhanças com a sua situação emocional. Com isso, define a sua personagem como alguém pertencente a uma classe social mais elevada. No trecho 10, objetivou-se o refinamento e a exaltação do cenário fluminense das damas neste século.

Em “Senhora”, José de Alencar também utiliza galicismos com a finalidade de descrever o ambiente em que vive a protagonista, uma milionária dama fluminense, os termos são usados para caracterizar a sofisticação do cenário, como podemos observar no trecho abaixo:

EX 11: “Essa porta dava para um gabinete elegantemente mobiliado; o centro era ocupado por uma banca oval, como os restos dos trastes de érable e coberta com um pano azul de franjas escarlates.”

Segundo o autor érable significa uma madeira muito apreciada, proveniente de uma árvore que, em português, chama-se “ácer” ou “bordo”.

Machado de Assis, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, utiliza algumas palavras que já caíram em desuso, visto que nos seus lugares encontram-se outras mais “simples”, porém, com o mesmo significado; mas o que o autor quer mostrar é o alto grau de intelectualidade do personagem, podemos observar no excerto abaixo:

EX 12: “Sabem que já morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. Não era impossível, entretanto, que eu chegasse a galgar o cimo de um século, e a figurar nas folhas públicas, entre macróbios.”

De acordo com a explicitação anterior ao excerto, encontram-se palavras que são usadas com o mesmo significado das arcaicas do trecho acima; segundo o “minidicionário Aurélio” aziago significa azarento; galgar é pular e cimo é o cume mais alto.

José de Alencar, em “Iracema” confere-nos alguns indigenismos, com a finalidade de exaltar ainda mais a cultura indígena, sendo, dessa maneira, fiel ao que se queria propor, escrever um livro com personagens índios. Como se observa nos trechos abaixo:

EX 13: “Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira.”

O autor nos esclarece a significação das palavras indígenas: Iracema, em guarani, significa lábios de mel e graúna é o pássaro de cor negra.

EX 14: “A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o uru de palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tinta de que matiza o algodão.”

Segundo o autor as palavras indígenas significam: ará é periquito; uru é um cestinho que servia de cofre às indígenas para guardar seus objetos de mais preço e estimação; crautá é uma bromélia vulgar, de que se tiram fibras tão ou mais finas que as do linho; juçara é uma palmeira de grandes espinhos, dos quais se servem ainda hoje para dividir os fios de renda.

De acordo com o exposto acima as palavras evocativas possuem um grande valor expressivo, seja ela falada ou escrita; nesse estudo só foram analisadas as escritas contidas, apenas, nos textos literários, visto que, esses textos trabalham com o alto valor semântico que as palavras oferecem, a sua expressividade.

Os textos literários apresentados delineiam expressividades diferentes, seja ela arcaica ou renovada, com a finalidade de atender às diversidades culturais do público alvo, os leitores. Alguns mais contemporâneos utilizam a criação de palavras objetivando uma maior conexão com o aspecto criativo; outros se servem da entrada de outras línguas para estabelecer uma ligação entre o português, o francês e o inglês.

Alguns romancistas empregam os regionalismos para se sentirem mais próximos da fala brasileira, com a finalidade de aproximar, também, os seus leitores dessa realidade, mostrando as variedades linguísticas que, às vezes, são desconhecidas ou até mesmo são criticadas, como é o caso da fala dos nordestinos.

Cabe salientar que essas palavras evocativas analisadas não só em textos literários, mas também na língua oral, ou até mesmo em campanhas publicitárias trabalhada na sala de aula pode ajudar o aluno a entender mais a semântica das palavras.

Referências Bibliográficas

Alencar, José de. Iracema. 19º edição – São Paulo: Editora Ática: 1988.

_____________. Senhora. 32º edição. – São Paulo: Editora Ática: 1998.

Assis, Machado de. Quincas Borba. –São Paulo: Martin Claret: 2001

________________. Memórias Póstumas de Brás Cubas. 18º edição - São Paulo: Editora Ática: 1988

Bechara, Evanildo. Gramática escolar da língua portuguesa / Evanildo Bechara. – 1º edição – Rio de Janeiro: Lucerna, 2003

Ferreira, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O minidicionário da língua portuguesa / Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 4ºed. rev. e ampliada – Rio de Janeiro; Nova Fronteira:2000

Martins, Nilce Sant’Anna. Introdução à estilística: a expressividade na língua portuguesa /

Nilce Sant’Anna – 3º edição rev. E aum. São Paulo: T.A.Queiroz: 2000 –(Biblioteca universitária de língua e lingüística; Vol.8)

Ramos, Graciliano.Vidas Secas .95ºedição – Rio de Janeiro : Editora Record: 2004

Divalnise Emanuelle
Enviado por Divalnise Emanuelle em 07/03/2010
Código do texto: T2125313