Por que morrem os "Sobreviventes"?!
Certa vez, li um livro cujo nome era “ O sobrevivente” , ao que me parece autobiográfico. Aqui peço mil desculpas, pois não me lembro agora o nome do autor.
Mas a história do livro tratava de um relato verídico. Trazia à maneira de como um judeu polonês conseguiu sobreviver aos sete piores campos de concentração da Alemanha Nazista, e mais, a chamada “Macha da morte”. Confesso que nessa parte, especificamente, não consegui conter minhas lágrimas. Eram fortes demais os relatos e carregados de uma tremenda emoção. Mormente, quando autor relata a forma de como perdeu o seu pai para morte, na fatídica “Macha” ceifadora de vidas.
São impressionantes como as pessoas agarram-se ao menor fio de esperança, quando o assunto é sobrevivência. Aliás, esperança é palavra-chave, uma vez que sem ela não há chance alguma de sobrevivência. Ainda mais quando os valores humanísticos são descartados, como descartados são as coisas imprestáveis, quando se tentam implementar um novo conceito. Então, tudo aquilo que não se adéqua à nova maneira de pensar pode ser, sumariamente sepultado, é a máxima do Maquiavel, “os fins justificam os meios”...
Todavia, quando se estar diante de alguém que tenha passado por tamanha provação, não é possível não reconhecer em cada cicatriz, cada ruga, cada cabelo branco e em cada sinal tatuado no corpo, um capítulo a parte desse sofrimento vivido. Pois toda face traz estampada esta epopéia de ofensa à dignidade do ser humano.
Então, imaginando alguém, que tenha conseguido reunir os cacos, após uma tragédia sem proporção dessa, conforme a Alemanha Nazista foi para os judeus. É possível de crer que uma pessoa assim tenha forjado no espírito, uma verdadeira armadura contra as vicissitudes da vida. E que tudo o mais poderá ser suportado, pois nada poderá ser maior do que a magnitude daquilo que foi, ou seja, não existe nada mais fundo do que o fundo do poço. Ledo engano... É aí que chegam os lobos para devorar o pouco que restou da carne.
Tudo isso me faz lembrar Primo Levi, o efeito do acontecimento foi além de si próprio. Falo da morte trágica de Primo Levi, autor do célebre romance “ É isto um homem”. Quem poderia imaginar que Primo Levi se suicidaria, após ter sobrevivido a Lager. Primo Levi surpreendia pela enorme suavidade, ternura, pela sabedoria construída pela paciência, paciência e paciência.
Todos que de alguma forma passaram por um terremoto em suas vidas, podem com certeza buscar alento nas linhas do romance “ A trégua”.
Levi fora o exemplo de que após a derrocada do amor – uma guerra selvagem e sem sentido, ainda assim era possível recolher os cacos de si mesmo e sobreviver. Como é que então, após ter sobrevivido à tamanha atrocidade, Levi pudesse se suicidar? É uma pergunta que não quer calar, pois apesar de tudo o que suportou isto não lhe fez imune ao sofrimento de ver sua mãe sucumbir diante de um câncer! Muitos não acreditaram. Surgiram versões de tudo o que foi maneira negando a possibilidade de suicídio. O próprio Woody Allen fez Levi em seu filme como um personagem que era o próprio Levi. Porém toda a dúvida se desfez quando o rabino de Roma, Elio Toaff, disse que Levi havia lhe telefonado momentos antes de sua morte, e dito que não suportava mais a vida. Preferia viver cem outras vezes os campos de concentração Nazista, do que ver sua mãe padecer de câncer sem poder fazer nada para lhe aliviar o sofrimento. Afinal, o então fio tênue de esperança, que dava sustentabilidade à vida havia se rompido. A vida, enfim, perdera o sentido e o sobrevivente não tinha mais porque sobreviver e nem onde se agarrar, pois arrancaram-lhe a tábua que dava flutuabilidade nesse oceano imenso de racionalidade, onde nada mais era do que um náufrago em busca de uma ilha de sentimentalidade.
Primo Levi é um desses personagens que quando deixa de existir, transforma o mundo num lugar muito maior do que era e ao mesmo tempo nos passa uma estranha sensação que, apesar de estender a fronteira para algo imenso, ainda assim temos a sensação de um grande vazio em nossas almas.