Escubidu, Marley e eu.

Que levante a mão quem nunca viveu um grande amor. O amor é um sentimento no mínimo estranho. A gente nunca sabe por quem ou quando vai começar. Nem em forma de que ele virá. Para muitos, mais importante que o amor, é ser fiel ao amor. E ninguém melhor no mundo para ensinar a ser fiel que nossos amigos cães. Depois do advento do livro Marley e Eu, de John Grogan, e agora da magia que seu filme trás até nós, todos os donos de cachorro se reconheceram nos donos do labrador Marley. Todos os donos mesmo. Embora nem todos os cachorros sejam tão malandros como aquele.

A relação dono e cachorro é, em primeiro plano indefinível. Apaixonamos-nos por um bicho peludo, que abana o rabo quando está feliz, o que é isso? É o milagre da vida. Uma das provas de que sentimentos de amor e carinho acometem a todos. Até mesmo os homens mais ranzinzas e durões são capazes de cuidar de um cão. É tão fácil. Dê-lhe teto e comida e terá um amigo fiel, fiel de verdade. Que o defenderá com unhas e dentes literalmente. Que estará a seu lado nos momentos difíceis, mesmo que não o queira por perto. Que dará pulos de alegria quando você conquistar o amor da sua vida, aquele bom emprego, ou passar no vestibular. E será ele quem o verá de manhã com o cabelo desfeito, o rosto amassado e de mau humor e respeitará seu tempo.

Como disse o autor em sua obra: “Um cão não se importa se você é rico ou pobre, educado ou analfabeto, inteligente ou burro. Se você lhe der seu coração, ele lhe dará o dele. É realmente muito simples, mas, mesmo assim, nós seres humanos, tão mais sábios e sofisticados, sempre tivemos problemas para descobrir o que realmente importa ou não.”pg 292. Se dermos um treinamento especial a um cão, ou se nem sequer conseguimos ensiná-lo a dar a pata, não faz diferença. O que ele quer é ser cuidado, respeitado, ter um lugar. Acho que todo mundo quer isso.

Eu tive um cachorro, o Escubidu. Assim mesmo, em português. Ele chegou à, minha vida como presente de um amigo quando eu ia completar nove anos. E ficou comigo por maravilhosos treze anos. Ainda lembro dele quando brincávamos pela janela da cozinha da casa de meus pais. Eu ficava na janela e atirava comida para ele, e ele agarrava firme com a boca lá embaixo. E tinha aquele jeito só dele de me provocar para brincar. Que saudade de quando eu deitava no gramado a seu lado e olhava as estrelas. Às vezes eu ensinava-lhe o nome das que eu sabia, e inventava outros. E ninava ele também, ali mesmo ao relento.

Ele sempre dormia no mesmo local. Aquele pedacinho de chão perto da casa. No caminho. Esperando por quem fosse sair. Meus pais para o serviço da roça, eu para a escola. Aos meus pais ele acompanhava. A mim esperava chegar e recebia com festa. Abanado seu rabo peludo de cachorro pequenez, sem pedigree, que eu carinhosamente dizia parecer um galho de palmeira. Tudo indicava que seu maior sonho era capturar uma galinha, mas nunca conseguiu.

Ele se metia com cachorros maiores que ele e apanhava. Depois para cuidar dos ferimentos era quase necessário fazer uma promessa. Foi envelhecendo e ficando doente. Uma vez minha mãe falou que era meu amor por ele que o fazia resistir. E devia ser mesmo. Eu precisava dele. Era meu melhor amigo. Tinha o olhar de quem confiava e precisava de mim. Não precisávamos de palavras. Era só ele pular e ficar apoiado nas minhas pernas quietinho e o mundo todo se resumia àquele espaço. Nosso tempo era aquele instante. Era nosso código.

Ele foi envelhecendo cada vez mais. Perdeu os dentes. Tinha muita dificuldade de andar. Eu o chamava Bom Velhinho. Bom porque era o melhor cachorro do mundo. Velhinho porque o tempo para ele passava rápido demais. Seu olhar foi ficando mais triste. Já não latia. E aí um dia veio a noticia: Escubidu havia morrido. Eu já não morava com meus pais. Nunca mais seu focinho preto. Suas orelhas peludas que eu adorava apertar. E aquele seu resmungar que jamais vi outro cachorro fazer, quase como se dissesse “ você demorou demais para voltar, senti sua falta, mas ainda bem que chegou, vamos brincar?”.

Quando eu li Maley e Eu, tive a impressão de ouvi-lo latindo. De dentro de casa, claro, que era seu lugar preferido para enfrentar os perigos. Eu chorei tanto. E quando eu vi o filme, chorei mais. Fiquei imaginado os últimos momentos de meu fiel amigo, que chorava comigo, que brincava comigo. Mas que naquela hora, em que ele precisava, não estava comigo. A gente nunca sabe quando vai viver um grande amor. Nem que forma ele terá. Esse meu grande amor tinha quatro patas, era peludo, de cor castanha claro. Seu rabo parecia um galho de palmeira. E geralmente tinha cheiro de cachorro molhado. Pena que a gente não ache esse perfume para comprar. Todo grande amor tem seu próprio cheiro, e sua essência sempre vem do coração. Sinto saudades dele.

Ediane Menosso
Enviado por Ediane Menosso em 07/03/2010
Código do texto: T2124801
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