MENDIGO

Não terei muito o que dizer sobre o mendigo porque não é fácil falar de tristeza. De alegria sim. Mas de tristeza não. É ruim, é doloroso.

O mendigo é a nota dissonante na composição musical que se chama sociedade. Mas nem sempre é ele o culpado da sua condição de indivíduo repelente, pobre e miserável. Circunstâncias as mais diversas podem levar a pessoa a esmolar a caridade pública.

Não serei prolixo neste meu trabalho. Falarei apenas da doença, como um dos fatores responsáveis pela mendicância em nossa cidade, deixando de lado os muitos outros que também influem no aparecimento, cada dia mais alarmante, de pedintes nas ruas da capital.

A doença, aliada à pobreza, pode ocasionar o surgimento do mendigo. Falo do mendigo em si, premido pela necessidade de esmolar, de recorrer à caridade pública e à compaixão dos outros.

O indivíduo doente, sem recursos próprios para se tratar convenientemente, sem assistência dos poderes públicos, sem onde cair morto (como diz o velho refrão), pode transformar-se no homem que se vê na contingência de pedir humildemente o auxilio dos seus semelhantes. É preferível isso ao invés de roubar, como muitos desocupados, malandros e vagabundos fazem.

Mas mesmo assim é doloroso, é triste, é chocante, é pungente. Ver o próximo sofrer, pedir, esmolar, só não machuca os corações de pedra, embrutecidos pela vaidade, pelo orgulho vão, pelo materialismo irreverente dos nossos dias. As pessoas só pensam em ter. O ter é mais importante do que ser.

Por isso o mendigo é triste. Dolorosamente triste. Humildemente triste. Terrivelmente triste.

É, como disse, a nota dissonante na composição musical que se chama sociedade. Não por culpa do músico ou do instrumento. Às vezes a culpa é do compositor que faz a melodia ou do maestro que dirige a orquestra. Pois ela, quando mal dirigida, desafina, fazendo surgir o mendigo ...

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São Paulo, 29/04/65

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 06/03/2010
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