ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO

CARLOS SENA

Aparentemente novo, o “Assédio Moral” talvez tenha a idade do homem a partir da existência de pactos sociais em função das primeiras atividades laborais. Com a crescente divisão social do trabalho e com as alterações profundas na relação do trabalho e da produção, independente da forma, depara-se o homem com uma série de fatores intervenientes na relação trabalhista em seus mais variados aspectos.

A regularização do trabalho através dos diversos tipos de condutas formais e informais culminou, no Brasil, com a CLT, estabelecida em seus principais fundamentos no governo do Presidente Getúlio Vargas. Talvez o marco maior tenha sido o estabelecimento do salário mínimo, provavelmente como uma forma ainda insipiente de “frear” a exploração do homem pelo capital que, naquela época já apresentava indícios de exploração pelos donos da produção.

Com a crescente transformação do mundo, notadamente com o advento da tecnologia da informação no bojo do processo de globalização das economias mundiais, as relações de trabalho passaram a ser repensadas, discutidas em seus aspectos reais de salário, mas e acima de tudo, no que concernia às condições de trabalho. Isto levou ao aprimoramento das novas formas de compreensão do trabalho e do trabalhador tendo a produção como pano de fundo do processo. Estaria concretizada, de certa forma, a discussão da Saúde do Trabalhador, ou Ocupacional, ou com denominações variadas, mas significando a mesma preocupação, ou seja, o cuidado com o adoecimento dos empregados por conta das condições de trabalho nem sempre condizentes, ou totalmente sem parâmetro para tal.

De certa forma articulada pelas entidades representativas, notadamente os sindicatos, a Saúde do trabalhador foi se estabelecendo enquanto política, enfrentando os empresários e seu poder de articulação paralela perante os órgãos oficiais que, geralmente ficavam ao lado dos patrões. Mas a luta começou a angariar autoridades defensoras dos trabalhadores, diante da complexidade das novas atribuições que aos poucos foram se estabelecendo e provocando sérios danos a saúde das pessoas que ficavam expostas ao adoecimento sem a devida proteção da empresa e, não raro, do próprio Estado. Isto não tardou a chamar a atenção das autoridades, principalmente do Ministério Público, que se juntou aos órgãos defensores dos trabalhadores para intervir e buscar soluções amigáveis dadas à falta de legislação específica para o assunto o que viria a acontecer pouco tempo depois, via MINISTERIO DA SAÚDE E DO TRABALHO, dentre outros.

Na pratica, a relação de trabalho evoluiu muito pouco, em que pese a suposta postura de boa parte dos gestores no desenvolvimento das relações interpessoais o que nem sempre representa a efetividade garantida entre discurso e prática. Há muito discurso politicamente correto, mas em sua grande maioria não passam de “scripts” que estão sempre prontos para uma suposta garantia de que o assédio moral inexista. Por outro lado, os trabalhadores, especialmente os mais informados sobre esta questão de difícil assimilação teórico-conceitual, tendem a tirar “proveito” das situações em beneficio próprio. Não raro, recorrem aos órgãos de proteção contra o assédio moral, invertendo os entendimentos e até confundindo os gestores mais avisados sobre o assunto. Dito diferente assegura serem vitimas do assédio, na lógica do “ganho secundário” de situações não caracterizadas como assediadoras, mas entendidas como se fossem. Para estas situações, os gestores precisam repensar suas práticas de relacionamentos profissionais – têm que fazer valer os mecanismos legais disponíveis como os estatutos dos servidores, no sentido de se protegerem desse jogo que, infelizmente, alguns servidores se valem pelos mais variados motivos. Portanto, advertir verbalmente ou por escrito, sempre informando aos chefes hierarquicamente superiores; suspender, encaminhar para inquérito administrativo, dentre outros recursos, devem sempre acontecer quando necessário, garantindo pleno direito de defesa. Isto pode ser uma importante ferramenta que livra os gestores de serem acusados injustamente pelos servidores inescrupulosos, faltosos, desagregadores de equipes que, talvez tivessem melhor aproveitamento na esfera privada.
 
Não se trata de trabalhar com a lógica do medo e da punição, porque a maioria dos servidores não se enquadra nessa perspectiva. Mas não seria justo, ver um gestor comprometido ser inquirido por assédio moral sem que nenhuma prova escrita exista da indisciplina, da falta de compromisso com o trabalho desses referidos servidores. Por exemplo: geralmente se busca na ficha funcional os registros da vida do servidor, desde as punições até as promoções e elogios. Não raro os maus servidores têm a ficha limpa resultante da passividade de alguns gestores que, por medo ou incompetência gerencial deixam tudo “por menos” e acabam nivelando os bons e os maus servidores.
Completamos estas sucintas considerações chamando a atenção de todos para o fato de que o ASSEDIO MORAL traz, no seu bojo, elementos de natureza pessoal, social, psicológica, psicanalítica, organizacional, preponderantemente. Segundo Margarida Barreto, médica do trabalho e ginecologista, assédio moral no trabalho é “a exposição dos trabalhadores a situação humilhantes e constrangedoras, respectivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relação hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização. Forçando-o a desistir do emprego. Insurge neste aspecto a completa consciência de cada gestor em relação ao seu papel social e as expectativas naturais dele decorrentes. Mais que nunca a consciência de que não se administra prédios, maquinas equipamentos diversos, é definitiva. Administram-se pessoas em todos os seus aspectos singulares e plurais, especialmente diante de uma sociedade marcada pela rapidez da informação e dos conceitos e atitudes mutantes e inerentes ao nosso modelo de sociedade marcada, profundamente, pelo consumo de bens e serviços em que, a informação, não raro, vira PODER.

Diremos sempre que conhecer a si mesmo é fundamental. Que os outros são diferentes da mesma forma que nós somos diferentes dos demais, mesmo se tratando de irmãos de uma mesma família. A noção de diferença e concreta aceitação do outro como ele é, já pode levar a todos – gestores ou não, a uma relação rica donde os pactos sociais podem ser concretizados em função das diferenças dos atores em seus mais variados ângulos de visão. Deste modo, sem esquecer que Assédio Moral não se esgota num simples artigo de visão humanista, ressaltamos que a vigilância tem que ser permanente por parte dos gestores. Porque grande parte deles ainda desenvolve conduta assediadora por absoluta ignorância dos preceitos teórico-conceituais de tão importante assunto que tem preocupado gestores de RH e estudiosos das mais diversificadas áreas do conhecimento.

Concluímos: “ame ao próximo como a si mesmo”... “Não faça com o outro aquilo que não gostaria que fizessem com você”... Mas não esqueça: Jesus expulsou os vendilhões do templo sagrado dizendo: “a casa de Deus é a casa de oração”... Portanto demos a César o que for de César, a Carlos o que é dele, a Drummond, o que for de pedra no meio do caminho e ao caminheiro, a certeza do caminhar pela luz da razão e do respeito às diferenças.