Um tiro no pé

Não tenho uma convicção firmada acerca das motivações daqueles que definiram o tema da Campanha da Fraternidade, tradicionalmente produzida a cada ano pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – a CNBB da Igreja Católica – mas que na edição deste ano recebeu a adesão de outras Igrejas Cristãs. Contudo, tenho absoluta convicção de que – seja lá quem foram os mentores – tinham nítida e plena consciência do efeito e das reações que iriam se produzir.

E não é mesmo difícil de entender a reação desses setores que foram acusados – ainda que obliquamente – de traírem a Deus , tratando-se como pecado o lucro e impondo ao empresário, sobretudo ao investidor rural e aos banqueiros, o peso das diferenças sociais na medida em que o agronegócio e os bancos foram severamente atacados pela “Campanha da Fraternidade”.

Todas as reações que a mídia vem divulgando são legítimas, porque se vivemos dentro de um estado capitalista, cuja premissa maior parte da livre iniciativa e da empresa privada como célula mãe da economia, é óbvio que o lucro deve ser perseguido como única forma de sobrevivência no mercado . E com o perdão dos mentores da Campanha, não há outro viés !

Dá para aceitar como razoável a discussão sobre regulamentação e/ou tributação, sobretudo no aspecto dos juros bancários, mas atacar a lucratividade induzindo à idéia de “pecado” soa como um exagero, maior ainda quando atinge o agronegócio que no Brasil é um sucesso e que até vem convivendo amigavelmente com a agricultura familiar graças a políticas acertadas e pacificadoras do governo central.

O que chama a atenção é que as Igrejas – todas elas e ao longo de séculos de história – parecem ter se esquecido de que sempre participaram diretamente ou se vincularam de algum modo a todas as formas de poder , chegando em muitos casos a gerir políticas de estado no âmbito dos registros públicos , da saúde e da educação. No Brasil até o registro civil – os nascimentos, óbitos e casamentos – estiveram em mãos da Igreja Católica.

No mundo inteiro, as religiões se fazem presentes em núcleos de poder e em algumas geografias até patrocinam conflitos em nome de Deus . E não se está falando apenas em Cristianismo, pois esse contexto de valor e poder vale também para o Islamismo e o Judaísmo, aliás, estes dois últimos em eterno conflito. A história fornece ricos subsídios que mostram a ativa participação das religiões no modelo de todas as sociedades espalhadas pelo planeta.

No Brasil as religiões isentas de impostos sustentam poderosos conglomerados econômicos que foram edificados – essa é a verdade – com o dízimo dos fieis . Os canais abertos de televisão estão tomados pelas mais diversas correntes de fé . São milhões de reais investidos em mídia , num mundo cada vez mais pobre. As instituições de ensino mais caras são geridas por Igrejas e nelas só estudam majoritariamente filhos de abastados, com algumas raras exceções de alunos bolsistas .

Os melhores hospitais do País são administrados por Igrejas que muito raramente dão notícias de caridade prestada aos pobres, pois neles só são internados e tratados aqueles que podem pagar bem pelos serviços. Essa é a realidade !

Creio, portanto, que o tema da Campanha da Fraternidade merece ser estendido também à reflexão do papel das Igrejas, conquanto algumas delas lotam estádios e recolhem muito dinheiro em dízimos que são investidos em canais de televisão , rádios, etc, etc e penso que como não se pode servir a Deus e ao Dinheiro, esses valores arrecadados por toda e qualquer Igreja , deveriam ser submetidos à tributação da Receita Federal .

É possível que com mais empresários gerando empregos e com os governos arrecadando mais, o ideal divino será melhor reverenciado e estaremos todos servindo a Deus sem partir para a sempre perigosa opção por incitar conflitos de classes e a guerra de quem tem contra quem não tem .Essa campanha foi , salvo melhor juízo, “um tiro no pé” dos líderes religiosos.