QUADRILHA DO EMPURRA-EMPURRA
É comum ouvir-se o queixume da Universidade de que o aluno pré-universitário chega lá, após submeter-se ao concurso vestibular, uma autêntica toupeira por culpa da escola do Ensino Médio. Para competir com o malfadado vestibular, agora se dá amplo lugar ao tal do Enem, o vulgarmente Exame Nacional do Ensino Médio. Vai vingar, mesmo, de fato, será? Em tempo: é invencionice neoliberal.
Sem nem um titubeio, queixam-se os diretores do Ensino Médio de que recebem clientela de educandos semi-analfabeta por obra e graça do mau funcionamento do Ensino Fundamental.
Por sua vez, o Ensino Fundamental (muito antigamente Curso Ginasial, 1º Grau Maior, mais recente) acusa o Jardim e a Alfabetização (velho Curso Primário, depois 1º Grau Menor), porque – diz o Fundamental – estas joças de séries da gente miúda não ensinam.
Já pela mudança das terminologias, nota-se a intenção cavilosa dos ditos técnicos em Educação em não contribuir para a melhoria do Ensino, preocupando-se eles em apenas expor uma parafernália de palavras vãs, quase sempre copiadas à matriz dos ianques, a fim de alimentar a sua própria vaidade.
Depois do martírio, no Jardim da Infância, em geral fornecido à miuçalha em creches, no caso da Escola Pública, lá se vem o/a professor/a das séries iniciais e fuzila críticas ao Jardim e ao Maternal, sei lá mais quantas e o quê de designações estapafúrdias, tudo por causa da miséria global do ensino.
E, bem, de um modo geral, as “tias” das creches (“tia” soa sempre como um epíteto funesto, “coroa”, por exemplo) não têm ainda uma opinião formada, mas asseveram que o Maternal e o Jardim estarão isentos de qualquer má reputação, pois elas é que são mestras, quase mães, e mestras com vocação para, a granel, distribuírem muito carinho.
Por fim, os senhores pais levam a fama da transgressão maior: o insucesso dos marmanjos, na escola, por não lhes terem dado uma boa formação moral e familiar. Por outro lado, atuando na defesa, os senhores pais transferem o problema da falta de aprendizagem para o Governo, sabe-se lá qual dos três, e de quais colorações partidárias, os quais devolvem as rasgadas críticas emanadas da comunidade à capenga formação didático-pedagógica do professorado. E este, como sempre, o boi de piranha.
Saco de pancadas, bastante bom para ser batido, pois que bem volumoso, os mestres bem que se defendem, às vezes, via suas inexpressivas organizações de classe. Contudo os salários minúsculos que percebem não ensejam ao magistério expressar-se em grandes rasgos de veemência e de filosofia, vez que os educadores que leem são muito poucos e os poderes de fogo da categoria bastante inconsistentes.
Longe de pretender subestimá-los, até porque irei morrer como um membro da categoria; mas raros são os capazes de sustentar uma argumentação massuda, quando chamados a um fórum de debates. Este papel só será exercido, dialética, intelectual e politicamente, à medida que, munida da consciência de classe, solidariamente forte e unida, uma vanguarda estude, pense e aja, mais além, politicamente. Não adianta nada dizer que não quer e/ou não gosta de envolver-se em Política, mas Política com P maiúsculo. Brecht tinha razão, quando espinafrou o analfabeto político.
A vida dos abnegados mestres, dessa forma, meio ao chove-não-molha, fica parecida com uma ciranda e, como numa quadrilha do empurra-empurra, todos os pares da dança provam do calor muito pouco solidário de todas as mãos. Ensino é tarefa essencialmente coletiva, co-participada, não comporta apenas toques leves de mãos egocêntricas e indiferentes.
Afinal, digo todo este acervo de desaforos para afirmar que Capistrano de Abreu, o conterrâneo, estava coberto de razão: a problemática geral é uma questão de vergonha na cara, sem a qual ninguém, ninguém mesmo, vai “passar o País a limpo”.
Ora, compromisso com a Educação, assim como conscientização política e a própria vergonha na cara, tudo isto aí pressupõe um engajamento sistemático e diuturno de uma práxis.
Lembro muito bem de um ex-governador do Rio Grande do Sul, o Antônio Brito, que caía com dinheiro para professores que menos reprovassem os seus pupilos. Em contrapartida, em prática discutível muito anterior, ouvia dizer de mestres-escolas que aprovavam indiscriminadamente, a fim de se livrarem das aulas de recuperação, recuperação, aspas, que, na verdade, são muito mais uns imbróglios que não recuperam nada, no exíguo espaço de 10 h/aulas.
Perante atitudes assim, díspares e dissonantes, na caminhada para uma tentativa ousada e sadia para a melhoria do ensino/aprendizagem, no Brasil, há que se ter muito espírito de decisão, e coragem, porque de repente alguém nos surpreenderá com a primeira pedra. Ou, então, a dançar a quadrilha do empurra-empurra.
Fort., 1º/03/2010.