A Inveja...

A inveja e os inimigos

Certamente não haverá muitos cidadãos que, em uma ou outra altura da vida, se não tenham apercebido de que alguém demonstrara por eles um qualquer tipo de sentimento negativo; inimizade, inveja ou até ódio, porém, o que talvez poucos se deram conta, foi do contributo positivo que tais situações podem proporcionar em seu próprio benefício, já que segundo Shantideva (autor budista) “eles” (os inimigos) “são uma parte que inconscientemente contribui para a elevação do edifício da paciência e da tolerância” e que: “jamais teríamos a oportunidade de acumular mérito se não fossemos postos á prova através das contrariedades que nos provocam os nossos inimigos.”

Sabemos que a reacção primária e imediata de um ser vulgar perante tais situações provocatórias é o desprezo ou uma resposta traduzida em palavras violentas senão outras atitudes menos aceitáveis ou até reprováveis.

Inveja e inimigos sempre existiram desde os tempos mais primitivos e enquanto o homem viver nada irá impedir que tal aconteça.

A inveja é um sentimento típico da raça humana, presente geralmente em quem, menor em vários aspectos, se sente diminuído quer física, intelectual ou financeiramente e a quem poderíamos apelidar de filho de Caím.

Foi por inveja que este matou Abel, por inveja e com enganos Rebeca roubou para seu filho Jacob a bênção de Isaac destinada a Esaú, foi por inveja que os irmãos de José o venderam aos negociantes que passavam e o levaram para o Egipto, foi ainda por inveja que os sacerdotes de Israel entregaram Cristo á morte e é por inveja que hoje, grande parte dos males acontecem.

Por inveja, hoje, os medíocres atacam e caluniam os competentes já que são incapazes de ser como eles, e é também devido á inveja que muitas vezes se caminha para a animosidade entre as

gentes, e desta para a violência ou uma guerra quase inevitável.

Na carta de São Tiago 3,15 e a propósito da inveja pode ler-se: “essa não é a sabedoria que vem do alto, mas a terrena, animal, diabólica” e no Livro dos Provérbios, 14,30 : “A inveja é a cárie dos ossos.”

Espinosa diz que “a inveja é o ódio na medida em que afecta o homem de tal maneira que ele entristece com a felicidade de outrem e, ao contrário, experimenta contentamento com o mal de outrem,” por isso já Tales de Mileto que viveu em parte dos séculos VII e VI antes de Cristo aconselhava: “guarda segredo da tua felicidade para evitar a inveja,” e logo o filósofo Demócrito de Abdera afirmava cerca de um século depois: “o invejoso é um inimigo que a si mesmo se massacra.”

Goethe expressava assim o seu pensamento: “O ódio é um sentimento de desagrado activo; a inveja é um sentimento passivo. Por isso, não temos de nos admirar que a inveja passe tão rapidamente a ódio.”

Atrevo-me ainda a citar Nietzsche em Zaratustra que dizia a certa altura numa referência clara aos inimigos e invejosos: “Quando vivia com eles, vivia acima deles e foi por isso que me quiseram mal.”

Acerca desta questão, podíamos citar apotegmas sem conta, que varias grandes figuras nos deixaram como herança, pena é que o homem não aproveite e faça render esses ensinamentos históricos em favor de uma escola de tolerância mais activa.

Apesar dos milénios que já decorreram desde o “crime de Caím” nem por isso a evolução humana trouxe melhorias significativas ao comportamento dos seus descendentes, daí que se possa dizer: há ainda muitos “Caíns” á solta e “dor de cotovelo” para a qual não se inventou um lenitivo definitivo e eficaz, talvez porque como disse Angéle Kremer a ciência da ética parece não progredir ao ritmo das restantes ciências da natureza.

Retirado de um guia Budista, escrito no século VIII por Shantideva, deixo a terminar o seguinte ensinamento que certamente motivará objecções e reticências várias do nosso ponto de vista cultural; “Um inimigo que sem esforço ganho, é um tesouro que surge na minha casa; deve-me ser querido, este auxiliar da minha carreira espiritual.” Será o homem de hoje capaz de seguir este princípio, sem que tenha em si algo de divino a movê-lo?

Alberto Carvalheiras
Enviado por Alberto Carvalheiras em 27/02/2010
Código do texto: T2110570
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.