O Haiti é aqui!
Em Porto Príncipe, alguns substantivos ultrapassam a barreira da classificação gramatical, pois se tornam superlativos, e da dicionarização, visto que seus significados não são os mesmos que conhecemos. A violência das grandes cidades brasileiras, a fome nos rincões da seca, a miséria ainda presente no nosso território, nada se compara ao que se encontra por aqui. O que se vê aqui não se pode chamar de miséria, não reconheço como tal. A fome, abstrata, tem vida própria; é vista nos olhos, nos ossos que se limitam com a pele castigada. No Brasil, costumamos lutar pelo amanhã, pelo futuro; aqui, nem luta há: o povo implora pelo hoje. Crianças nuas, rotas, fétidas choram para que saciem o desejo mais primitivo do homem e mais latente nesse povo, a fome, fomíssima, fome que mata, aos poucos, muitos. Vê-se em seus olhos o desespero mesmo quando os lábios sorridentes tentem dizer o oposto: a esperança no próximo é o que sustenta esse povo sofrido. Esperança não de riquezas, não de reconstrução. Não, isso não parece passar por suas cabeças - para esse povo isso ainda é impensável. Seus desejos são mais simples, como simples é o povo, como também a solução que o Mundo pode dar a tudo isso.
O Haiti é aqui, aqui mesmo - ou não? O que sei é que o Haiti não é no Brasil, como cantou Caetano. Seria injusto, hoje, com o povo haitiano, comparar nossas mazelas com sua calamidade; seria inadequado cantar, hoje, que o Haiti é no Brasil. Em algum lugar aqui, é o Haiti; noutro, miséria sem par; e ainda se vê um Haiti desconhecido do resto do mundo: aquele das mansões próximas ao litoral caribenho, com seus resorts frequentados por milionários e, também, porque ninguém é de ferro, por integrantes da Unicef e dos Médicos Sem Fronteiras. Este último Haiti não comove o mundo; logo, não é destaque.