EDUCAÇÃO E INFÂNCIA, ALGUMAS REFLEXÕES
“É mais fácil cultuar os mortos que os vivos”... Não quero ser triste
Como o poeta que envelhece vendo Maiakovski numa loja de conveniência
Não quero ser estanque
Como quem constrói estradas e não anda
Quero no escuro
Como cego tatear “estrelas distraídas” (Zeca Baleiro, 2000).
No presente trabalho, objetivo refletir a respeito da programação televisiva baseada nos personagens de Monteiro Lobato e compará-la aos programas e filmes infantis atuais, na tentativa de perceber seus possíveis efeitos na construção de identidades e posturas sociais na infância. Utilizo abordagens de alguns autores para embasar a minha análise. Parto das reminiscências da minha infância, estabelecendo relações com a atualidade.
Hoje, especialmente crianças que dispõem de melhores condições financeiras devem achar que a sua infância é a melhor de todos os tempos, pois tudo aquilo de que precisam está à sua disposição. Brinquedos, jogos eletrônicos, viagens, filmes da Disney… enfim, tudo o que o dinheiro pode comprar. As crianças menos favorecidas financeiramente encontram dificuldades e podem sentir-se inferiorizadas por não poderem adquirir tudo o que precisam materialmente. Apesar disso, essas têm mais contato com outras crianças, seja na escola seja na comunidade onde mora, e criam soluções práticas de brincadeiras, como jogar futebol, queimada, vôlei, amarelinha. Elas inventam seus brinquedos, utilizando-se do faz-de-conta.
Lembro-me de não ter sido uma criança abastada. A melhor aquisição feita pela minha mãe foi uma televisão ainda em preto e branco. A televisão colorida existia; porém, era para poucos. Há várias décadas, por meio da mídia, o Imperialismo Americano disseminou e dissemina a idéia de que o lugar mais feliz do mundo é a Disney. Como revela Giroux (2004, p.90), “O lugar mais feliz da terra conquistou sua popularidade em parte através de uma autoproclamada marca registrada de imagem da inocência que a tem protegido do olhar atento e interrogativo dos críticos”. Meu contato com a Disney se deu na infância por meio dos desenhos animados do Mickey, do Pato Donald. Adorava ler os gibis com os personagens da Disney. Não posso deixar de ressaltar que isso influenciou bastante a minha infância, pois trazia um mundo novo para mim e despertava a minha curiosidade enquanto criança.
No ano de 1977, começou a apresentação dos personagens de Lobato pela televisão. Para a minha maior tristeza, a minha infância não foi regada pela literatura, a não ser as leituras escolares; nada, além disso. Hoje sinto que esse recurso deveria ter feito parte do meu ambiente escolar. Penso que a escola seja o ambiente ideal para proporcionar às crianças o prazer pela leitura, incentivando a leitura de clássicos da literatura infantil e também apresentando novos autores.
As crianças são mais sensíveis ao preconceito social, e eu me achava inferior às outras crianças, por não ter boas condições financeiras. Além disso, pensava que eu era a pior das criaturas pelo fato de meu pai ter deixado a mim e aos meus irmãos sem querer assumir as suas responsabilidades. Por essa razão, cresci com muita timidez e não interagia com as outras crianças. Gostava de assistir aos desenhos animados da Disney, os quais, com seus efeitos visuais e histórias supostamente inocentes, traziam como pano de fundo algumas construções negativas para as interações sociais e posturas sociais na infância. É importante registrar aqui que, na época, eu não conseguia visualizar tais significados negativos, mas hoje percebo com clareza. Essa mudança de percepção pode dever-se ao fato de, segundo Bock (2002), estarmos em contínuo processo de mudança que ocorre de modo intenso e confuso e, muitas vezes, angustiante e doloroso. E falamos, então, em crise de identidade.
Começava a programação infantil nos fins de tarde. O Sítio do Pica-pau Amarelo me atraía com a música inicial, cantada por Gilberto Gil: “Boneca de pano é gente/Sabugo de milho é gente/O sol nascente é tão belo/[…]/Sítio do Pica-pau Amarelo” (GIL, 1977). “Em A menina do Nariz Arrebitado, Lobato dá seqüência à saga situada no sítio, porém, explorando com maior radicalidade as possibilidades de utilização da fantasia e da imaginação” (GOUVÊA, 2001, p.16). Quando se iniciaram os episódios, fiquei maravilhada com os devaneios de Monteiro Lobato, já que, pela educação que recebemos, deveríamos portar-nos como soldados enfileirados, adestrados. Comecei a perceber a vida sob outra ótica. Senti que a vida não era entediante, e, sim, entusiasmante. Fiquei fascinada com as possibilidades permitidas por Lobato, de provocar a nossa imaginação. Afinal, quem não lembra do Reino das águas claras, da mitologia grega contada nos episódios, daquela vovó dócil que aguçava a curiosidade das crianças, do espaço físico convidativo, que era o “Sítio”, dos príncipes, princesas, dos piratas? Quem não desejava transcender os limites da imaginação com o pó de pirlimpimpim? De acordo com Gouvêa (2001, p.17), “O pó de pirlimpimpim torna possível o passeio a outros universos além do Reino das Águas Claras. Entre o real e a fantasia agora, o elo não será o domínio do devaneio, mas o recurso ao pó permite transportar-se para outros tempos e espaços além do Reino das Maravilhas”.
Havia um equilíbrio entre os personagens: enquanto uns eram aventureiros como Emília e Pedrinho, outros eram mais sérios, como Visconde de Sabugosa e Narizinho. Outros, só mesmo imaginando! Vejam só! Besouros falantes, boneca falante, animais, em geral, utilizam a linguagem humana e com os humanos interagem constantemente.
Era fascinante ver o saci com as suas armações para assustar as pessoas, a maldades da Cuca, que sabemos existir em todos os lugares que freqüentamos assim os personagens faziam uma ponte entre imaginação e realidade.
Gostava de todos os personagens, mas tinha um carinho especial pela Emília. Ela era egocêntrica, independente, atrevida como só as pessoas ousadas sabem ser. Os personagens do “Sítio” possibilitaram que eu utilizasse o meu self naqueles momentos para sair dos dramas interiores e conhecer outros caminhos menos dolorosos. Eu não aceitava bem as condições que a vida me oferecia, nem tinha maturidade suficiente para compreender o sentido da vida. Tenho certeza que o personagem da Emília me inspirou bastante na construção de minha identidade. Afirma Larrosa (2003, p.184): “Pensar a infância como um outro, é justamente, pensar essa inquietação, esse pensamento, esse vazio, É instituir uma vez mais: as crianças esses seres estranhos dos quais nada se sabe, esses selvagens que não compreendem a nossa língua”.
Aos poucos, fui aprendendo a me expressar, aprendi a argüir quando se fazia necessário e sair do cotidiano, fazendo coisas prazerosas: viajar, namorar, bater papo com os amigos. Esta era a forma de utilização por mim do pó de pirlimpimpim. Com a vida imediatista que estamos levando, todos estamos precisando desse pó mágico, que nos transporta para uma realidade menos conflitiva, onde não temos que assistir pela televisão as pessoas no seu habitat correndo com medo das balas nos morros do Rio de Janeiro, ou em qualquer outro lugar do país. A violência já se disseminou não apenas pelo país, como também pelo planeta.
Quem dera que fossem os personagens de hoje aqueles inocentes personagens de Monteiro Lobato, que compõem seus livros, suas histórias. O que temos hoje é a banalização da vulgaridade. A mídia por meio de seus programas instiga uma parcela da população que por não ter acesso a cultura aceita o que é imposto pela mídia como verdade sem nenhum questionamento. Como diria (SEIXAS, 1989): “O best seller do momento é um livro algorento, que ninguém entende, mas todo mundo quer ler... ler pra ter cultura, e como acabaram com a censura a mídia é o nosso Aiatolá...”
Os programas infantis não só animam, como também podem incentivar a criança ao consumo podendo tornar a criança compulsiva para adquirir os produtos oferecidos como algo de fundamental para as suas vidas. Se não podem tê-los, sentem-se excluídas ou inferiorizadas. O investimento em Merchandising é muito alto. Porém isto ainda não se constitui no maior problema. Tenho percebido ao longo do tempo como as crianças bitoladas na televisão tornam-se adultos com a mentalidade débil.
Com bem disse Quirino (2000, p.19), “vou-me embora pro passado pra não viver poluído, pra não morar enjaulado, lá não se vê violência, nem droga nem tanto mal. Não se vê tanto barulho, nem asfalto nem entulho, no passado é outro astral...”.
Hoje, as opções são poucas para que as crianças se utilizem de elaborações mentais para resolver alguma situação problema. Uma vez que são induzidas a assistirem a programas sem qualidade, músicas que mais soam como barulho, onde sempre o negro, o homossexual e a mulher são humilhados e nem se dão conta disso. Tamanha é a alienação. No Sítio do Pica-pau Amarelo, as crianças almoçavam e jantavam com a vovó e todos juntos a mesa pensavam e discutiam os “causos” e as histórias contados ou vivenciados naquele espaço.
Enquanto isso, atualmente nos deparamos com comportamentos que causam espanto e por vezes chegam a tornar-se patologias, como o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), a depressão, a doença do pânico que certamente está relacionado com os valores que adquirimos e também com os valores que perdemos por não ter criticidade e aceitar tudo pronto sem questionar se vale à pena. Às vezes, nos acostumamos a viver num mundo virtual a ponto de não saber enfrentar a realidade e de aceitar-nos como verdadeiramente somos apenas por sermos diferentes dos padrões sociais aos quais temos de nos adequar para sermos aceitos pelos outros. Assim, assumimos outras identidades em detrimento da supressão do nosso próprio eu.
Quando lembro do “Sítio do Pica-pau Amarelo”, relaciono-o imediatamente com a minha infância, com os quintais das casas em que habitei repletas de mangueiras e também das brincadeiras que nos permitia sentir a liberdade em nossas ações concretas: brincar, correr, praticar esportes entre tantas outras emoções. Ao menos, na hora das brincadeiras, ninguém nos controlava.
Agora, as crianças passam a maior parte do seu tempo jogando no computador. Assim, as relações humanas deixaram de ser pessoais e passaram a existir virtualmente por meio da Internet. As pessoas estão substituindo os encontros sociais dando maior importância ao bate - papo virtual. Dessa forma acreditam ser menos conflitantes afinal, não precisa olhar nos olhos do “outro” e a qualquer sinal de perigo desliga-se o botão do computador. Cria-se, assim, uma geração de cibermaníacos sem coragem e atitudes para enfrentar problemas reais. Já no âmbito virtual, são capazes de projetar e realizar seqüestros, assaltos de grande magnitude, homicídios e se os seus próprios pais tornarem-se para eles uma ameaça, serão também exterminados assim como o fazem nos jogos eletrônicos.
Nos sites de relacionamento, é possível comunicar-se com pessoas perfeitamente normais, assim como com pessoas de personalidade dúbia e até mesmo com transtornos de personalidade. Pessoas, em sua maioria crianças e adolescentes caem constantemente em armadilhas tramadas por pedófilos, ou outros bandidos que encontram na internet, todas as pistas para a execução de seus crimes. As adolescentes se expõem com mais facilidade e enfrentam dificuldades na construção de sua identidade, visto que às vezes, ela não se encaixa nos padrões de beleza estereotipados em nossas práticas culturais.
Já os adolescentes querem o poder e passam a pertencer a comunidades neonazistas, de sexo virtual, talvez por julgar-se incapaz de realizar uma conquista real e também participam de seitas suicidas. Assumem novas personalidades, uma second life. Os pais há muito tempo parecem ter perdido o controle sobre os filhos. Já não sabem impor limites e conseqüências dessa falta de limites aumentaram as preocupações e as necessidades de ajudas psicológicas tentando solucionar ou minimizar o problema que geralmente só é descoberto quando assume grandes proporções. Por outro lado o Estado não demonstra interesse em controlar a rede, como conseqüências disso, vemos um aumento do contingente de menores infratores sobre os quais nem a família nem o Estado exercem algum controle. Chegando ao absurdo de bandidos comandarem seqüestros dentro de presídios por meio do telefone celular e pararem uma cidade como São Paulo. É como se dissessem: Nós temos o comando! Vemos em suas faces a falta de interação com outras crianças, não importando a classe social e sim os atos diferenciam as crianças dos adultos, a interação, as brincadeiras que deveria fazer parte de suas vidas gastando suas energias físicas e mentais fazendo estripulias.
Os pais, em sua maioria, utilizam os filmes da Disney, que encantam não apenas crianças como também os adultos. Esses filmes camuflam alguns preconceitos que acentuam a condição de subordinação da mulher, reforçam os preconceitos contra negros, além de lucrarem excessivamente com a venda de seus produtos. Como o público fica encantado com as grandes produções não percebem estes graves deslizes que permeiam as histórias infantis e são encaradas naturalmente cristalizando ainda mais o preconceito social.
Portanto, não se faz necessário abdicar de uma vez, radicalizando com os filmes da Disney, e sim utilizá-los para trabalhar os valores positivos e negativos mediando às ações, por meio de discussões, debates fazendo com que a criança sinalize com um outro olhar sobre o que vê e lê, para que esteja preparado para enfrentar o mundo e saber ler nas entrelinhas.
Assim como o uso da internet não deve ser impedido, mas, sim, mediado por ações que garantam a segurança dos usuários devendo haver campanhas esclarecedoras, incentivando a utilização de sites que contribuam para a formação de uma juventude sadia, capaz de conduzir um sonho bom. Como disseram os compositores Zé Geraldo e Tavares Dias nessa letra que traz à tona a insatisfação com o quadro de descrédito político que ora enfrentamos no Brasil, para lançar um olhar crítico àqueles que escolhemos como representantes da Nação e ficarmos mais atentos às práticas produzidas no exercício de seus mandatos e sermos mais cautelosos na hora de escolher nossos representantes. Desse modo, vejamos Traficantes de abobrinhas, de Zé Geraldo e Tavares Dias:
Elite estúpida e senil
Que empresta amparo legal
Pra todo o mal do Brasil
Verme do toma lá-dá-cá
Que vende o voto de vetar
A violência e a miséria
Só trapaça, choro e morte Quanto horror
O seu consórcio ainda quer me financiar?
Chega de preso e presunto, seu doutor
É tempo de se produzir consumidor
Caciques bregas, trapalhões
Com seus jornais, rádios, tevês
Vão traficando abobrinhas
Perdendo a chance de veicular
Cidadania, consciência e nutrição
Medicina preventiva e alegria, noções de amor à vida e paz em cada esquina, Ciência, Auto-estima e tecnologia
Criar gente sadia, meu rico doutor
Capaz de conduzir um sonho bom
É só questão de amor e compaixão
E com certeza ainda rendia um dinheirão
Ai que malvadeza, seu doutor
Que elite escrota, que congresso mais chulé
Mas cada um só dá o que tem
Dá o que tem, meu senhor
E mostra o que é
Nessa música, os compositores, nos lembram do quadro de dificuldades ao qual o país atravessa seja por improbidade administrativa de seus governantes, seja por pressões internacionais, o fato é que nós educadores temos que ser esperançosos e tentar de todas as formas possíveis contribuir para que a educação possa sair do caos em que se encontra e isso só será possível se nós educadores tivermos consciência do nosso papel na sociedade.A letra fala dos problemas ligados à ingerência de alguns políticos, mas também aponta caminhos e possibilidades que uma boa gestão dos recursos financeiros traria aos brasileiros: Educação, tecnologia, bem-estar, este é um bem, caro aos brasileiros.Nessa perspectiva, este trabalho pretendeu trazer a tona algumas questões que me inquietavam enquanto educadora e também como estudante, lançando aos leitores reflexões sobre algumas questões como política, mídia, cultura e educação esperando colaborar de alguma forma para que tanto os pais como educadores, possam refletir sobre a educação de seus filhos e dos seus alunos.
REFERÊNCIAS
BALEIRO, Zeca. ”Minha casa”. Líricas, Cd/Universal music, 2000.
GIL, Gilberto. Sítio do pica-pau Amarelo. Som Livre, 1977.
GERALDO, Zé; Tavares Dias, Cd “no meio da área”, Traficantes de abobrinhas Paradoxx, Music, 1998.
NOVA, Marcelo, Raul, Seixas, CD “A panela do diabo”, Best Seller, Warner music, Brasil, Ltda, 1989.
.
QUIRINO, Jessier. “Vou-me embora pro passado”, Bagaço, 2000.
GIROUX, Henry. Os filmes da Disney são bons para seus filhos? In: STEINBERG, Shirley R.; KINCHELOE, Joe L. (Org.). Cultura infantil: a construção corporativa da infância. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
LARROSA, Jorge. Pedagogia profana: danças e piruetas e mascaradas. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.