A PROSA INOVADORA DE ELES ERAM MUITOS CAVALOS

A prosa inovadora

de Eles eram muitos cavalos

AUTOR: Lenilson Vidal de Souza

Resumo

Este artigo tem por objetivo principal fazer uma leitura analítica acerca da estrutura formal do livro Eles eram muitos cavalos, de Luiz Ruffato, afim de mostrar as técnicas inovadoras empregadas pelo autor, tais como a fragmentação e a mistura de gêneros textuais.

Palavras-chave: Estrutura narrativa - Fragmentação - Inovação.

Eles eram muitos cavalos, primeiro romance1 do autor mineiro Luiz Ruffato, publicado em 2001, é considerado pelos críticos literários uma obra inovadora, devido à fragmentação de sua narrativa.

Na obra, Ruffato centra o foco na cidade de São Paulo, para retratar a vida dos homens comuns, viventes em uma metrópole. Toda a ação se passa em apenas um dia: 9 de maio de 2000.

A narrativa é dividida em setenta e um pequenos textos, nos quais são descritos os mais diferentes tipos, tais como taxistas, camelôs, pastores, mendigos, assaltantes, cartomantes e etc. que embora 'moradores' de uma mesma cidade, não exercem nenhum tipo de influência uns sobre os outros. Isso pode até ser normal em se tratando de uma grande cidade, mas se torna uma proposta do romance, quando de uma análise mais atenta de sua estrutura.

Segundo Cunha (2004), em Eles eram muitos cavalos não há um fio condutor que relacione qualquer uma das partes ou os personagens, sendo o tempo ficcional (um dia) o que permite ler este aglomerado de pequenos textos como um grande retrato da diversidade humana no cotidiano em uma megalópole.

Neste artigo, o que se pretende fazer é uma análise, em linhas gerais, do caráter formal desse romance de Ruffato.

Lendo a obra, com um olhar mais atento, percebe-se que a fragmentação da narrativa é constante, e de acordo com Cunha (2004) ela (a fragmentação), em muitos momentos, é marcada pela diferença entre os gêneros textuais. Os narradores formam uma espécie de mosaico, sendo este mesmo composto por diferentes tipos de textos: orações, cartas, previsões do tempo, anúncios de revista e jornais, cardápios etc.

A fragmentação em Eles eram muitos cavalos pode ser evidenciada não apenas entre as partes da obra, mas também em um mesmo capítulo, como pode ser exemplificado pelo excerto abaixo, retirado do capítulo seis, intitulado 'Mãe'. Nele há o relato da viagem de uma senhora idosa na linha de ônibus que faz o trajeto Garanhuns x São Paulo:

E agora? Tá perto? Paciência, vovó!, Ainda demora um pouquinho ainda, [...] Ô vovó, já tamos quase a bexiga estufada, dói a barriga, as costas, Ai!, as escadeiras, Ui!, as pernas, Ai!, Ui!, sem posição, Alá, vovó, alá as luzes de São o filho esperando Tantos anos! Ganhar a vida em Sampaulo, no Brejo Velho Duas vezes só, voltou, meu Deus, isso em solteiro, depois, apenas os retratos carreavam notícias, o emprego, a namorada-agora-esposa, eles dois, a casa descostelada, os netos, e vamos então esperar a senhora para passar o Dia das Mães com nossa família e todos vamos ficar muito felizes não preocupa não que eu vou buscar a senhora na rodoviária lembranças a todos do a bexiga caxumbenta, o intestino goguento. (RUFFATO, 2001, p. 16).

Nesse trecho, transcrito tal como aparece na obra de Ruffato, pode-se perceber a inserção do trecho de uma carta, que está posto em destaque, por meio de palavras escritas com letras menores e dispostas em itálico. A mistura de gêneros textuais não é novidade na produção literária contemporânea, mas a forma como Ruffato faz isso é bem significante e inovadora.

De acordo com Reuter (2002, apud CUNHA, 2004, p. 93) “[...] os gêneros limitam as narrativas, primeiro impondo modos de organização mais ou menos rígidos, à diversidade sequencial e, em seguida comandando formas mais ou menos codificadas para essas sequências.” Uma vez salientada tal afirmação do teórico, faz-se necessário ver como estas sequências estão dispostas no fragmento transcrito acima.

Numa leitura superficial, pode-se identificar pelo menos 4 variações no mesmo tipo de letra. Segundo Cunha (2004), se o leitor se ater às letras que estão em negrito e também as que estão em itálico, o que verá será uma sequência próxima a um diálogo, neste caso, um diálogo travado entre a velha senhora e o motorista do tal ônibus.

O trecho da carta pode ser entendido como uma sequência argumentativa, isso porque lendo-o percebe-se que o filho está tentando convencer a mãe a aceitar fazer a viagem, ou seja, ele está argumentando: “[...] vamos então esperar a senhora para passar o Dia das Mães com nossa família e todos vamos ficar muito felizes não preocupa não que eu vou buscar a senhora na rodoviária...”(RUFFATO, 2001, p. 16). Há também, ainda no fragmento transcrito, uma sequência que pode ser chamada de descritiva, sendo esta correspondente à fala do narrador. Vejamos: “[...] a bexiga estufada, dói a barriga, as costas, [...] as escadeiras,[...] as pernas, [...] sem posição [...] a bexiga caxumbenta, o intestino goguento...”

Reuter (2002, apud CUNHA, 2004, p. 93) a respeito do modo de inserção das sequências na narrativa salienta:

Elas podem romper de maneira clara o curso da narração ou, pelo menos, distingui-lo claramente: a inserção de uma carta ou de uma notícia de jornal [...] Em compensação, ela pode tender a fundir-se na narração que apaga o máximo possível os signos demarcativos. [...] um dos meios para realizar tal apagamento consiste em delegar o controle dessas sequências às personagens, e não mais ao narrador, que dialogam, explicam e argumentam entre si.

Ainda com relação ao excerto transcrito, pode-se destacar pelo menos alguns aspectos relevantes: o primeiro diz respeito ao rompimento que se dá de forma explícita “[...] quando da inserção das sequências e a variação de gêneros entre o conjunto de textos que formam o romance.” (CUNHA, 2004, p. ). O segundo seria o apagamento do narrador, uma vez que é dada aos personagens o controle das diferentes sequências narrativas. Outro aspecto pode ser ilustrado por meio de outro fragmento da obra, transcrito abaixo:

SOZINHO – Homem branco, 34 anos, 1,65 m, 62 Kg, cabelos pretos, olhos castanhos, comerciante. Deseja se corresponder com moça branca, baixinha, carinhosa e sem vícios. (RUFFATO, 2001, p. 56).

Lendo o fragmento, percebe-se claramente que se trata de um anúncio de jornal, onde um homem expressa a sua vontade de se corresponder com moças brancas, baixas e etc. Sequências como essa são uma forma de mostrar como o rompimento do curso narrativo é feito nesta obra de Ruffato. A intercalação de sequências é uma boa maneira de fazer a fragmentação da narrativa e de ilustrar a diversidade de gêneros narrativos, presentes em um mesmo capítulo.

Em Eles eram muitos cavalos a diversidade e a fragmentação narrativa são os pontos mais característicos da chamada prosa inovadora de Ruffato. Se tal proposta terá “vida longa”, será uma questão de tempo.

Referências bibliográficas

1.CUNHA, Rodrigo Ennes da. (Re) construção do herói: o imigrante nordestino como metáfora da forma em Eles eram muitos cavalos. Revista Letras, Curitiba, n. 64, p. 91-101. set./dez. 2004. Editora UFPR.

2.RUFFATO, Luiz. Eles eram muitos cavalos. São Paulo: Boitempo, 2001.

Lenilson Vidal
Enviado por Lenilson Vidal em 21/02/2010
Código do texto: T2099170