YO ESTOU SAD OF TÉDIO
“Meu Deus do céu, que está acontecendo com a Língua Portuguesa?” – perguntava, exclamando, o gênio de Carlos Drummond de Andrade. Isto saiu na sua crônica semanal do Jornal do Brasil, reproduzida pelo O Povo, Fortaleza, p. 16-A, de 07/08/1989, em texto publicitário de PAULO PEROBA, PROMOÇÕES CULTURAIS DO NORDESTE, comemorativo ao Ano do Sesquicentenário de Nascimento de Machado de Assis.
Por incrível que nos possa parecer, com base em substancioso apanhado do professor José do Nascimento Braga (meu ex-mestre, no Curso Médio), lente insigne da Universidade Estadual do Ceará- UECE, que examinou milhares de redações de vestibulandos da Terra da Luz, o poeta de “A rosa do povo” e “Fazendeiro do ar” apresenta o rol de doze grafias diferentes para o vocábulo “diurno” (de urno, deurno, diurdo, biurno, de urna, diturno, e vai por aí em combinações despropositadas). Erros ortográficos? Não; criatividade. Semanticamente, a intenção era fazer significar o mesmo: do turno do dia.
Recentemente, nos meios executivos da França, concretizou-se a edição de decreto de reação às invasões de línguas estrangeiras naquele país, sobretudo o inglês. O ato punha freio ao uso indiscriminado de tantos anglicismos, substituindo-os por formas vernáculas correspondentes da língua francesa. Bobagem, conservadorismo lá deles? Admito que de boas razões armou-se o governo gaulês, naturalmente que ouvindo sua grei de linguistas, para proceder do modo como agiu. Raciocino que nacionalizar (ou, pelo menos, racionalizar) o pandemônio de terminologias e léxicos alienígenas, em qualquer nação do globo, terá sido um imperativo, uma questão de vida ou morte para o idioma pátrio.
Feliz, talvez infelizmente, nem todos os indivíduos pensam dessa forma, que, à primeira vista, até parece reacionária. E, de fato, é-o, enquanto reage a um ‘status quo’. Há também os que praticam a ideia da aldeia global, da adoção e interação adoidadas de estrangeirismos. Trata-se, pois, de uma espécie nacional de Babel poliglota, porém, na verdade, deveras caótica. O colonizador primeiro impõe sua língua; depois, para embutir no colonizado o poder de dominação, o resto torna-se um passeio. Aqui, não faço de modo formal uma denúncia, mas um alerta, como canta o poeta musical, “antes que seja tarde”.
Que me não tachem de andar pregando ideologias xenófobas e, como diziam nos idos da ditadura, “subversivas”. Nada contra estrangeiro algum, mas contra sua indevida e ampla intromissão nos camarins linguísticos. Não aceito. Isto é castração cultural e, sem majestade, abro mão de não ser reacionário. Já lecionei, durante anos, o inglês (grafo com maiúsculas apenas a Língua Portuguesa). No entanto, como que direito vou maximizar outra que não a minha própria língua?
Também não sou partidário do isolamento absoluto das culturas dos povos. Num gesto de franqueza, se sustentar a tese da preservação e da identidade primitivas do cabedal linguístico, quero dizer, a existência autônoma do idioma materno, então me confesso, no mínimo, um retrógrado abominável. Assim, culturalmente, não sou dos que punem pelo do “cada macaco no seu galho”; todavia, do ponto de vista do idioma, minha ferramenta de comunicação mais significativa, gostaria de não ensopar a pepita de ouro trabalhada no cascalho de onde ela não foi extraída.
De uma semana para cá, sem me sentir, dei de viver literalmente lendo no peito do pessoal, principalmente no busto de indivíduos jovens. E o que tenho visto no frontão das camisas vistosas de malha? Legendas e letreiros os mais curiosos, pois coloridos e ilustrados com figuras exóticas, alguns dos quais bastante familiares à Disneyworld, porém, para a maioria dos mortais brasileiros, indecifráveis como os hieróglifos do velho Egito. Na minha leitura aleatória, bati com o olhar em dizeres pomposos assim: “Group of friends” (Grupo de amigos); “Take the lead / Lead the way” (Tome a dianteira / Conduza o caminho); “Baseball / Sporting life” (Beisebol / Esporte da vida); “Famous clothes in the world” (Roupas famosas do mundo); “Tomorrow maybe” (Amanhã talvez). De todas, gostei da última, pelo menos uma mensagem de esperança.
Se mais não colhi desses fraseados alienígenas, foi porque pouco me botei de pernas pelo centro da cidade, nem me dando ao luxo de pesquisar pelas praias, onde, em geral, impera o cosmopolitismo avançado do tipo Coca-Cola. Ora, macacos me engulam com tanto lero-lero de estrangeirismos. E os fabricantes de tais peças de vestir é que se não dão ao respeito de escolher temas e motivos mais em consonância com o espírito abrasileirado.
Em casa, sem trabalho algum, corro o olho pelos cantos: Sharp, Toshiba, Philips, All Star, Fresh Harpic (água sanitária), Kaiser, Frigidaire, Ray-Ban, Speed Stick (desodorante), Baygon, Star Roup (na minha gola), Hermes Baby (máquina com que datilografo estas linhas). E mais papel que houvesse, pois não citei ainda nem um quarto do que há em volta. Mas a parafernália de expressões e termos estrangeiros faz parte da nossa rotina. Como nos ensina a Globo, “tudo a ver”.
A lista de marcas, no mundo da mídia, e de legendas, no rosto das camisas, poderia ser infinita; todas, no entanto, esculpidas e caprichadas em bom ou péssimo inglês, que é hoje o nosso lídimo caudal linguístico, em tempo de capitalismo selvagem (hoje, 2010, mundo globalizado, após uma década e meia); em tempo, também, cada vez mais célere da dita sociedade de consumo. Grego e latim, que eram os nossos principais mantenedores do étimo, ou seja, radicais, prefixos e sufixos – tal como me fez ver aquele acadêmico acerca do soneto – “já eram”. A fonte majoritária do português falado no Brasil, atualmente, vem do Hemisfério Norte. Mas está sendo por esta mesma razão que se anda a falar e a escrever tão bonito, hodiernamente, a língua de Camões, aqui, entre nós, coitada, ela tão rica e tão pobrezinha.
Viche, minha Nossa...! Je vais to stop, because yo estou la mar de sad of tédio. Quem me garantirá que, no futuro, brasileiro palerma não vai falar assim?
(Abril de 1994)
Fort., 21/02/2010.
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(*) Este artigo originalmente foi publicado no jornal O Povo, Fortaleza, caderno especial “Jornal do Leitor”, 23/10/1994, p. 2.