Um olhar sobre "As viagens de Gulliver"

Um olhar sobre As Viagens de Gulliver

Jamille Araujo

Margarida Oliveira

Rubenalva Santos

RESUMO

Um olhar sobre As Viagens de Gulliver diz respeito a uma análise sobre os principais aspectos abordados por Jonathan Swift, bem como seus objetivos e recursos utilizados para criticar a sociedade. Este estudo esclarece as principais dúvidas relacionadas à abordagem que Swift faz em relação ao ser humano e seu convívio com os demais seres, questionando, também, a forma satírica que a obra possui. Chegando à conclusão de que o ser humano, tal como em Viagens de Gulliver, é repleto de vícios e maus valores éticos.

Palavras-chave: Literatura; Crítica; Sociedade.

INTRODUÇÃO

As Viagens de Gulliver é um romance inglês que procura mostrar a vida política e social da Inglaterra do século XVII e tem como tema as viagens imaginárias feitas pelo personagem principal, as quais contêm descrições semelhantes a lugares absurdos, e são referidos por meio de sátiras, fato este, que o torna uma obra polêmica, uma vez que buscava ridicularizar os liberais, os juristas, as instituições e o ser humano em geral. Nesse romance, o personagem principal realiza quatro viagens a espaços distintos e com características peculiares, utilizando-se do tempo cronológico. Não há conflitos, apenas momentos de tensão, pois o discurso é empregado como uma auto-análise do escritor projetando-se em seu próprio personagem por meio de aventuras. Caracteriza-se, dessa forma, como protagonista-narrador. Sua linguagem é baseada num estilo descritivo, visto que, são narradas cartas que contam as viagens realizadas pelo personagem.

Durantes suas viagens, Limuel Gulliver encontra mundos e povos esquisitos, que na verdade, são analogias para os comportamentos duvidosos da humanidade.

Jonathan Swift é um escritor cujo referencial crítico não se faz justiça. Seu mais famoso livro, “As Viagens de Gulliver”, é uma obra que se tornou célebre e clássica, pertencendo à cultura literária geral do ocidente europeu e, neste início de século XXI, podemos dizer, dado o livro ter vencido a prova maior que é a do tempo, pertencendo ao acervo cultural da humanidade, ainda que o que se entenda como humanidade não se pode confundir como sendo a universalização de valores, moral e cultura que são próprias da parte ocidental do mundo. Isso, contudo, não inviabiliza dizer que “As Viagens de Gulliver” é um clássico da literatura universal.

É contra uma sociedade corrupta e perversa que o escritor Jonathan Swift se revolta, produzindo uma obra literária de grande furor, rebeldia e sátira.

Desse modo, pretendemos explicitar essas críticas, e a forma como o autor as revela, fazendo relação com a atualidade, uma vez que os aspectos discutidos ainda perduram em nossa sociedade.

DESENVOLVIMENTO

Viagens de Gulliver, narrada por Jonathan Swift, é uma obra desprovida de efeitos literários, baseada em relatos diários de viagens, com o intuito de despertar curiosidade nos leitores, pois, ao começar a ler sobre uma viagem, cria-se a expectativa em saber como ela terminará e o que a sucederá. Durante esse percurso narrativo, Swift nos conduz a várias reflexões, como em: “Imagina tu mesmo, leitor cortês, quantas vezes desejei possuir então a língua de Demóstenes ou de Cícero, para entoar louvores da minha querida terra natal, em estilo condizente com os méritos e felicidade!” (SWIFT, 1726. p.158 – Segunda Viagem). Nesse trecho, percebemos claramente uma linearidade, onde o próprio leitor pode fazer inferências sobre o desejo do autor e sua auto-análise voltada ao nacionalismo. Por ter exercido cargo de secretário de Relações Públicas, Swift sabia como funcionava a política e suas relações sociais na época. Por isso, no decorrer de suas viagens, utiliza-se da fantasia e do fantástico para criticar a política e os vícios da estrutura social daquele período, semelhante em muitos aspectos a estrutura vigente em nosso país.

O autor utiliza-se de fatos imaginários, porém, segue uma cronologia com datas marcadas, o que nos leva a deduzir o uso de materiais como a bússola para emitir tamanha precisão. Esse aspecto pode ser devidamente exemplificado com uma passagem da primeira viagem a Liliput e na décima primeira parte da quarta viagem ao país dos Houyhnhnms, onde é mencionado respectivamente: “Estávamos então a 30 graus latitude Sul...”; “Chegamos às dunas no dia 13 de abril de 1702.”; “[...] No dia 5 de setembro de 1715 fundeamos nas Dunas, cerca das nove da manhã e, às três da tarde, cheguei em casa.” Apesar de se tratar de fatos imaginados, uma vez que tais descrições presentes na obra são impossíveis de serem reais, o autor tem a intenção de fazer com que o leitor creia que realmente aqueles episódios aconteceram. Para comprovar, analisemos a ênfase dada ao capítulo XII: “Contei-te a história fiel das minhas viagens durante dezesseis anos e mais sete meses, na qual me preocupou menos o ornamento que a verdade” Isto confirma a intenção em ratificar a veracidade ao leitor.

Limuel Gulliver fez várias viagens a diversos lugares, o primeiro deles foi Lilliput, no qual os habitantes mediam em média 15 cm. Posteriormente, visitou Brobdingnag, ilha habitada por gigantes. A terceira viagem se deu à Laputa, uma ilha voadora, cujo povo só se interessava pela matemática e pela música; em seguida, direcionou-se para o país dos Houyhnhnms, onde os cavalos dominavam os Yahoos, ou seja, seres com aparência de homem e raciocínio de animal.

Gulliver faz inúmeras comparações e críticas citando as injustiças, hipocrisias e principalmente as “canalhices” políticas. A principio, tem um olhar inocente perante a humanidade, iniciando sua narrativa com a viagem ao país das pessoas minúsculas, como podemos observar : “[...] vi uma criaturazinha humana, que mal chegava a quinze centímetros de altura[...]”. (p.47). Em seguida inicia-se as séries de criticas começando pela política: “[...] a ignorância, a preguiça e o vicio são os verdadeiros qualificativos de um legislador.” (p.161), e “[...] não tem perfeição dos que alcançam os cargos, muito menos que exijam homens que tenham se tornados nobres pela virtude, quê os sacerdotes sejam homenageados por sua piedade ou ensinamentos, e os juízes por sua integridade [...]” (p.162).

Percebemos neste fragmento que Gulliver não deixou escapar das críticas, nem mesmo a religião, a qual, na época, a cobrança para com os religiosos era mais rigorosa.

Em cada viagem, podemos observar os personagens principais e suas características peculiares. Na primeira, fazem parte do foco narrativo o Srº Limuel Gulliver cujo interesse era viajar, por isso estudou matemática e técnicas de navegação; Golbasto Momaren Evlane Gurdilo Shefin Mully Ully Gue considerado imperador de Liliput; Skyresh Bolgolam, pessoa de confiança do rei, mas tornou-se inimigo de Gulliver e por fim, Flimnap, o qual tomava conta das finanças do rei. Na segunda viagem, outros personagens se apresentam como principais: Gildrig, nome dado a Gulliver na terra dos gigantes; Amazinha, filha do gigante e amiga de Gulliver; Grilbrig, homem de índole duvidosa, foi acusado de ter vendido Gulliver ao ficar doente. A terceira viagem foi composta pelo Rei; Munodi, homem de prestígio, governou Lagado durante anos; Os Batedores, cujo papel era despertar o povo para assuntos atuais; Para finalizar seu roteiro, Gulliver passou pelo País dos Houyhnhnms, onde conheceu Amo, e este lhe ensinou a linguagem dos cavalos; os Houyhnhnms, que eram os próprios cavalos dotados de atitudes humanas; os Yahoos, seres com características humanas e comportamento irracional. Segundo Gulliver, "... tinham a cabeça e o peito cobertos de pêlos grossos, crespos em alguns e lisos em outros;... a pele, de uma coloração castanha de camursa...".(p. 256)

Nas imaginações de Gulliver também são discutidas as questões sociais e humanitárias: “[...] há poucos ricos que vivem bem e muitos pobres que vivem miseravelmente [...] com salários insignificantes”.(p. 281). Podemos observar neste fragmento um forte desajuste social na época, mas que atualmente, ainda permanece. O autor, mais à frente ainda relata que “[...] as pessoas roubam porque não tem o que comer, pois, enquanto poucos comem importados, outros passam fome” (p. 287). Ainda sobre a questão humanitária, ele ressalta que, mendigar era proibido, pois, as pessoas que não tem condição são sustentadas pelo estado.

Outro ponto importante que merece ressalva é o momento em que ele critica o desrespeito dos governantes para com os idosos, quando em suas imaginações diz: “[...] velhos e doentes são recolhidos e cuidados pelo estado” (p. 320) Isso era apenas um sonho, pois, o que acontecia era tudo ao contrário. Este também é um desejo da nossa pós-modernidade, onde muitos idosos não têm disponíveis sequer cestas básicas e auxilio previdenciário.

Segundo o autor, as pessoas com oitenta anos, são consideradas mortas e os herdeiros passam a usufruir dos bens. Com esse comentário ele critica a avareza de alguns filhos que não esperam o pai morrer para começar a se desfazer dos patrimônios, onde quem constrói este patrimônio normalmente vive abandonado, maltratado e desprezados pelos próprios filhos.

O autor, em suas viagens, observa a postura da humanidade sobre quatro pontos de vista diferentes: superioridade, inferioridade, censo comum e vê a humanidade como raça irracional.

O primeiro ponto está em sua primeira viagem quando retrata a superioridade física, relatando os humanos de Lilipute como pessoas minúsculas. Explicitando assim a superioridade do gigante. Quando chega a Brobdingnag, aborda o segundo ponto, em que ele se vê como um ser fisicamente inferior. É o que nos prova o trecho do fantástico país dos gigantes: “[...] da altura de um campanário de igreja e avançava nove metros a cada passo que dava”.(p.130). Esta critica é para aquelas pessoas que se dizem donos da verdade devido o poder e a situação econômica, e isto os faz serem vistos como gigantes.

Chegando à Laputa, trata sobre o senso comum, segundo o qual a humanidade se torna maluca e perversa. Segundo o autor, as autoridades fazem de tudo para se manterem no poder, citando como exemplo a seleção para secretários, na qual é feita uma entrevista. Para tanto, com antecedência obtêm o histórico dos candidatos e posteriormente é iniciada uma tradição. Segundo a tradição o candidato deve chegar lambendo o chão na hora da entrevista, então, sendo de interesse dos chefes que o candidato ocupe o cargo, limpam o chão bem limpo, caso contrário, espalhava um pó que na verdade era veneno, levando o candidato à morte antes mesmo de ser entrevistado. Nesse ponto, observamos as atitudes que um homem é capaz de fazer para se manter no poder. Já o quarto e último ponto, revela o quanto a humanidade é tratada como uma raça irracional e besta, como podemos observar em: “[...] ao ver tal comportamento em animais irracionais [...]” e ainda em “[...] a besta e eu fomos colocados lado a lado e comparados [...]” (p.256). Tal fato ocorre porque esta terra era governada por cavalos, que viviam como civilizados. Os humanos nessa terra eram considerados bichos, onde os mais espertos eram utilizados como serviçais enquanto os outros ficavam nos campos a pastar.

O objetivo por trás de todas essas viagens é uma crítica concentrada a cada setor da sociedade inglesa. A crítica do escritor Swift fica mais evidente quando o rei de Brobdingnag pede para Gulliver descrever como é o seu país. Swift então descarrega pela boca de Gulliver, relatando e criticando o regime político inglês, os vícios da corte e da sociedade, os burgueses e os costumes. Há ainda um povo imortal que ele encontra em uma de suas viagens, e é mais uma crítica de Swift ao pensamento da imortalidade da alma. Esta era apenas para um em cada milhão de humanos. Como esse dom era raríssimo e os mortais tinham o desejo da vida eterna, por mais tarde que a morte chegasse alguém sempre queria adiar um pouco mais.

Jonathan Swift, através das personagens de seu livro, ridiculariza grandes personalidades de seu tempo, satirizando-as e criticando seus atos. Tais fatos são explicitados quando o autor tece severos comentários sobre o comportamento dos juízes ao realizar julgamentos. (cf. Swift, 1996, p. 280).

Esta obra revela toda uma conjuntura política e social que era debatida na Inglaterra do tempo de Swift. A formação da Inglaterra era algo que se consolidava, mas, sob o peso da opressão e da violência para outros povos. A sociedade vivia em turbulência, e os sucessivos governos não davam conta de satisfazer às necessidades sociais de forma satisfatória. (cf. Swift, 1996, p. 283-285). A obra, no plano literário, diferencia-se das que lhe foram contemporâneas por seu teor crítico e mordaz.

A obra representa certa decepção do autor para com a sociedade do seu tempo, mas não só com ela. Estava inclusa também a visão pessoal de Jonathan Swift a respeito das características do ser humano, tido por Swift como intolerante, egoísta e arrogante, mas isso tudo criticado sem deixar de, no final, apresentar uma esperança. (cf. Swift, 1996, p. 159-166, 261) Se assim não fosse, não se teria razão nem lógica no fato de o escritor empreender um tempo considerável procurando, no final das contas, exortar a sociedade de seu tempo para que percebesse seus vícios e se pautasse mais em valores e numa ética que consideravam os valores humanos como prioridade, e não o desejo individualista de se dar bem a todo custo. Por tudo isso, esta é uma obra imortal e um símbolo da crítica, criatividade e engenhosidade humana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudos revelam que tal obra, a princípio, não fora destinada ao público infantil, tendo em vista as fortes críticas que Gulliver faz à sociedade da época e até mesmo à atual, satirizando os valores corruptíveis, que tomam posse do comportamento humano. Ao contextualizar a obra com a contemporaneidade, percebemos que, de fato, esses vícios morais ainda perpetuam em nosso meio social.

Baseando-se em análises profundas, chegamos à conclusão de que o entendimento da obra se dará por dois aspectos, a depender da maturidade e compreensão do leitor. O público juvenil, provavelmente não terá a mesma percepção do leitor adulto. Aquele se deterá, em grande parte, ao que a obra lhe oferece de maravilhoso, enquanto este, compreenderá pelo viés da criticidade.

REFERÊNCIAS

SWIFT, Jonathan. As Viagens de Gulliver. Tradução Therezinha Monteiro Deutsch. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996.

Jamille Araujo
Enviado por Jamille Araujo em 16/02/2010
Código do texto: T2090025
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