CARNAVAL CARIOCA: O PRIMEIRO ATO DO ESPETÁCULO
A beleza plástica e a riqueza de recursos estão mantidas no tradicional desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro. Não é tarefa simples mensurar em palavras toda a magia e encanto de manifestações culturais e artísticas proporcionadas por charmosas agremiações da Cidade Maravilhosa. O Carnaval carioca, muito mais do que uma data comemorativa ou indústria pela qual trafegam incalculáveis somas financeiras, é um evento com a cara do Rio de Janeiro: alegre, belo, fascinante e instigante. Que a Lua dos compositores jamais deixe o samba morrer.
Neste primeiro dia de desfile, as escolas imbuídas de manter acesa a chama carnavalesca foram União da Ilha, Imperatriz Leopoldinense, Unidos da Tijuca, Viradouro, Salgueiro e Beija-Flor.
Entre as escolas que assisti, percebi que o retorno da Ilha se deu com um desfile literalmente “quixotesco”, numa homenagem ao personagem de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de La Mancha. Apesar de voluntarioso e simpático, e contar com a direção da consagrada Rosa Magalhães, o desfile não deve ter empolgado muito os jurados – ele em nada diferiu da habitual timidez que marca as apresentações das escolas que sobem do Grupo de Acesso, além da também costumeira “má-vontade” com as caçulas, fatores que muitas vezes acabam por devolvê-las à divisão da qual vieram. A Imperatriz apresentou uma bela retórica ao abordar o sincretismo religioso. O samba-enredo também não é mau. A agremiação de Ramos, de posse de um tema riquíssimo em informações e interpretações, fez um desfile bastante significativo, transmitindo diversas nuances da religiosidade nacional. Em minha visão, um desfile obediente tecnicamente. A princípio não deve brigar pelo título, mas para voltar no sábado das campeãs.
A Unidos da Tijuca fez uma apresentação bastante criativa, com a cara de seu carnavalesco. O tema é diferenciado do que temos vistos, e está virando rotina a Tijuca apresentar enredos que fujam do trivial “África-Amazônia-efeméride de pessoa ou lugar”. Por falar no enredo, a letra do samba tem uma beleza simples, sem lançar mão de recursos parnasianos ou barrocos característicos de certas instituições, como as “folhas secas” da Mangueira, a “águia guerreira” da Portela ou a “luz da estrela-guia” da Mocidade. Desde já, a Unidos da Tijuca é uma das minhas favoritas ao título.
O samba-enredo da Viradouro, confuso e desprovido de um refrão “genial”, foi bem suplantado pelos detalhes do seu desfile. Mesmo que a letra da música não conte com uma linearidade histórica de enredo – o que considero importante, e que é mister à Beija-Flor de Nilópolis – o espetáculo proporcionado pelos niteroienses está à altura do sábado das campeãs.
A grande apresentação do dia ficou por conta da Beija-Flor. Infelizmente não consegui ficar acordado no desfile do Salgueiro (ouvir os comentários “globais”, tem hora que não dá mais!), mas a julgar pelo samba-enredo e pelo pouco que assisti... arrisco a dizer que é uma candidata em potencial ao bicampeonato. Mas falemos dos nilopolitanos. Em que pesem os R$ 3 milhões cedidos pelo governo distrital à agremiação, a verdade é que quando se fala em Beija-Flor de Nilópolis, não são por acaso os elogios. É a grande escola da década, a cada ano que passa ela é campeã ou vice. Em 2010, Brasília, a capital federal, teve o seu Júbilo de Ouro retratado desde as lendas do cerrado brasileiro até as projeções dos alicerces urbanos. O samba-enredo é uma poesia. Mas por que a escola não pode ser considerada como a maior candidata ao título? O final do desfile, apressado pela iminência do tempo regulamentar. A Beija-Flor precisou correr e, por mais que tenha cumprido o tempo, talvez o ato custe alguns décimos em conjunto e/ou harmonia.
E que venham Mocidade, Porto da Pedra, Portela, Grande Rio Vila Isabel e Mangueira!