A Filosofia idealística da Mecânica Quântica no pensamento de Amiti Goswami.
A Filosofia idealística da Mecânica Quântica no pensamento de Amiti Goswami.
Amiti Goswami nasceu na Índia, é doutor em Física Nuclear pela Universidade de Calcutá, e foi professor titular de Ciências Teóricas da Universidade do Oregon, EUA, por 30 anos. Após se aposentar, dedicou-se a escrever obras relacionando a Física contemporânea com sistemas filosóficos de pensamento, como o pensamento indiano antigo, e a filosofia grega. Em “O Universo Auto Consciente”, fica clara a relação que faz entre a filosofia da mecânica quântica, o pensamento de Platão, e a sabedoria milenar da Índia.
Para Amit Goswami o mundo quântico assemelha-se com uma leitura que podemos fazer do mundo das idéias de Platão, bem como o nível macro-físico com a descrição platônica do mundo dos fenômenos, que é gerado por aquele. No nível quântico, conforme a estrutura do mundo das idéias, cada partícula é como se fosse uma idéia platônica; eterna fonte de múltiplas possibilidades, matriz produtora de realidades. Os objetos macro-espaciais são fenômenos decorrentes dos processos quânticos, assim como na teoria de Platão os objetos do mundo material são manifestações das idéias transcendentais. Enquanto os objetos simples, quânticos, são eternos, os objetos compostos, que possuem formas complexas, são corruptíveis.
Entretanto, para Amiti Goswami, não se trata de dois mundos independentes, de modo que sua tese não é dualista. Os dois níveis de realidade estão entrelaçados de tal modo, que devemos considerar que embora um preceda causalmente o outro, há entre ambos uma identificação que os torna inseparáveis. Sua tese, portanto, é monista idealista, isto porque, assemelhando-se com a matriz idealista platônica, o nível quântico é uma consciência unitiva não local. Unitiva porque todas as coisas não são entes separados e independentes. O universo é um todo, um holo, e embora os objetos estejam aparentemente separados no espaço-tempo, há elos quânticos, não locais, que unem todas as coisas.
Portanto, na tese de Goswami, o nível quântico reage aos observadores, porque se trata de uma forma sutil de consciência. O universo é auto-consciente! O nível quântico, extremamente abstrato e criativo, parece estar, a cada instante, fazendo escolhas de como configurar-se entre tantas probabilidades. A incerteza quântica sugere que as operações subatômicas sejam inteligentes, de alguma forma, e escolham as melhores opções de configuração da realidade entre tantas miríades de possibilidades. As leis da probabilidade são inequívocas; havendo milhares de milhares de trilhões de condições quânticas possíveis que resultariam na geração de sistemas físicos tão caóticos, a confirmação, a cada bilionésimo de segundo, que, entre tantas possibilidades, as partículas quânticas combinam-se justamente da forma que fazem, de tal forma que criam um belo e vasto universo, repleto de beleza e elegância, onde, sobre um planeta formidável, seres conscientes pensam sobre os mistérios da natureza, é a prova cabal que não podemos creditar as escolhas quânticas ao acaso. Estatisticamente, se as combinações necessárias para a geração de uma realidade física ordenada são prováveis apenas uma vez entre tantas bilhões ou trilhões de possibilidades, pensar que a ordem do universo é conseqüência de um processo randômico, aleatório, irracional, ou trata-se de ingenuidade, ou de preconceito injustificável. De fato, se nosso compromisso, em ciência, for com o bom senso, somos levados a admitir que um tipo elevado de inteligência regula os processos quânticos. Não é necessário que consideremos essa inteligência como sobrenatural ou coisas do tipo. Pelo contrario, é uma inteligência verdadeiramente natural, imanente a própria natureza quântica. Entretanto, é de fato uma inteligência extremamente superior, tanto que criou, e recria a cada momento, o universo que habitamos.Falta ao computador, características subjetivas como criatividade, incerteza, consciência. Mas se esse super computador, além de tudo, fosse operado por um sistema quântico, se a mecânica do hardware fosse quântica e se o software estivesse programado para possuir as mesmas características do nível quântico, tais como operações probabilísticas ao invés de determinísticas, então esse poderoso instrumento possuiria as mesmas características daquilo que ele é feito. Imaginem que ele possuísse na sua composição, todos os elementos químicos e processos elétricos presentes no sistema biológico e que tudo que é indispensável para a vida estivesse contido em sua estrutura. Seria, portanto, criativo, e muito provavelmente, de certo modo, consciente. Bastaria que fosse mais complexo, que possuísse tantos dados, tantas informações, tanta capacidade de combinação de dados e solução de problemas, para que fosse auto-consciente.
Se você nega que um dia vamos construir um computador assim, e portanto sua existência é impossível, sua primeira conclusão parece bem plausível, mas a segunda não. O fato é que não precisamos construí-lo. Ele já existe, e somos minúsculas peças de sua estrutura. O universo é um hiper gigantesco computador quântico, criativo, com trilhões e trilhões de peças entre super-aglomerados de galáxias, nebulosas, planetas, pessoas e átomos. A própria condição física do universo nos permite que o vejamos como um imenso computador quântico, ricamente complexo, arrojado, e, portanto, incrivelmente inteligente. São tantas as peças que o compõem e o modo como poderiam combinar-se, tanta a energia presente, que sua capacidade de computar informações e combinar tais informações, descrevendo configurações detalhadas, é incrivelmente fantástica. Um computador que possuísse uma estrutura tão rica quanto o universo, um computador do tamanho do universo, seria tão inteligente, que poderia ser auto-consciente, e atributos tais como onisciência, onipresença e onipotência lhe seriam naturais. Podemos encarar, portanto, o próprio universo como um super-hiper computador quântico, dada a sua complexidade e suas dimensões. Se você argumenta que ele não poderia ser consciente porque consciência é um atributo dos seres vivos, lembre-se apenas que os seres vivos existem “no” universo, são feitos da matéria “do” universo, são conseqüências dele, e não o contrário. Além disto, lembre-se de que os seres vivos são feitos de partículas subatômicas, e que todas as substâncias necessárias para a formação de seres vivos, existem, obviamente, “no” universo. Não há nada que seja composição de um ser vivo que seja estranho ao universo. Nada lhe é estranho. Não nos esqueçamos do sentido de Universo. O conceito de universo é o de totalidade de tudo que existe. Não é necessário utilizarmos expressões como ‘‘todo o universo”, pois se trata de dizer o mesmo do mesmo, é uma redundância, uma tautologia. Universo já significa “Todo”, de modo que o conceito de vida está contido no conceito de universo. O universo está vivo! Essa e’ a tese de Goswami.
Segundo sua teoria, nosso “eu”(self) mais profundo é a própria consciência unitiva não local. O “eu” com o qual nos identificamos é formado por nossas memórias e experiências imediatas registradas em nossos cérebros, contudo, o nível quântico de nossos cérebros faz parte daquela consciência global, como se nossos cérebros fossem computadores conectados a uma rede mais vasta de unidades, cada qual armazenando informações específicas. Algumas informações gerais poderiam ser compartilhadas, e ou, seriam possíveis de ser acessadas por toda rede, ou por uma boa parte de suas unidades componentes, através, por exemplo, de mecanismos do tipo “internet” e “web” que disponibilizam as mesmas informações para computadores distintos, espalhados por todo o planeta. Esse fenômeno poderia ser representado com a tese do “inconsciente coletivo” de Carl Gustav Jung. Nesta tese, cada indivíduo possui sua consciência particular, mas todos estão interligados, compartilhando os dados de um inconsciente global. Milhares de computadores existem possuindo hardwares próprios e independentes uns dos outros, mas compartilham do mesmo software, e são alimentados pelas informações oriundas da mesma rede. Como os hardwares de cada máquina são particulares, cada uma possuirá uma memória com arquivos específicos e individuais, mas estão todas conectadas na mesma fonte de informações e compartilhando dos mesmos programas e de uma memória coletiva global “viva” no ciberespaço.
Da mesma forma, podemos imaginar um cenário com uma rede composta por trilhões de unidades de processamento interconectadas. No plano individual, cada unidade possui uma atividade particular, distinguindo-se das demais, mas em um plano mais amplo, a soma total das unidades forma um único super-computador. Podemos, igualmente, considerar que nas suas dimensões macro espaciais, nosso cérebro funciona como o órgão de nossa individualidade, armazenado nossa memória particular e coordenando nossas experiências empíricas, mas no seu nível quântico, o cérebro está conectado na consciência unitiva não local, que é o próprio universo auto–consciente.
Goswami traça, como já vimos, uma profunda analogia com o pensamento platônico. A idéia arquetipica platônica é a matriz quântica de múltiplas realidades possíveis, e a natureza macro espacial é a manifestação física de uma dessas possibilidades. O objeto clássico é a manifestação física de uma das probabilidades quânticas. Lembremos que para Platão, cada objeto do mundo é uma cópia corruptível de um modelo transcendental que existe no mundo das idéias. Assim, por exemplo, toda e qualquer poltrona que existe ou venha existir, é uma derivação do conceito de poltrona. As poltronas de matéria possuem cores definidas, pesos e tamanhos, bem como formatos específicos. Já a idéia de poltrona abarca todos os tamanhos, cores e formatos possíveis. Todas as poltronas possíveis, mesmo as que só serão produzidas daqui a dez mil anos, ou até as que nunca o serão, estão contidas na idéia de poltrona, e só existirão porque o conceito de “poltrona” existe. Da mesma forma, pelo caráter criativo do nível quântico, que emerge de sua incerteza imanente, existem milhões de probabilidades de configuração da realidade. Como vimos em outros artigos, era provável que um elétron que se encontrava em uma posição se encontrasse em milhões de outras posições. Se assim fosse com apenas um único elétron, a situação global do mundo seria a mesma, mas se a posição de 50% dos elétrons fosse diferente, a realidade também seria 50% diferente. Todos esses mundos possíveis, mesmo que nunca venham a se concretizar, estão contidos no nível quântico. No nível quântico, bilhões de realidades prováveis fervilham e coexistem, e uma dessas realidades é selecionada, configurando a realidade do universo macro espacial.
As palavras de Goswami, em “O universo auto consciente” nos esclarecem sobre seu pensamento; “Na consciência não local, todos os fenômenos, mesmo os denominados objetos empíricos, clássicos, são objetos da consciência. Nesse sentido que os idealistas dizem que o mundo e’ feito de consciência. Com a ciência idealista chegamos a uma ciência que não tem requisitos de admissão, que não exclui o subjetivo nem o objetivo, o espírito ou a matéria e é, portanto, capaz de integrar as dicotomias profundas do nosso pensamento".