Lula X FHC

Lula X FHC

Artigo originalmente publicado no O GLOBO, no endereço:

http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2010/02/10/na-comparacao-casa-por-casa-entre-lula-fhc-quem-perde-o-brasil-915830038.asp

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"Casa por casa", olho por olho e dente por dente... A poucos meses das eleições presidenciais o clima esquenta entre tucanos e petistas. Quem perde com debate tão estéril é o Brasil. Uma ponderação profunda sobre o tema, com espírito investigativo e prudência, é condição sem a qual não poderemos definir nossa estratégia de voto. Entretanto, se levada como debate demagógico vazio, esta pauta nos trará pouca luz para nossas reflexões políticas. Os processos macroeconômicos de um mundo globalizado, dinâmico, mudam velozmente. As condições políticas internas e externas, dos dois últimos governos possuem cada qual suas próprias nuances. Querer, portanto, que as duas gestões sejam comparadas trata-se de um descuido intelectual flagrante. Os dois governos não podem ser comparados, pois defrontaram-se, respectivamente, com problemáticas próprias. O que devemos fazer, e que se revela bem mais frutífero, é analisarmos o que cada gestão fez ou deixou de fazer diante daquilo que, para ambas, era exeqüível.

Se assim o fizermos, livres de sensacionalismos e partidarismos, saberemos apontar os acertos e as chagas de cada governo. A gestão FHC consolidou o Plano Real (gestado e implantado na administração de Itamar Franco) integrando milhões de brasileiros ao ciclo do consumo e possibilitando-lhes acesso a bens e serviços até então acessíveis somente às classes mais abastadas. Entretanto, o Brasil de FHC não experimentou taxas de crescimento como o de Lula. Muitos argumentam, todavia, que isto se deve ao fato de que FHC consolidou os fundamentos da economia brasileira e coube a Lula somente a colheita dos frutos. Nesta visão o governo Lula seria apenas uma continuação da bem sucedida política econômica de FHC.

Uma pesquisa acurada das duas gestões, entretanto, deita por terra visão tal displicente, que ignora diferenças cabais entre os dois governos. Há muitos e fortes elementos indicativos de que a filosofia econômica da gestão FHC emanava de cartilhas neoliberais como o Consenso de Washington. O Institute for International Economics reuniu em 1989, em Washington, diversos economistas de linha neoliberal, ligados, por exemplo, ao FMI, Fundo Monetário Internacional, para traçar diretrizes macroeconômicas para a América Latina. O que era apenas um pretenso estudo acadêmico acabou por se tornar condição burocrática para obtenção de empréstimos junto ao FMI. Os paises que solicitassem recursos junto ao Fundo deveriam se comprometer com suas diretrizes, derivadas do encontro de 1989. A redução do papel do estado no mercado era um dos tópicos principais do consenso, como fica claro no ponto 4 do mesmo que exigia a “Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor”. No movimento de diminuir o tamanho do Estado no mercado, FHC adotou um plano radical de privatizações, desestatizando empresas tradicionais, como a hoje esplendidamente rica Vale do Rio Doce. O vínculo com o Consenso fica ainda mais claro quando colocamos em perspectiva os empréstimos da gestão de FHC pleiteados e obtidos junto ao FMI.

Que a doutrina econômica das duas gestões são radicalmente diferentes, fica claro no nítido rompimento do governo Lula com preceitos básicos da prática macroeconômica seguida por FHC. Não somente os empreendimentos de privatização foram freados bruscamente, como depois de longos e tortuosos anos de dívida e submissão brasileira ao FMI, o Brasil passou de devedor a credor daquela instituição, ganhando real autonomia para gerir sua política pública sem se ver constrangido por pressões do Fundo Monetário Internacional. Neste sentido, a política econômica de Lula representa muito mais um rompimento do que uma continuação em relação à cartilha tucana de FHC.

A única verdade plausível, não radical, é que as duas gestões empreenderam ações eficientes, que devem sim ser preservadas pelos futuros presidentes, assim como deixaram de fazer muito daquilo que o Brasil precisa. Não cabe, portanto, que gastemos tanta força e energia comparando cada gestão “casa por casa”. Devemos mesmo é ponderar sobre quem poderá gerir melhor o futuro.

Vinicius Carvalho da Silva

Bacharel em Filosofia

Artigo originalmente publicado no O GLOBO, no endereço:

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