SOLANO TRINDADE: O Poeta da Liberdade

O presente trabalho tem como finalidade apresentar ao leitor o poeta pernambucano Solano Trindade. Trará algumas considerações sobre a sua poesia e, por fim, um poema seu será objeto de análise.

1. SOLANO TRINDADE – A ORIGEM

Filho de Manuel Abílio, sapateiro, e de Merenciana Quituteira, doméstica, Francisco Solano Trindade nasceu em 24 de julho de 1908, na cidade de Recife, estado de Pernambuco, tendo se radicado mais tarde no Rio de Janeiro. Na capital pernambucana residiu com seus pais na rua Nogueira, bairro de São José.

Solano Trindade, de pais negros e humildes, sentiu na pele, desde a sua infância, a situação do negro brasileiro. Recém-liberto pela abolição da escravatura em 1888, o negro encontrava-se nas primeiras décadas do séc. XX ainda em busca da verdadeira liberdade, aquela que o retirasse dos mocambos e subúrbios, do subemprego e do preconceito racial.

Como enfatiza Paulo Armando, “é contra isso que Solano vai, desde a juventude, lutar, com a força de seu nome profético (Solano – vento forte da África)” (1988, p.37). Consciente, seja como poeta ou como cidadão, das injustiças sociais no Brasil e, em especial, da situação dos seus irmãos de cor, Solando teve, até 1974, ano de sua morte, toda a sua vida ligada à cultura e ao resgate das tradições do negro.

2. SOLANO TRINDADE – A PROBLEMÁTICA SOCIAL

Apegado, desde cedo, às manifestações folclóricas e culturais de sua cidade natal, a cidade do Recife, Solano Trindade, de acordo com Uelinton Farias Alves, “ali participou de inúmeras manifestações artísticas, literárias e políticas, sempre voltadas para a problemática social, em particular a integração do negro à sociedade” (1988,p.40).

Paralelamente à sua atividade literária, onde se manifesta a consciência da negritude, Solano parte para a luta ativa. Funda, em 1936, com o pintor pelotense Barros Mulato e o escritor José Vicente de Lima, a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro, cujo objetivo constava em divulgar os artistas negros. Em 1940 funda em Pelotas, Rio Grande do Sul, um grupo de arte popular, embrião do Teatro Folclórico Brasileiro e do Teatro Popular Brasileiro, criados por Solano, no Rio, em 1943 e 1949, juntamente com Margarida Trindade, sua esposa, e Edilson Carneiro.

3. SOLANO TRINDADE – A LITERATURA

Seus primeiros poemas foram publicados por volta dos anos 30 na pequena revista do Colégio XV de Novembro, de Garanhuns, Pernambuco. São poemas místicos, “resultado de seu período presbiteriano (foi diácono)” (1988, p.37). Seguem-se, agora com poesias cuja temática revela, quase sempre, a consciência da negritude, os livros: “Poemas Negros”(1936); “Poemas de Uma Vida Simples”(1944); “Seis Tempos de Poesia”(1958) – em comemoração aos 50 anos do poeta; “Cantares ao Meu Povo”(1961) – último livro publicado em vida. Escreveu também, em co-autoria com Miécio Tati, uma peça teatral intitulada “Malungo”, ainda inédita. Trata-se de um texto a respeito dos Quilombos.

3.1 TEMÁTICA

Para elaboração deste trabalho, em detrimento da grande dificuldade em encontrar os textos de Solano Trindade, seja em livrarias ou bibliotecas, consegui localizar apenas o livro “Tem gente com fome e outros poemas: antologia poética”, publicado em 1988, ano do centenário da Abolição da Escravatura. Todavia, ao folhear este livro, tem-se uma visão senão completa, bastante ampla da poesia de Solano Trindade, pois nesta antologia estão selecionados poemas de todos os livros do poeta.

Em relação às temáticas observadas em sua poesia, pode-se mencionar algumas marcantes, como o negro, a miséria, a cidade do Recife com seu cotidiano e manifestações culturais, a mulher, a própria poesia e o fazer-poético, a velhice – este tema demonstra uma forte preocupação existencial, são os poemas escritos nos últimos anos de sua existência. Porém, dentre os temas mencionados acima, um é bastante recorrente ao longo dos seus textos, coerente com a sua postura e atitude na vida. São os versos onde o canto do poeta exalta o negro e denuncia as injustiças para com ele. Não é gratuito o fato de Solano Trindade ser conhecido como o “poeta negro”. A negritude é muito forte em seus versos. Mais adiante analisarei um de seus poemas onde ele aborda esta temática.

Levando em consideração o negro enquanto tema poético, Paulo Armando menciona o poeta Luís Gama, como o primeiro poeta negro brasileiro na “completa acepção do termo – poeta e poesia negros”(1988, p.37). E acrescenta que “entre Castro Alves e Jorge de Lima, surge o pernambucano Solano Trindade” (ibidem).

Universalmente falando, Solano Trindade não esteve sozinho em suas preocupações relacionadas ao negro. Em todo o século XX, irmãos seus africanos, também poetas e intelectuais, pensaram e cantaram através de seus textos a questão do negro, seja pela necessidade da denúncia social, pela própria valorização do seu povo ou pela busca da liberdade.

Os versos que seguem são do poeta de São Tomé, Francisco José Tenreiro. Suas preocupações senão iguais, estão muito próximas das de Solano. A escravidão e a necessidade do poeta de se afirmar enquanto negro, são marcas que também se observam na poesia do poeta brasileiro.

“(...)

soluça a indignação que fez os homens escravos dos homens

Mulheres escravas de homens crianças escravas de homens negros

[escravos dos homens

e também aqueles de que ninguém fala e eu Negro não esqueço

como os pueblos e os xavantes os esquimós os ainos eu sei lá

que são tantos e todos escravos entre si”

1. ANÁLISE DO POEMA “SOU NEGRO”(a Dione Silva)

Sou Negro

meus avós foram queimados

pelo sol da África

minh’alma recebeu o batismo dos tambores

atabaques, gonguês e agogôs

Contaram-me que meus avós

vieram de Luanda

como mercadoria de baixo preço

plantaram cana pro senhor de engenho novo

e fundaram o primeiro Maracatu.

Depois meu avô brigou como um danado

nas terras de Zumbi

Era valente como quê

Na capoeira ou na faca

escreveu não leu

o pau comeu

Não foi um pai João

humilde e manso

Mesmo vovó

não foi de brincadeira

Na guerra dos Malés

ela se destacou

Na minh’alma ficou

o samba

o batuque

o bamboleio

e o desejo de libertação...

Com uma linguagem simples e ritmada, própria do estilo de Solano, o eu poético revela, já no título, a negritude que será cantada e exaltada ao longo do poema. Percebe-se aqui um poeta consciente e conhecedor de sua história, a história de seus antepassados, seu povo. Isso lhe é motivo de orgulho e também de luta, de não-conformismo, impulsionados pelo “desejo de libertação...”. Uma liberdade que a Lei Áurea, no caso do Brasil, não garantiu ao negro, pois não lhe assegurou o direito ao trabalho digno, não lhe apagou as marcas do preconceito racial, ainda vigente na sociedade brasileira, apesar de nos dizermos iguais e democráticos.

O poeta deixa explícito que a sua negritude, enquanto herança cultural, é algo forte e intrinsecamente apegada à sua vida e essência. Os dois últimos versos da primeira estrofe do poema assim revelam:

“minh’alma recebeu o batismo dos tambores/ atabaques, gonguês e agogôs”.

Nota-se, neste poema, a exaltação do negro, outro traço característico da poesia de Solano. Ao falar de seus avós, com informações que beiram o histórico e o didático, estes, apesar de terem vindo da Loanda “como mercadoria de baixo preço”, merecem o orgulho do poeta e admiração, pois “plantaram cana pro senhor de engenho novo/ e fundaram o primeiro Maracatu”. Mais ainda: seus avós são negros guerreiros.

“... meu avô brigou como um danado

nas terras de Zumbi

Era valente como quê”

“Mesmo vovó

não foi de brincadeira

Na guerra dos Malés

Ela se destacou”

O tom realista deste poema atrelado a um vocabulário simples e linguagem coloquial (“Era valente como quê”) traz muito do estilo do poeta. Era opção, segundo o próprio Solano, escrever uma poesia popular, versos cuja mensagem penetrasse na alma das pessoas mais simples, o povo, e não uma literatura direcionada aos intelectuais, ao leitor da Academia. O poeta que pregou a liberdade, também quis ser livre ao criar o seu próprio estilo, sua estética, não se permitiu podar por gramáticas ou escolas literárias. Para ilustrar este comentário, veja o leitor dois pequenos poemas de Solano Trindade, intitulados “Senhora Gramática” e “Estética”: “Senhora gramática/ perdoai os meus pecados gramaticais./ Se não perdoardes,/ senhora/ eu errarei mais” (1988, p.22); “Não disciplinarei/ as minhas emoções estéticas/ deixá-las-ei à vontade/ como o meu desejo de viver...// É grande o espaço/ embora se criem limites...// Basta somente/ que eu sofra a disciplina da vida/ mas a estética/ deve ser sempre liberta”(1988,p.23).

Preocupado em criar uma poesia popular, Solano casa seus versos com a simplicidade, todavia não são simplistas. Sua poesia, sempre bem ritmada, sensibiliza e aguça no leitor o olhar crítico ante a realidade.

Observe, leitor, a última estrofe do poema estudado:

“Na minh’alma ficou

o samba

o batuque

o bamboleio

e o desejo de libertação...

Temos aqui um exemplo dos versos de Solano aparentemente simples. Com vocabulário comum, o poeta criou versos muito ricos em ritmo e valor semântico. A alma que parece dormir embalada pelo ritmo do 2º. , 3º. , e 4º. versos, remetendo ao som do tambor, instrumento musical muito usado nos rituais de música e dança africanas, é despertada junto com o leitor pelo “desejo de libertação...”. É esta liberdade que Solano Trindade nunca esquecerá de buscar em sua poesia. É sua função e missão enquanto poeta. Liberdade que dá à sua poesia caráter local e universal. Não só os seus irmãos brasileiros, caboverdeanos ou de São Tomé conseguirão se identificar com a sua poesia. Qualquer ser humano, independentemente da origem ou raça, que já sofreu ou ouviu falar em repressão, injustiça... e sonhou com um mundo melhor, encontrará na poesia de Solano um acolhimento e o conselho de que o desejo não pode morrer nunca.

5. PALAVRAS FINAIS

A poesia de Solano Trindade é um grito de libertação tanto formal quanto semanticamente. Sua linguagem coloquial, realista e a aparente simplicidade de seus versos conduzem o leitor ao campo da emotividade e o faz aguçar o olhar para melhor ver o circundante. Solano é uma voz pernambucana e universal que precisa ser mais ouvida, revisitada. Uma voz que nos ensina a sermos críticos e mais livres, pois nela encontramos a necessidade e a importância da palavra liberdade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAs

1. SECO, Carmem Lucia Tindó Ribeiro (Org.). Antologia do Mar na Poesia Africana de Língua Portuguesa do Século XX. Cadernos de Letras Africanas 2. Faculdade de letras UFRJ – 1999.

2. TRINDADE, Solano. Tem Gente Com Fome e Outros Poemas: antologia poética. Rio de Janeiro: DG,(1988).

Ronaldo Fonseca
Enviado por Ronaldo Fonseca em 08/02/2010
Código do texto: T2075786