Para enxergar com os olhos
Com repercussão internacional, acontecimentos inusitados e, para muitos, imprevistos, tumultuaram a cidade de São Paulo, metrópole que está entre as cinco maiores do mundo. Houve mortes de policiais, civis e militares e, também, de marginais. O que chamou à atenção, porém, não foram essas mortes isoladas. O trânsito da Grande São Paulo e os crimes comuns, como assaltos, seqüestros, choque de quadrilhas, etc., matam mais. O que deixou a sociedade perplexa foi o atrevimento dos bandidos, demonstrando a vulnerabilidade da sociedade humana.
Quem tiver discernimento, concluirá que tais acontecimentos não representam um fato isolado e nem começaram numa sexta-feira ou terminaram num domingo com o restabelecimento da suposta ordem nos presídios. O processo se arrasta há muitos anos e está apenas no começo. Somos os atores dessa novela, cujos capítulos se sucedem, dia a dia, enquanto nós, impassíveis, apenas representamos obedientes e irracionalmente, sem tentar alterar-lhe o roteiro.
Estamos preocupados, uns, em reeleger o presidente e, outros, em trocá-lo por outro. Mas não está aí a solução. Os ricos serão poucos e os miseráveis a maioria. Não vai mudar nada. Ou a sociedade compreende que deve dividir melhor o seu patrimônio, de modo a que não falte o essencial a cada um, ou continuaremos vivendo com medo e de maneira desonesta. Não culpemos o bandido por nos agredir, porque antes disso ele já foi agredido pela sociedade. Ele foi criado sem pai, sem estudo, sem lar, sem saúde, sem os mais comezinhos princípios de educação. Para ele, morrer não é um problema, mas uma agradável solução, já que da vida ele não espera qualquer compensação que valha a pena.
Noventa por cento dos homens têm alguma religião. E a maioria acredita que a sua é a melhor ou mesmo a única certa. Todavia, desses noventa por cento, é provável que um por cento ame o próximo como a si mesmo e faz ao outro o que gostaria que fizessem por ele. Que adianta ter religião, se cada um continua preocupado exclusivamente consigo mesmo? Melhor ser ateu. É mais autêntico e não finge ser o que não é.
Temos de sair do nosso casulo, onde nos escondemos, dando a impressão que os acontecimentos do mundo não nos dizem respeito, para ser participantes e colaboradores na construção do novo mundo. E como faremos isso? Sendo menos gananciosos e egoístas. Sendo menos prepotentes por ocupar cargos imaginando que isso nos dá poder. Contentando-nos com menos para que o outro tenha um pouco.
Ninguém se iluda. Tudo nasce de dentro para fora. Da mudança individual para a coletiva e não apenas por leis de cima para baixo, que só atendem às conveniências dos que se locupletam no poder. Só quando os homens investirem na solidariedade e compreenderem que não podem construir a sua felicidade às custas da miséria do próximo é que teremos mudanças nesse quadro de infelicidade generalizada.
Nota do autor: adaptado, com transcrição parcial, para esta coluna, de artigo original do amigo Octávio Caumo Serrano, publicado na revista RIE, de julho/06.