Moon, ou Sobre o lado sombrio das coisas
“Somos criaturas de nosso tempo.(...) Será justo nos julgar pelos padrões desconhecidos do futuro?” Carl Sagan em O mundo assombrado pelos demônios
Sei que muitos não gostam de saber sobre detalhes de filmes que ainda não viram, mas sei também o quanto é difícil assistir a um filme sobre o qual nada sabemos. Assim, para estimular pessoas a assistirem filmes de que gostei – já que muitos já me disseram terem “visto melhor” um filme depois de lerem algo que escrevi sobre ele – vou aqui falar de um que considero bastante interessante, entre os realizados no momento, sobre ficções científicas. Refiro-me ao filme "Moon", uma história imaginada por Duncan Jones e Nathan Parker.
Dirigido pelo primeiro, o filme trata sobre a solidão e as condições existenciais que dela advém à vida de um astronauta em seu alojamento lunar, e de outras tantas coisas inquietantes, ainda por serem desvendadas ao longo da trama.
O astronauta solitário chama-se “Sam Bell”. Ele é funcionário da “Lunar Industries LTDA”. Cabeludo e barbado, durante três longos anos solitários ele anda a administrar uma estação de mineração no lado escuro da Lua, tendo como companheiro apenas um prestativo computador chamado “Gerty” – embora não tão sofisticado e independente quanto o computador “Hall”, do filme 2001, uma odisséia no espaço – e as eventuais transmissões retardadas de seus familiares e comandantes, então moradores da distante Terra.
Para atrair o público a expectação do filme em DVD, há no produto tão somente informações sobre o fato de que, “A 950.000 milhas longe de casa, a pior coisa para enfrentar é você mesmo”. Na contra capa, o texto: “Astronauta tem experiência transcendental no fim de um período de três anos de pesquisas na Lua, quando resolveu o problema de energia da Terra”. Mas o personagem do ator Sam Rockwell não tem uma “experiência transcendental” nem “resolveu o problema de energia da Terra”. Porque ele é apenas funcionário da empresa responsável pela extração do minério lunar que, segundo a argumentação do cientista Carl Sagan na introdução deste comentário, a despeito de certos “desumanos procedimentos antiéticos” futuristas – como inevitavelmente consideraremos o que nos mostrará o filme no fim – resolvera definitivamente o problema de energia suja na Terra.
O filme começa fazendo referências a situações difíceis que a população do mundo enfrentava em épocas passadas, ou seja, em nosso tempo – já que o filme se passa em 2026, devendo de fato as questões que aborda serem pertinentes de 2050 pra lá – quando a “escassez de alimentos e de energia” anda prestes a causar um colapso total no planeta. Mas “atualmente”, diz o narrador futurista, “nós somos os maiores produtores de energia de fusão. A energia do sol é capturada no solo, coletada por máquinas no lado escuro da lua, atualmente provendo energia limpa, helium 3, suprindo a necessidade de 70% da população da Terra. Quem imaginaria que toda energia que precisávamos estava bem acima de nossas cabeças? A energia da Lua, a energia de nosso futuro”, onde o minério é extraído do lado escuro do satélite natural da Terra .
Em suas transmissões, o astronauta Sam Bell relata seus feitos e os efeitos de sua solidão – sem consciência que padece já os defeitos do outro que ele é e ainda desconhece ser. Para manter a sanidade, que parece começar a lhe falhar junto com outros problemas fisiológicos, ele faz exercícios físicos e trabalha a construir uma maquete de madeira de uma cidade, enquanto assiste o antigo seriado A Feiticeira. Além disso, está posto numa parede um desenho infantil, carimbos de mãos de uma criança em folhas de papel e algumas fotografias, entre elas as de sua esposa e de sua filha de três anos que ele, ansioso por conhecer dali a quinze dias, só conhece através das imagens que recebe da Terra.
Para manter o corpo ativo dentro da estação lunar, ele procura fazer as tarefas que poderiam ser feitas por seu companheiro cibernético – que demonstra seu “estado de espírito” através daquele clássico ícone da expressiva bolinha amarela que enviamos via Internet, junto com os textos de nossos virtuais bate-papos interativos – e cuida de um jardim, cujas plantas, como as máquinas, ele chama por nomes de pessoas.
Ele acredita que, dentro de quinze dias, será finalmente substituído e que retornará logo para Terra, e então começa a se preparar para sua volta ao lar, rever a esposa, conhecer a filha... Enquanto espera, continua a não se sentir bem. Para completar seu mal estar, queima a mão ao recolher água quente para um café, quando se assusta ao ver uma mulher sentada em sua poltrona. Mas ela é apenas uma alucinação – algo absolutamente normal, segundo o falecido cientista/escritor Carl Sagan, que pode ocorrer nas pessoas em momentos de stress, sem necessariamente significar que estejam loucas – embora de repente uma “outra” misteriosa pessoa, que ele verá e com quem conviverá depois, não seja uma invenção de sua cabeça atormentada.
Quando dorme, Sam sonha transando com a esposa, mas logo é acordado pelo despertador, que o trás de volta a sua solidão cósmica. Sentindo-se um tanto debilitado, enquanto grava seus relatórios olhando sua própria imagem no vídeo, por um segundo, e por uma interferência misteriosa, ele vê intercalar-se a dele a imagem de um homem barbado e de cabelos compridos, que logo desaparece. Não dando muita atenção ao fato, examinando funcionamentos, descobre que uma das máquinas de mineração, chamada “Marcos”, anda falhando do lado de fora da estação, e então ele sai para consertá-la, quando sofre um acidente e perde os sentidos dentro do trator lunar que pilota.
A cena termina a nos dizer que, ao que tudo indica, Sam morrerá ali sem ser socorrido e o filme terminará. Mas aí ele acorda na enfermaria da estação assistido por Gerty, que lhe informa ter ele sofrido um acidente. O computador pergunta-lhe se lembra de alguma coisa do ocorrido. Não, ele não se lembra, mas lembra de sua condição de astronauta, de seu companheiro cibernético, de sua esposa, filha e tudo o mais. Aos poucos ele parece se recuperar do acidente, e então resolve sair da cama da enfermaria, quando percebe que não consegue andar.
Ele não está paraplégico. Só não sabe ainda andar, como também ainda não sabe que...
Para não desagradar alguns de meus leitores contando mais detalhes da história do filme – e há muito ainda o que contar – quero mencionar outras questões que a trama indiretamente aborda: o valor da vida humana e as origens de nossa identidade essencial, em detrimento de nossa identidade histórica, feita de sensações, de memórias e da força da imaginação que dispomos a inventar outros sentidos para a presença da Vida no vazio, além de desenvolver técnicas para cristalizarmos idéias, tornarmos fantasias em realidades.
Em Moon, como em outros filmes, a ciência e as artes nos mostram uma perspectiva especial sobre quem essencialmente somos e como, de fato, somos constituídos pela Vida.
A despeito de se dizer feita por “homens de fé” – e a despeito do que certos filósofos e outros filhos de Galileu tenham descoberto sobre a constituição dos mundos e de nós mesmos – a Igreja ainda parece não aceitar muito bem a questão sobre como funciona a tecnologia daquilo a que chama “Deus” para processar Suas vidas, ou como Ele próprio inicialmente Se constituiu três em um a desenvolver na mente de Seus filhos o chamado “mistério da Santíssima Trindade”.
Como a maioria das pessoas eu nunca me relacionei diretamente com nenhum representante do apóstolo Pedro no Vaticano. Mas, diante do que consideram “pecados”, descobri porque os papas não admitem a existência desse verdadeiro “bacanal” cósmico que, farto de Sua própria solidão, somente um Deus, estando muuuuuuuito além daquilo que pensamos ser “bens” e “males”, poderia se dar ao desfrute em Seu infinito impulso criativo.
A despeito das limitações a compreensões das “ações divinas”, impostas por “tementes” a Deus, que nos impuseram certos dogmas e medos , que dizer da santíssima multiplicidade de perspectivas existenciais da Vida, promulgadas por outras culturas religiosas que, defendendo um vital panteísmo integralista, não cessa de ver esse tal “Deus” a manifestar-Se no Universo Se vestindo de todas as formas possíveis?
A considerar avaliações de expectadores do filme Moon, em seu ensaio O mundo assombrado pelos demônios o cientista/escritor Carl Segan nos pergunta se será justo julgar nossos atos por padrões desconhecidos do futuro. A resposta é não, como também não é justo que continuemos a ser julgados por perspectivas passadas, ainda muito usadas por ultraconservadores a justificar perseguições e massacres. Porque, ao contrário do que possa parecer – ou do que aqueles ainda desejam que seja – não haverá para nossos filhos obscurantismos eternos sobre certos “mistérios da Criação”, nem mesmo no lado escuro da Lua. Porque, como previram visionários, “não há nada encoberto que, um dia, não seja revelado”.
Dessa forma, nesse novo século, como em nenhum outro, entre outras coisas, descobriremos definitivamente que somos, de fato, diferentes clones dessa infinita Força Vital que, como reconheceram mesmo antigos, transcendendo preconceitos, nascerá para sempre a revestir-Se de tudo que porá em movimentos no vazio.