O nascimento da Mecânica Quântica
1.1
A palavra “quanta” significa algo como “pacote”. Dizer, portanto, que a natureza da luz é quântica, é dizer que a luz não é um fenômeno de radiação contínua, como um fluxo incessante de energia, mas sim, que, é formada por muitos “pacotes” de luz. O nascimento, de fato, da física quântica, é o nascimento das primeiras teorias, que ao invés de descreverem determinados fenômenos como sendo contínuos (como um fio de água incessante) passaram a descrevê-los como sendo quânticos (como uma goteira, que libera uma gota de cada vez). A primeira teoria, estritamente quântica, remonta à Max Planck:
“... o cientista alemão Max Planck sugeriu, em 1900, que a luz, os raios X e outras ondas eletromagnéticas poderiam ser emitidos somente em determinados pacotes discretos que ele chamou de quanta.”
(Stephen Hawking – Uma Nova Historia do Tempo – Rio de Janeiro, 2005 – pg. 93)
A Teoria de Planck, que previa a existência de quantas como sendo pacotes específicos (não contínuos, “latejantes”) de energia, possibilitou-nos compreender a existência de vários níveis ou tipos de radiações. A radiação emitida pela chama de uma vela e a emitida pelo sol, não são só diferentes em termos de quantidade, ou seja, do tamanho da fonte, mas também em termos qualitativos. Os processos nucleares que ocorrem no interior do sol são fortes o suficiente para liberarem imensos pacotes de energia, produzindo raios ultravioletas. São esses raios que alteram a pigmentação de nossa pele. Isto acontece não pela magnitude do sol, afinal ele é muito mais do que uma imensa bola de fogo. Sua condição de estrela confere-lhe uma composição química especial, diferente da de uma simples chama. A radiação emanada pelo sol não é continua, mas quântica, o que equivale a dizer que o sol libera pacotes de luz, como se fossem partículas, denominados de fótons, e que tais pacotes transportam uma quantidade de energia muito superior aos fótons liberados por uma simples chama. Essa nova concepção a cerca da natureza das radiações, seria o primeiro passo de uma revolução na compreensão da realidade dos fenômenos físicos.
Em 1905, Einstein publicou o resultado de suas primeiras pesquisas sobre a teoria quântica, nos quais propunha que a luz existia como fótons, e que esses eram quantas de luz, ao contrário do entendimento científico convencional de que a luz era propagada em ondas, como evidenciou James Clarck Maxwell. Nesta tese, quanto mais energia estivesse contida em cada fóton, maior a freqüência da luz emitida.
Planck disse que a liberação de radiação por quantas de energia era um tipo de salto quântico. O dinamarquês Niels Bohr, em 1913, sugeriu que a idéia de saltos quânticos aplicava-se a todo o mundo atômico, explicando diversos fenômenos.
A física clássica procurava descrever todas as coisas como mecanismos materiais que funcionavam de acordo com determinados princípios. Ainda influenciado por isso, Ernest Rutherford elaborou em 1911 um modelo para explicar a estrutura atômica. Esse modelo assemelhava-se muito ao nosso sistema solar. Neste modelo, no interior do átomo há um núcleo ao redor do qual os elétrons orbitam. O problema é que nem este modelo, nem nenhum outro modelo clássico, explicam a estabilidade dos átomos. Na física clássica, enquanto giram em torno do núcleo, os elétrons emitem luz, e conseqüentemente liberam energia progressivamente, até caírem no núcleo. Uma vez que isso acontecesse, os átomos, perdendo seus elétrons, entrariam em colapso, o que comprometeria a estabilidade da matéria. O mundo estaria “esfarelando”, ou sumindo, continuamente.
1.2
A dualidade onda-partícula, e a relação entre natureza e observação.
Lembremo-nos agora da teoria quântica da luz de Albert Einstein, que descreve a luz como pacotes de energia denominados fótons. Segundo tal teoria, a luz é composta por partículas. Porém inúmeras experiências comprovam que a luz se propaga na forma de ondas. Temos, então, um impasse; a luz é partícula ou onda? Se várias experiências demonstram a natureza ondulatória da luz, outras experiências revelam seu caráter de partícula.
A luz deve ser onda e partícula, ao mesmo tempo. O que define se a luz irá se apresentar como onda ou partícula é como iremos observá-la. O “mostrar-se” da luz depende de como observamo-la. Em algumas experiências, notamo-la como onda, em outras, como partícula. Esse paradoxo, segundo Heisenberg, abala dois alicerces clássicos materialistas. Primeiro; o da não contradição aristotélica, de que algo não pode ser diferente de si próprio sobre o mesmo aspecto. Tal principio é incompatível com a observação de que a natureza da luz “flutua” entre o aspecto de onda e o de partícula. A objetividade forte também é descartada. Este princípio diz que os objetos são o que são independentemente da existência de observadores. Porém, se a luz se apresenta como onda ou partícula, de acordo com a experiência que escolhemos para observá-la, então, nossa escolha consciente afeta o resultado da experiência. A observação e o observado estão interconectados, influenciando-se reciprocamente, deitando por terra o princípio materialista da objetividade.
Esse caráter dual já seria catastrófico para a física clássica materialista se envolvesse só a luz, porém, seria totalmente fatal para ela caso se aplicasse a todos os domínios da matéria. Imaginemos que não só a luz, mas que todos os objetos fossem ondas além de serem corpos particulares. Imagine que todas as coisas, pessoas, objetos, enfim, toda a matéria é feita de ondas eletrônicas. Se ao mesmo tempo em que a luz é uma partícula, ela também é uma onda, então significa que a luz é duas coisas ao mesmo tempo, que a natureza da luz é dual. A física clássica, influenciada pelo realismo materialista, apostou todas as suas fichas na tese de que o universo é feito de partículas de matéria, logo, se a tese ondulatória aplicada à luz se estendesse aos átomos, então toda nossa concepção de universo, de matéria, de natureza, de objetos, deveria ser reformulada.
Em 1924, o francês Luis Victor de Broglie associou a separação entre os picos das ondas sonoras com a separação das órbitas estacionárias concêntricas ao redor do núcleo atômico, descritas por Bohr. As ondas que ocorrem quando uma corda de violão é posta em vibração são ondas estacionárias, confinadas em seus próprios movimentos, ondas que não se propagam pelo espaço, mas que perturbam o meio, gerando ondas que se espalham pelo espaço-tempo. Estas ondas, quando captadas por nosso aparato auditivo, excitam-no, gerando um pulso elétrico nas ramificações nervosas do sistema auditivo, e tal informação é enviada ao cérebro, que decodificando a freqüência recebida, atribui a ela uma sonoridade específica. Essa onda não é um som, é uma vibração. Entre duas pessoas que conversam (no espaço-tempo) que as separa, não há som, há apenas ondas se propagando. O som das vozes que ambas escutam, só existe na mente dos dois indivíduos. Ambos os tímpanos são excitados pelas ondas ‘‘mudas’’ criadas pelo complexo anatômico, que tendo as cordas vocais como cerne, funciona como instrumento de produção das mesmas. O mundo só não e’ mudo dentro de nossas mentes.
Broglie notou que a natureza das ondas estacionárias cria um espectro de freqüências, ou seja, cada nível de vibração é uma freqüência, havendo vários níveis de vibração em uma única onda estacionária. Observou também, que em espaços fechados, as ondas permanecem estacionárias. Assim, Broglie pensou que os elétrons, partículas constituintes da matéria, poderiam ser ondas confinadas no interior do átomo, produzindo, portanto, padrões ondulatórios estacionários no interior atômico. Deste modo, a órbita atômica mais próxima do núcleo seria uma onda estacionária de baixa freqüência, e as órbitas mais afastadas seriam ondas de alta freqüência. O átomo que até então fora sempre considerado uma partícula, um mecanismo formado por peças sólidas, revelou-se como sendo uma onda confinada em um ponto. Uma onda e uma partícula, ao mesmo tempo.
Se projetarmos uma partícula contra um alvo impenetrável e observarmos o resultado, obviamente ela atingirá o alvo em um único ponto específico. Mas se projetamos uma onda, ela se espalhará, e veremos uma série de riscos paralelos, chamado de padrão de difração, que somente ondas provocam.
“Einstein, o primeiro a perceber a dualidade da luz, não teve dificuldade em observar que De Broglie poderia muito bem estar certo: a matéria pode ser tão dual quanto a luz.”
(Amiti Goswami – O Universo autoconsciente – Rio de Janeiro, 2007 – pg. 54)
A teoria de Luis Victor de Broglie foi comprovada quando um feixe de elétrons foi disparado através de um cristal tridimensional, contra um alvo apropriado, e o resultado obtido foi um padrão de difração. Mediante experiências como essa, as dúvidas desaparecem; a matéria realmente possui uma natureza dual, sendo onda e partícula. O que determina se ela se apresenta de uma forma ou outra é como observamo-la. Se fotografarmos a trajetória de um feixe de elétrons em uma câmara de gás, os riscos sobre a lâmina serão evidentes em mostrar que os elétrons propagaram-se como partículas. Se projetarmos um feixe semelhante contra um alvo, obtemos um padrão de difração, que mostra, inequivocamente, a natureza ondulatória da matéria. Impressionante como, a participação do observador, que por sua ação consciente, escolhe a experiência a ser realizada, é fundamental para a definição do resultado obtido. É como se a consciência determinasse a configuração do resultado, ao deliberar sobre como será realizada a experiência. As pinturas de Claude Monet são uma boa metáfora da relação entre os observadores e os objetos observados na física quântica. Um quadro seu é uma superposição de duas realidades, como por exemplo, um borrão e uma paisagem. O que determina o que ele será é o modo como será observado. Se o observamos de perto, o vemos como um borrão, se nos distanciamos, o vemos como uma bela paisagem. Quando ninguém o esta observando, ele existe em um estado híbrido, ele co-existe, como duas possibilidades vivas em uma única fonte, tal como uma matriz mista, da qual diferentes realidades podem brotar. Sem ser observado, ele não é nem bem uma mancha multicolor, nem uma fina figura, sem ser visto, ele é tinta sobre uma tela, uma possível mancha e uma possível paisagem, uma imagem arquetípica, uma onda de possibilidades, da qual experiências diferentes serão extraídas. Somente quando um ser consciente o observa, de perto ou de longe, sob uma luz ou outra, é que o quadro deixa de ser essa coexistência de possibilidades, essa indeterminação entre o borrão e a paisagem, para se apresentar de forma concreta, deste ou daquele modo. A tela e o observador são, de acordo com a teoria do matemático Doug Hofstadter, uma hierarquia entrelaçada, influenciando-se mutuamente. Alguns passos à frente e o observador transforma a paisagem em borrão, transformando sua própria percepção.
Da mesma forma, na mecânica quântica, o elétron, antes de ser observado, é um aparente paradoxo, um objeto surreal, uma sobreposição, uma “onda-partícula”. Quando observado, o elétron é obrigado a se decidir, a se materializar de uma forma ou de outra, afinal, é impossível que percebamos algo, ao mesmo tempo, como duas coisas diferentes, sobre o mesmo aspecto. Mas é exatamente essa a realidade do elétron antes de ser observado; uma sobreposição partícula-onda, de modo que mais apropriado do que dizer que o elétron existe de uma determinada forma, é dizer que, antes de ser observado, o elétron “coexiste com ele mesmo”. Mas, quando observado, como dizíamos, o elétron sai do limbo, deixa de ser uma realidade mista surreal e se mostra concretamente, ou como partícula, ou como onda. Depende de qual observação escolheremos efetuar.
Físicos como John Weller e Paul Davies, sugerem que é a observação de um ser consciente que promove a passagem do elétron de uma realidade hipotética, indeterminada, potencial e hibrida, para uma realidade concreta, física e objetiva. Para o físico Amiti Goswami, a consciência é a fonte causal do universo, sugerindo que é a consciência que produz a realidade, que o mundo arquetípico da consciência gera o mundo material.