CONTRA A CENSURA E A FAVOR DA MENTIRA
Não existe meio mais eficaz para convencer do que a propaganda. E esta é feita através de palavras – palavras faladas, escritas, visuais e sensoriais. Uma mãe chacoalha, bate, ameaça, empurra goela a baixo, mas não consegue convencer a criança a comer. Enquanto insistir nesse método, menos a criança comerá e se pôr goela a baixo ela porá tudo para fora. Todavia, fazendo aviõezinhos, contando historinhas, prometendo coisinhas, falando de como o priminho é lindo porque come tudo e mostrando outras crianças a comer felizes, o sucesso é certo. Claro que a garantia desse sucesso está no saber desenvolver e apresentar toda essa propaganda.
Aliás, a Guerra Fria foi um dos combates mais eficazes já travados, capaz de coagir os rivais e mantê-los acuados, incapazes de qualquer manobra, apenas uns intimidando os outros através da propaganda bem feita e apresentada, às vezes, sem aparente intenção.
E quem negar a eficácia da propaganda, seu potencial mágico de convencimento, indução e coerção com vistas em convencer as pessoas de que a censura é irracionalidade, covardia e desrespeito a liberdade, desmente também a garantia que se dá ao anunciante na hora de vender-lhe uma campanha. O grande trunfo da apresentação de um projeto publicitário é o convencer o anunciante do potencial indutivo daquela peça, fazê-lo entender e confiar, a ponto de investir seu capital, que os argumentos nela contidos deixarão seu público-alvo sem saída, vendo-se obrigado a adquirir aquele produto ou fadado a amargar sua carência. Isso é coerção, pois a propaganda faz que a pessoa sinta-se desatualizada, cafona, politicamente incorreta, fora do lugar comum, etc. Dá que ele entenda que não vai conseguir a mulher que deseja, por exemplo, se não tiver o carro, o celular, a calça, a casa, se não beber a cerveja, o uísque, o conhaque, o energético, enfim, se não calçar o tênis e não usar o desodorante do comercial. A propaganda força os conceitos de moral e ética covardemente, pois faz as pessoas sentirem-se inferiores ou menos inteligentes se não mentirem, não traírem, não transarem livre e indiscriminadamente com tantos quantos desejarem, se não derem o troco no marido traidor, etc.. E, assim como se pode ser atingido pelo que os coleguinhas de colégio têm e não podemos ter, fazem e não nos é permitido fazer, a propaganda exerce efeito sobre a psique da pessoa e seu auto-retrato (o conceito que tem de si mesma), influindo em sua auto-afirmação a ponto de determinar seu humor, sua satisfação e insatisfação, a crença em si mesma e no futuro.
Se a liberdade irrestrita na propaganda não tem todo esse poder de coerção, também não se pode responsabilizar os pastores das Igrejas do Santo Lucro pelas incoerências as quais eles induzem seus crentes, convencendo-os a vender até artigos de primeira necessidade para dar na igreja com vistas a um retorno satisfatório – a satisfação de seus anseios íntimos e necessidades em geral, resultando em felicidade plena e permanente. E é por esses mesmos motivos que as pessoas compram produtos e serviços, os quais muitas vezes elas nem precisam e alguns que elas precisam, às vezes, adquirem por preços mais elevados, com qualidade inferior, etc., mas o fazem induzidas pela propaganda, especialmente a da TV, que é capaz de simular de forma muito mais convincente os benefícios da aquisição.
Portanto, quando a propaganda anticensura diz que a propaganda esclarece, cria uma oportunidade e não obriga ninguém a fazer o que não quer, isto não é verdade. A propaganda não esclarece. O faria se mostrasse também a informação contraditória que num sistema de liberdade se precisa para avaliar os prós e os contra. Ao contrário, muitas pessoas fracas se vêm obrigadas a beber para inseri-se na sociedade bacana da cerveja e do uísque que a propaganda mostra, mas ela não mostra a desgraça da esposa e dos filhos dos alcoolistas, tampouco o número de inocentes, velhos, adultos, jovens e crianças mortos todas as horas por motoristas embriagados. A propaganda também não cria oportunidade, ao contrário, priva a pessoa da escolha livre, pois joga o produto do anunciante nos olhos do indivíduo, ofuscando-lhe a visão para com as outras possibilidades, os produtos concorrentes, tornando assim sua decisão comprometida. A propaganda criaria oportunidade se oferecesse todas as alternativas igualmente (através dos mesmos argumentos) e também apresentasse as desvantagens e os efeitos colaterais de tudo que oferece. E, por fim, a propaganda obriga sim, pois pessoas sem esclarecimento têm sido comumente manipuladas por governos usurpadores através das palavras bem articuladas e imagens bem selecionadas e adequadamente apresentadas, da mesma forma que têm sido levadas a pensar que essa ou aquela teoria é científica, que essa outra pregação é a verdade, que esse ou aquele sistema é benéfico. Se conhecessem as teorias, as crenças, a história e os sistemas as pessoas saberiam de suas virtudes e falhas, muitas delas, inclusive, já experimentadas, no que mostraram-se incorretas e não produziram os efeitos esperados. Então poderiam escolher conscientemente. Quem não possui esclarecimento não é capaz de fazer escolha livre.
Portanto, a propaganda pode ser livre, mas a opinião pública também tem que ter a liberdade de escolher o tipo de informação que os aprendizes, seus filhos e as pessoas desinformadas, bem como os fracos, irão absorver. E na TV, rádio, Internet, jornais e revistas abertos não há outro meio de fazer essa escolha sem a censura dosando a falta de bom senso do famigerado interesse capitalista. E, se é verdade o que as propagandas anticensura dizem para o grande público que a propaganda não obriga ninguém, os publicitários não devem dizer para os anunciantes que a propaganda produz efeito indutivo, pois, como se viu, nada é mais convincente, indutor e coercivo do que as palavras bem apresentadas e bem ilustradas e isso é o que a propaganda faz. Sei disso porque desde 1986 trabalho na área publicitária e tenho conhecimento que um bom comercial tem poder para convencer um filho exemplar a vender sua mãe. Isto dito de forma exagerada para dimensionar o poder da fantasia, que é a essência da propaganda. E a psicoterapia esclarece que o subconsciente não conhece a diferença entre a fantasia e a realidade.
Sendo assim, ou as propagandas anticensura mentem para o respeitável público ou mentem para os anunciantes.