A DIZIMOMANIA

A Dízimomania

Quantas vezes você já ouviu um sermão sobre dízimo? (em cultos nem sempre apropriados a este assunto). Em quantos desses sermões o texto base, ou referência era: Malaquias 3:10? Consegue se lembrar de quantas vezes o pregador, usando esse texto como argumento classificou os não dizimistas como ladrões?

A título de pressupostos, faremos algumas considerações introdutórias: em primeiro lugar, a palavra dízimo é um termo matemático que significa inquestionavelmente dez por cento (10%), ou um décimo, de modo que, não existe dízimo de um valor menor (ou maior) que este. Em segundo lugar, a primeira vez que a bíblia menciona uma oferta a Deus, não inclui qualquer noção de valor (Gênesis 4:3-5), e neste caso, a diferença entre a oferta de Caim e a de Abel era de espécie não de quantidade (na verdade os teólogos ainda não estão muito certos da razão da aceitação de uma e rejeição da outra). Outro ponto a se destacar é que nem de Enoque, o homem que subiu direto para o céu sem passar pela morte; nem de Noé, um dos primeiros pais da fé, não se fala em dízimos.

A primeira vez que o termo dízimo aparece na bíblia está em Gen 14:20. Note-se que neste caso Abraão dá o dízimo de tudo a Melquisedeque de uma vez, e não periodicamente. A segunda menção é em Gen 28:22, neste caso, o curioso é que a iniciativa de dar o dízimo é de Jacó, como parte do pacto entre ele e Deus.

A lei do dízimo foi instituída junto com toda a lei mosaica em Levítico 27:30 e estabeleceu que todo o dízimo (o dízimo de tudo) pertence ao Senhor. Além disso, os dízimos instituídos segundo a lei, deveriam ser destinados a Levi (Num 18:21, 24) como herança pelo serviço ao Senhor. Os dízimos serviriam então para a manutenção da religião judaica, sua liturgia, e todos os assuntos correlatos, sendo que estes dízimos seriam administrados integralmente pela tribo de Levi, e em particular, pela casta sacerdotal, segundo a sua ordem (Num 18: 11,19); também o texto de Malaquias 3:10 diz: trazei todos os dízimos à casa do tesouro para que haja mantimentos na minha casa.

Obviamente é desnecessária a observação de que Deus não necessita de bem material algum, portanto todo e qualquer elemento material da vida religiosa é temporal, circunstancial e, portanto, relativo. Desse modo, uma vez superada a circunstância do templo (ou da tenda) e do serviço sacerdotal, aparentemente ficaria também relativisada a questão do dizimo. Note-se que durante o tempo de permanência de Daniel no cativeiro babilônico (onde não havia templo nem serviço sacerdotal), não se menciona dízimo dado por Daniel (o justo) ou por seus três companheiros (igualmente justos), o mesmo pode ser observado em relação a Ester e ao seu tio Mardoquel, submetidos também ao cativeiro. O livro dos Salmos curiosamente não traz nenhum louvor ou elogio àquele que devolve o dízimo.

No novo testamento a abordagem dada por Jesus Cristo à questão é um tanto quanto diferente daquela do antigo testamento e da lei mosaica. Jesus elogia e até apresenta como exemplo a ser seguido, a viúva pobre que deu como oferta tudo o que possuía (será que algum dos nossos apologistas da dízimomania alguma vez já doou tudo o que tem?), mas por outro lado não poupa críticas aos fariseus que davam o dizimo de tudo, inclusive da hortelã e do cominho (Mar 12:43, 44 ;Mat 23:23).

Quanto à prática da igreja primitiva, vê-se que os primeiros discípulos vendiam suas propriedades e traziam o valor obtido para entregar à igreja, e repartir com os irmãos (Atos 2:45 ;4:34,35). Curiosamente, os teólogos dominicais preferem não considerar esses textos como exemplos a serem seguidos na prática (seria demais exigir que alguns vendessem seus carros ou casa para dividir com os pobres da igreja). A lei do dízimo no novo testamento não é exatamente uma lei (como nada no novo testamento realmente é), afinal, Cristo nos livrou da maldição da lei. A Instrução quanto às contribuições dada por Paulo às igrejas é: cada um contribua segundo propôs no seu coração, não com tristeza ou por necessidade, porque Deus ama ao que dá com alegria (II Cor 9:7)

Na relação de condenações apresentada pelo livro de Apocalipse (21:8), não estão os não dizimistas, assim como em todo o novo testamento não existe nenhuma garantia de salvação àqueles que o são.

Preocupa-me a idéia que alguns crentes fazem da igreja como sendo uma espécie de clube que só outorga direito de participação ativa aos sócios adimplentes, reservando algumas sanções estatutárias para os irresponsáveis (ou ladrões como os pregadores preferem) que não contribuem regularmente com os dez por cento.

Certamente nenhum aspecto da vida cristã tem sido mais criticado pelas pessoas em geral do que o dízimo. Motivos evidentemente não faltam, em um mundo capitalista que tem mamom como seu deus, o recolhimento regular de contribuições financeiras de todos, inclusive dos mais necessitados para a manutenção de uma estrutura aparentemente desnecessária e para os pró-labores dos pastores e outros funcionários dos templos, tornou a dízimomania a bola da vez dos anti-igrejas.

Claro que os dízimos são bíblicos, claro que aqueles que nos semeiam as coisas espirituais têm o direito de recolher as carnais (I Cor 9:11), mas por outro lado, não haverá também um pouco de falta de bom senso de alguns líderes cristãos no sentido de evitar serem pesados ao povo de Deus?(I Tess 2:9), ou de instruírem seus discípulos (e a si mesmos é claro) a dar com a mão direita de modo que a esquerda não saiba?(Mat 6:3).

Longe de parecer crítico demais, iconoclasta demais, mas já é ora dos nossos líderes cristãos libertarem-se do amor ao dinheiro, do apego às estruturas materiais e situarem-se dentro das circunstâncias histórico-sociais como fez Jesus Cristo quando autorizou os discípulos a darem a César o que é de César, ou como fez a igreja primitiva repartindo a cada um segundo a sua necessidade. Creio firmemente que é bem mais provável que Deus censure a alguém que negligencie as necessidades de um irmão (Mat 25: 41-45) do que alguém que não obedeça à lei do dízimo.

zai
Enviado por zai em 25/01/2010
Código do texto: T2050649
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