Livre-arbítrio versus Determinismo
O determinismo constitui um princípio da ciência experimental que se fundamenta através da possibilidade da busca das relações constantes entre os fenômenos. Os deterministas acreditam que todo efeito tem somente uma única causa e vice-versa. Uma bola de bilhar arremessada com determinada força e direção só poderão percorrer um único caminho que poderá ser traçado com perfeição se todas as variáveis puderem ser levadas em conta, portanto, seu comportamento é determinado pela ação que a causou. Assim, segundo o determinismo, você não pode optar por um sorvete de chocolate ou baunilha, o que ocorre é a ilusão de escolha. Seja qual for a opção que tomar,ela já estaria pré-determinada por toda a sua trajetória de vida e de toda a humanidade antes dela. O que acontece é que as variáveis envolvidas no ato tendem ao infinito, causando assim, a ilusão de livre-arbítrio ou escolha.
Será mesmo que existe livre-arbítrio neste mundo? Será que todas as suas escolhas são realmente suas e são realmente escolhas. A refutação, preconceituosa, de antemão, ao determinismo provém de uma perplexidade sartreana [J. P. Sartre] ao fato de não atribuir o culpado ao crime. Ou seja, ninguém poderia ser condenado por crime algum, uma vez que nada decidiu, mas agiu simplesmente por uma série de circunstâncias? Alto lá. Na natureza existe a lei do mais forte, os fracos e oprimidos, são, logo, enfraquecidos e oprimidos, não é o que fazemos com os criminosos? Uma maça podre não tem culpa de ser podre, de ter sido assolada, e nem por isso o ceifeiro a “perdoa”.
O que digo é: não! A pessoa não é culpada por seus crimes, mas quando temos gangrena “arrancamos e jogamos fora”; a gripe combatemos; e o criminoso aniquilamos. O fato de o louco ser protegido pela constituição pela inculpabilidade não faz dele um inocente a um crime, e tampouco previne ele de ser encarcerado [mesmo que seja numa penitenciária psiquiátrica]. O homem que realmente sem intenção atropela um pedestre responde criminalmente pelo “crime que cometeu”, mas ele não tinha culpa? A questão não é essa. Todo crime tem sua conseqüência, e se deseja que cada qual receba a devida equação por seus erros e “erros” no tribunal: o remédio certo para a enfermidade certa. O determinismo de modo algum prega o fim das penitenciárias, mas sabemos que elas são muito mais métodos de contenção de “epidemias” do que de reabilitação. Em poucas palavras, ninguém é culpado, no literal da palavra, pelo crime que comete, porém este câncer, o criminoso, merece a devida terapia: a aniquilação! É muito mais um fato natural, pois a natureza não é perfeita, do que uma escolha.
Não há nada na sua atitude que seja uma escolha verdadeiramente sua. Uma leitura da literatura de costume de alguém deflagra inquestionavelmente seu modo de agir e é flagrante no seu linguajar. Não é, de modo algum, mera coincidência que pessoas do mesmo meio tem um linguajar parecido. É ter a mente muito estreita acreditar que países como a Rússia, China e República Tcheca tem grande número de ateus por mero acaso; ou que na Itália quase todo cristão seja católico por uma escolha verdadeiramente livre.
O determinismo, todavia, não explica nem o meio e nem o fim, pouco importa o meio e o fim se, do ponto de vista prático, ele se encaixa. Ninguém pode provar matematicamente as leis de Newton, entretanto, elas funcionam na mecânica geral. O fato das leis de Newton não poderem se aplicar a tudo as invalida? De modo algum. Da mesma forma que o determinismo é perfeito no tempo humano conhecido, e uma premissa que invalida totalmente o livre-arbítrio kantiano ou qualquer outro, do começo ou do fim responderei “não sei”, mas que aqui e agora é assim que funciona, isso é certo.
Alguns tentaram refutar: “Mas por que as pessoas não agem iguais? Por que, ainda assim, pessoas do mesmo meio se destacam umas das outras? Se todo escravo, por exemplo, era submisso, como explicar a existência de Zumbi? E se você disser que os escravos não são submissos, por que nem todos eram Zumbis?” Apesar da aparente lógica deste argumento, percebemos, entretanto, as mesmas “exceções” na natureza: os animais da natureza não têm livre-arbítrio porque não detêm raciocínio lógico [embora esta afirmação seja controversa, na maioria dos seres vivos ela se aplica irrefutavelmente], porém, percebemos tomando dois animais da mesma espécie e criados no mesmo ambiente e pelo mesmo dono, sendo gêmeos, ainda assim, cada qual tem uma história e faz ou sente as coisas de maneiras distintas, por que agir diferente se o “meio” ou as “influências” são aparentemente as mesmas? É claro que é impossível você criar dois animais “iguais” de maneira igual, muitos dirão isso, mas as semelhanças do perfil destes não é uma evidência de que o determinismo existe? Os cachorros de raças ferozes quando criados no meio da comunidade, fora de casa, tendem a comumente serem mais dóceis, por que será?
Esses dados apresentados teriam pouco ou nenhum valor se a analogia não fosse verdadeira. Ao passo que normalmente o cachorro preparado para richa é comumente violento o ser humano educado para ser bandido é comumente criminoso. Mas e as exceções? Oras, temos tanto exceções no mundo animal como no mundo humano e, pasmem, em semelhantes quantidades. Se a natureza não tem livre-arbítrio o ser humano também não deve ter.
O determinista pode acreditar que decifrando todas as características humanas (DNA), todas as influências externas (cultura, educação, etc.); poderíamos, com uma margem de erro ínfima, determinar o futuro de qualquer pessoa; isso só não é possível porque você teria que prever o futuro, mas para prever o futuro você teria que fazer a linha determinista de todo o universo, até estimar a influência cultural indireta na cabeça das pessoas por saber que um meteorito está vindo de encontro a aniquilação terrestre. Ao menos hoje em dia isso seria impossível. Mas os dados tomados pelo coletivo nos mostra um padrão inegável de comportamento, características exclusivas ou não a determinada cultura.
O egoístico é nos penalizado (mesmo após ter-se entendido a impossibilidade do inegoístico) O necessário é nos penalizado (mesmo após ter-se entendido a impossibilidade de um liberum arbitrium e de uma “liberdade inteligível”). (Nietzsche:2002, p.52)
Desculpem-me a presunção, mas o determinismo para mim é algo que não passa de óbvio. Não há um verso do livro da vida que não tenha causa e conseqüência discernível, nem mesmo o pensamento é original, nem mesmo estas palavras que vocês lêem são originais [no sentido amplo], mas o produto de tudo que se fez e de tudo que se faz em todos os tempos. A biografia de qualquer um é o produto da miscelânea de tudo que há ou houve: de capa a capa, de verso a verso, ato a ato. Mas essa opinião é condizente com a sociologia: Se você tivesse os genes de Hitler, sua história de vida, seu contexto histórico-cultural e as oportunidades que ele teve, você seria Hitler para todos os efeitos práticos. Isto é, você faria tudo aquilo que ele fez. (Gondim: 2005, p.200)
“Dizem que nós fazemos nossas próprias escolhas, mas quem fez nossas opções?”
Oras, e que valor e respeito merecem a sabedoria antiga? Nenhum, seria arrogância; algum, seria vago; sagrado, seria ridículo. Bom, tomemos da sabedoria antiga o que é bom, e não se envergonhe de citar um cristão, um hindu, um budista. Lembremo-nos do legado autofágico da semana de 1922, “o que presta, absorvemos, o que não presta, ignoramos”, eis como se filosofa com coerência.
Muito cuidado, futuro espírito-livre, quando você usar algum chavão para defender suas teses. Pois eu vos digo que a maioria das frases prontas, estas de lugar-comum, estão completamente erradas e, quando não, só valem para circunstâncias demasiado restritas e inquestionavelmente jamais explicadas pelo próprio dito. A pressa é inimiga perfeição; mas um passo dado a tempo vale por nove. Mais vale um pássaro na mão que dois voando; mas quem arrisca não petisca. Onde há fumaça há fogo; mas o hábito não faz o monge. Um centavo poupado é um centavo ganho; mas não se pode levá-lo para o túmulo. Quem hesita está perdido; mas os tolos entram correndo onde os anjos têm medo de pisar. Duas cabeças pensam melhor que uma; mas comida em que muitos mexem, se não sai crua ou queimada, sai insossa ou salgada. (Sagan: 1996, p.285)