MINHA HISTÓRIA DE SÃO PAULO



                                              ESTA CIDADE FEDE

 
 
 
1975, eu com 20 anos de idade morava em Santo André, na região do ABC, na grande São Paulo. Vindo do Paraná, acostumado com pássaros, riachos, plantações de arroz e cafezais, a visão de tanto concreto não me agradava nem um pouco.
Tudo que eu sonhava era voltar para os campos verdes e ter meu espaço de volta. Isso não era possível.
Eu odiava e ainda não gosto da cidade grande, então ir para São Paulo não era nenhum prazer para mim. Mas havia uma necessidade,
um produto raro que eu só encontrava na Rua Santa Ifigênia, a FITA CASSETTE DE 10 MINUTOS.
Eu fazia poemas e canções e grava-los em um pequeno gravador era a solução para que eu não perdesse esse material, no comercio as fitas de 60 e até 120 minutos eram encontradas facilmente, mas essas para gravar pequenos trechos simplesmente não existiam, exceto numa pequena loja da rua Santa Ifigênia, que eu visitava
quando precisava, comprava 12 unidades e demorava para voltar.
Eu vinha de trem até a estação da Luz e caminhava até a Rua Santa Ifigênia, passando pela rua dos Gusmões.
Na época as “PRIMAS”, como eram chamadas as prostitutas já
faziam ali seus pontos de trabalho, A sujeira da região já impressionava. Menos que hoje. "As PRIMAS" mal vestidas ( pouca roupa e elegância idem). Alguns bêbados, a presença de menores era desapercebida, o uso de drogas também,
o nome CRACOLÂNDIA, mostra claramente a evolução da região.
 
O fato impressionante, que me marcou profunda- mente foi o que vi numa dessas minhas raras visitas a Capital Paulista.
Ali no começo da Rua dos Gusmões, ( relembrando em 1975 ), um
Mendigo estava deitado na calçada, a primeira coisa que qualquer um faria seria desviar e passar o mais longe possível do infeliz, pelo
cheiro ( parece que todo mendigo cheira mal ou incomoda simplesmente por existir.) Mas eu, um pretendente a artista, escritor e futuramente famoso, passei bem perto desse homem, talvez pelo fato de sentir pena da sua situação.
 
 
 
Deitado, com um cobertor miserável, cobrindo parte de seu corpo, esse homem estava com uma de sua pernas descobertas, usando um tipo de calção, exibia uma ferida, não era essas feridas que muita gente ainda usa para pedir esmola, recheadas com coloral e que ficam a mostra para impressionar. Era um ferimento real, sem nenhum cuidado, fruto provável de suas peregrinações pela região.
Olhei com atenção a ferida, senti um arrepio e engoli em seco o espanto. Um verme andava por essa ferida, comendo esse homem, vivo, deitado e abandonado ali no começo da Rua dos Gusmões.
 
Com 20 anos, nos anos 70s, eu não era nenhum exemplo de bom Samaritano, avisei uma viatura policial que estava não muito longe do local, os policiais disseram que dariam uma olhada, E eu segui para comprar as minhas preciosidades, AS FITAS CASSETES DE 10 MINUTOS.
 
Nunca esqueci esse dia, nunca esquecerei esse fato.
Se já não gostava da cidade grande, deixá-la entregue à sua própria sorte foi o que escolhi, e com o passar dos anos ficou provado que sorte não uma das coisas que São Paulo possui.
Surrupiada por políticos, mal tratada pelos próprios moradores, a cidade virou um verdadeiro lixão, um território de invasores de
espaços, traficantes e viciados.
São felizes aqueles que como eu conseguem

dar um rumo certo a sua vida e viver muito bem longe dela.


CRÉDITOS DA FOTO =
http://saopauloabandonada.com.br/
DOUGLAS  NASCIMENTO

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SÃO PAULO


São Paulo,
quase 500 anos,
uma grande cidade
um grande engano.

Famílias inteiras jogadas nas calçadas
com seus cabelos despenteados,
dormindo debaixo de pontes
com o cheiro de urina ao lado.

A grande São Paulo...
Nesta cidade a calçada fede,
o rio fede,
o ar fede.

a criança pura estende a mão
e pede dinheiro para comprar pão,
e o pai de outras crianças
fecha o vidro do carro e diz: Não.

nesta cidade a calçada fede,
o rio fede,
o ar fede.


J B ROMANIPublicado no Recanto das Letras em 25/01/2009
Código do texto: T1403701