BRENNAND E A FILOSOFIA
O bilhete explicativo, que os visitantes recebem ao entrarem no "Santuário de Brennand", no bairro da Várzea no Recife, leva o título: Francisco Brennand: - "Mestre dos Sonhos". E é verdade, Brennand não é apenas escultor, pintor e escritor. Em sua arte ele sonha com um mundo diferente. Um mundo para além das ideologias filosóficas e teológicas particularizantes. Talvez, com Nietzsche, sonhe com um mundo para além do bem e do mal. O mundo socialista da União Soviética foi um jogo de baralho que desmoronou; a globalização é a destruição das culturas regionais e a massificação do sujeito humano; a realidade, por si só, é um absurdo. A única verdade que permanece, para além de ideologias e globalizações, é a justiça. Brennand sonha com uma sociedade sem os absurdos das desigualdades e das manipulações. A mídia, inclusive, é capaz de transformar cafajestes em heróis, e mostrar a violência como algo divertido. Brennand sonha também com um Terceiro Milênio em que os valores éticos, religiosos e místicos voltem a predominar, embora esteja consciente de que nada muda na simples passagem de um milênio ao outro.
Em fins de 1997 levei um grupo de estudantes e professores de filosofia da UFPE a visitar as Oficinas de Brennand, na Várzea-Recife. Foi uma grata surpresa sermos recebidos pelo próprio Brennand. Não é sempre que Brennand está disponível para atender aos numerosos visitantes de seu "santuário". Mas, sabendo que éramos filósofos, interessou-se pelo grupo, e "perdeu" quase uma tarde inteira para nos atender. Seu amor pelo filosofia não é de agora. Uma de suas filhas se graduou em Filosofia na UFPE. A filósofa pernambucana Maria do Carmo Tavares Miranda é um de seus frequentes referenciais. Mostra-se em dia com as publicações filosóficas no país e no mundo. Aliás, em outra época, levei o filósofo gaúcho, Gerd Bornheim, ao "Santuário de Brennand", quando também o próprio Brennand nos recebeu, dialogando de par a par com Bornheim, sobre filosofia da arte. Mas não é só recebendo filósofos, e falando de filosofia, que Brennand filosofa. A obra toda de Brennand transpira filosofia. E até explicitamente, quando deixa pensamentos de filósofos gravados, como aquele de Heráclito, que se encontra no jardim, perto da sua miniatura do Taj Mahal. O "tudo flui" de Heráclito é como que o rio que tudo arrasta na vida, não só de Brennand, mas de todos nós.
A produção de Brennand não é uma obra para ser analisada em detalhes. É preciso meditá-la. Ela é como a filosofia, onde nem sempre encontramos conceitos para objetivar os sentidos mais profundos. Cosmogônica, telúrica, psicanalítica... ela não representa simplesmente uma realidade. Brennand filosofa, talvez, com Kant para quem a razão humana não consegue penetrar a essência da realidade. Permanecemos no fenomênico. Por isto, Brennand, por assim dizer, nos eleva aos sonhos, aos mitos, à simbologia, às analogias. Uma linguagem tipicamente filosófica, mas não inócua. É através dela que ascendemos aos absurdos, aos paradoxos, às contradições da realidade; mas também às possibilidades de dignidade, verdade e justiça da vida humana, que pode ser maravilhosa mesmo nas contradições.
O "fluir" da vida e do pensamento de Brennand podem ser compreendidos melhor quando acompanhamos sua biografia. Brennand não honra apenas a arte de Pernambuco, mas representa também um pouco de sua filosofia, desafiando os amantes da sabedoria a decifrá-la.
______________________________________