Confidências de um gari

CONFIDÊNCIAS DE UM GARI

Minha mulher e eu passamos uma semana com o filho Ricardo e a namorada, numa casa que eles alugaram em Garopaba, já preludiando o veraneio propriamente dito, que ocorrerá em fevereiro. Defronte à casa havia um cidadão que sempre que passava me dava bom dia e convidava para tomar um chimarrão.

Trata-se de um gaúcho de Santa Maria, morador há seis anos na cidade, trabalhando de gari (na coleta do lixo, em caminhões) para a Prefeitura de uma cidade vizinha. Num primeiro momento, fazendo coro, quem sabe, a grita de todos os garis do Brasil ele condenou o escorregão verbal de Boris Casoy, que rebaixou os trabalhadores da limpeza aos porões da dignidade. Casoy usou palavras inadequadas. Segundo o homem, isto “é uma vergonha!”.

Pois o vizinho me fez várias revelações que dão o que pensar, por isso divido-as com os que me lêem. A primeira reflexão: ele ganha, anotado na carteira, um salário bruto de mil e duzentos reais, coisa que muita gente com faculdade não ganha. Além disto, os dois catadores mais o motorista dividem os restolhos do caminhão, tais como roupas e calçados, que a esposa dele lava, remenda, arruma e vende num brechó, o que lhe possibilita uma renda extra de dois mil mensais.

A segunda reflexão enseja que se conclua que quem trabalha, não escolhe serviço e procura as oportunidades do mercado, consegue obter um plus financeiro capaz de ajudar na renda familiar. Se fosse umas dessas nojentas que andam por aí, dizia: “Bem capaz! Eu é que não vou botar a mão em coisas que vem do lixo!”. Pois a senhora, mãe de quatro filhos não se avexa em lavar as roupas e mandar consertar os calçados que os outros botam foram. Com isso a família tem um ponderável acréscimo de renda, numa cidade em que os empregos – exceto o turismo – não são muito abundantes.

Além dessas sobras, o gari me contou que recolhe aparelhos, como relógios (basta colocar pilhas novas), eletrodomésticos (nada que um simples conserto não restitua a utilidade), móveis e – certa vez – até um faqueiro de prata, que depois de polido, rendeu quatro mil reais. Isto tudo, numa reflexão escatológica sobre as coisas colocadas no lixo, a gente pode concluir quanto desperdício existe em nossa sociedade. Se esse supérfluo é observado na praia, o que dizer nas grandes cidades? O homem confidenciou que sobras de comida, por causa da higiene, ele não traz para casa.

Seu depoimento aponta para quanto o excesso de consumo de pessoas das classes “a” e “b”, que freqüentam as praias, desperdiçam em comida, roupa e calçados. As sobras de uma sociedade inconseqüente, como a nossa é capaz de estabelecer padrões para a sobrevivência de famílias numerosas.