DELITO CONTRA A HONRA.
Liberdade de Expressão. Constituição. Responsabilidades. Código Penal; crimes contra a honra.
A revogada Lei de Imprensa. Delito de Opinião. Internet.Final.
Concluidas as indicações legais originadas na Constituição Federal sobre a agressão à honra, bem personalíssimo, suas consequências na órbita da reparação civil; definida a ação criminosa por seus elementos científicos de forma superficial, sem aprofundamento posto que impróprio para os fins desejados, mas suficientemente demonstrada face à ciência penal em informativo de acesso a todos, quero crer, passamos ao objetivo básico da presente ( chamemos assim, diante de sua extensão ) monografia; delitos contra a honra.
Os delitos contra a honra no Código Penal estão elencados e descritos na Parte Especial da Codificação, Título I, Capítulo V, artigos 138 até 145. Fique em destaque, reitere-se, ser a honra bem personalíssimo inerente à personalidade, ao lado do direito à imagem, à vida privada e à intimidade, estes semelhantes, mas não iguais, todos decorrentes do bem maior que dá surgimento à personalidade - a vida.
Sobre a essencialidade e sua indiscutibilidade como bem pessoal é necessário discorrer brevemente .
São bens intransmissíveis e irrenunciáveis, conforme imperativamente e não dispositivamente determina o legislador civil no novo Código Civil, artigo 11, vedada qualquer limitação ao seu exercício voluntário, como exsurge da lei, logicamente observada e guardada a ordem pública. Por qual razão denominam-se bens personalíssimos e são intransmissíveis e irrenunciáveis? Responde-se, apontando serem diversos, por exemplo, do patrimônio material, que pode ser negociado, transmitido, cedido, mutuado (empréstimo) gravado de ônus reais (hipoteca, penhor), alienado. É um bem imanente à sua pessoa, a honra, incorporado ao seu ser, é só seu, intransferível, portanto personalíssimo.
Digamos que está colado em você desde seu nascimento, integra seu “eu”, que é só seu, tangencia e forma seu perfil existencial. Só se extingue com a morte. É insubstituível, configura sua personalidade que o genôma, o traço grafado e a digital tornam única em cada ser, por esses diferenciais biológicos.
Abra-se novo seguimento para considerar mais um pouco os direitos personalíssimos, de personalidade, excepcionais, merecedores de Herkenhof, em “Gênese dos Direitos Humanos”, a sinalização de que “as pessoas têm uma dignidade humana que tem que ser reverenciada”.
Por essa razão reverencial a normatização legal e os princípios constitucionais encontram seu fundamento e origem no homem e na sua liberdade, daí o papel do direito como técnica de convivência. Deve ser construido, mesmo que inexistente, por todos os meios possíveis que o legitimam. E vamos a um exemplo.
Alguém pode tirar seu retrato sem que você esteja presente? Obviamente não, sua imagem pode ser reproduzida, mas com base em imagem exclusivamente sua, antes feita, fotografada, com permissão ou não. A lei civil anterior, omissa quanto ao direito de imagem, não por deficiência do código, mas em razão da época, vetusta, não protegia o direito à imagem, que consagrou-se na Constituição de 1988. Impedia, somente, o excelente Código Civil de 1916, de Bevilaqua, a não reprodução do retrato, artigo 666, X, sem autorização do autor.
Os direitos de personalidade são de importância tamanha, que se existente anomia (ausência de norma que os proteja) deve o Juiz-Estado prover tal lacuna. Tal situação forçou em 1977, diante de ausência de norma protetora do “direito de imagem”, a construção do direito novo como impõe a Lei de Introdução ao Código Civil, que determina não poder o magistrado se eximir de sentenciar, não havendo lei que disponha sobre o conflito de interesses.
Inúmeros artistas celebrizados pelas novelas da “Rede Globo”, aproximadamente vinte, citando somente alguns nomes de fama, como Regina Blois Duarte Franco, Sandra Bréa, Francisco Cuoco , Marcos Paulo Simões, Walmor de Souza Chagas, José Wilker Almeida, Dennis de Carvalho, entre muitos outros, propuseram ação contra Bloch Editores SA. para fazer valer seus direitos decorrentes de suas imagens, publicadas em nominado “Album de Ouro”, sem a permissão dos autores da ação de ressarcimento.
À falta de legislação específica e depois de investigativas e fundamentadas razões de decidir, que estão publicadas na Revista dos Tribunais, volume 512 , fls. 262/265, de junho de 1978, foi reconhecido este bem personalíssimo dos atores e atrizes, por sentença mantida sem retoques a decisão em acórdão do Tribunal, que concluiu: “ na realidade, nada será preciso aditar-se à douta e erudita sentença de fls., pois seu eminente prolator decidiu com inegável acerto”. Mantida ainda nos Tribunais Superiores a decisão.
Foi a sentença buscar reservas em projeto do Código Civil, sic: “O anteprojeto do Código Civil, em seu artigo 21, dispõe: Salvo se autorizadas ou .......a difusão de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou respeitabilidade ou se dirigirem a fins comerciais.”
Veja-se a que ponto O Estado, no caso o Juiz-Estado, logo que o Estado é abstração, e o Juiz incorpora a lei e a diz, Juiz-Estado, o homem que representa a função através de seu sistema legal, por força da Lei de Introdução ao Código Civil, se firma para erigir saudável e necessária proteção do cidadão em bem pessoal, cimentando viga sustentadora de salvaguarda, além da lei que vigora (lege lata), indo extrair o direito embrionário na lei que está por vir, não existe e não existiu por longos anos (lege ferenda).
Construiu esse importantíssimo direito pessoal a jurisprudência. E mesmo não houvesse um mínimo de reserva legal (lei futura latente), ainda assim o direito seria explicitado. Dá-me o fato e te darei o direito. É essa a missão do magistrado.
Enunciei para demonstrar a presença constante dessa face do Estado, por vezes e quase sempre solitário e desconhecido - abstraído como função, e vivo em quem representa a função na pessoa do magistrado, o Juiz-Estado - na formação dos direitos básicos do cidadão; se não os têm vigorantes e são indispensáveis, formula-os e os torna em vigência através de seus legítimos mecanismos.
Somente onze anos após esta pioneira decisão,por mim proferida, entre outras surgidas, tornou-se direito protegido a imagem do cidadão na Constituição Federal; direito personalíssimo. Hoje protege-o, também, o novo Código Civil, com fundamento em projeto totalmente diverso do que citei.
A honra, bem personalíssimo, como a imagem, é emblemática e de cunho valorativo altíssimo como bem pessoal, figurando no ápice da personalidade. Obviamente para quem a tem e por ela zela. Para estes viver sem honra é melhor não viver. A história nos passa muitos exemplos nessa linha. Porém, como proteção do direito do cidadão com projeção civil - dano moral - só recentemente, pela dita Constituição cidadã de 1988, obteve garantia como já exposto.
Esse progresso moral da humanidade, na consolidação dos direitos do homem, trouxe-nos a excelência do pensamento de um dos mais festejados jurisfilósofos contemporâneos, já desaparecido, Norberto Bobbio, que em uma de suas magistrais obras, “A Era dos Direitos”, pontifica:
‘Do ponto de vista da filosofia da história, o atual debate sobre os direitos do homem, cada vez mais amplo, cada vez mais intenso, tão amplo que agora envolveu todos os povos da terra, tão intenso que foi posto na ordem do dia pelas mais autorizadas assembléias internacionais pode ser interpretado como um “sinal premonitório” (signum prognosticum) do progresso moral da humanidade”. Obra citada. Fls. 69, caixa alta nossa.
Retornando à especificidade da honra no campo penal, afirme-se que sua honra não está nos outros, na conduta de outra pessoa. Antigamente a honra de um marido traído, infidelidade da mulher, era fundamento como tese de legítima defesa da honra do marido no Tribunal do Júri. E prosperou a tese, encampada pelos juízes leigos que formam no Tribunal do Júri o Conselho de Sentença. São os sete jurados escolhidos ao início do julgamento, por sorteio, entre os convocados pelo juiz para a sessão. O Conselho de Sentença admite ou não a tese defendida em plenário pelo advogado de defesa.
Caminhou-se para expurgar, afastar tal tese, logo que sendo a honra um bem pessoal, a honra dele, marido, não estava na conduta de sua mulher. Os Tribunais, em grau de recurso passaram a rejeitar a tese, já em desuso data tempo.
Três são as modalidades do delito contra a honra na lei comum. Calúnia, difamação e injúria. Estão definidos seus tipos penais, respectivamente, nos artigos 138,139 e 140 do Código Penal.
São três formas de agredir-se o bem tutelado, protegido, ou seja, investir contra o mesmo dando surgimento à antijuridicidade, já explicada no primeiro artigo. A honra, bem personalíssimo de cada um, está sob o escudo protetor da lei. Tanto a calúnia, como a difamação ou a injúria tem um só bem tutelado; a honra. É o bem jurídico protegido. Definamos agora a tipicidade de cada um, como já discorremos antecedentemente; a conduta contrária proibida pela norma.
Calúnia é a falsa imputação a alguém de fato definido na lei como crime; difamar é imputar a alguém fato não definido na lei como crime, porém ofensivo à sua reputação. Nos dois delitos se atribui fato determinado, com a diferença de que na difamação tal fato não é crime. Na injúria, não se imputa fato determinado, mas são enunciados fatos de modo vago e genérico, atribuindo a alguém qualidades negativas ou defeitos.
Vamos dar exemplos para melhor entendimento.
Calunia quem se conduz de forma oposta à norma, conduta proibitiva no tipo definido. Se eu digo que alguém que exerce função pública, funcionário, exige dinheiro, vantagem pessoal para cumprir seu dever de ofício, e estaria cometendo concussão, crime definido na lei penal, cometo calúnia. Se chamo de corrupto, está também definida na lei a conduta típica da corrupção, cometo calúnia. Imputei àquele funcionário fato definido na lei como crime, agredindo sua honra; e fato determinado. Se eu digo que determinada pessoa é mal pagador, descumpre prazos para pagar, retarda pagamentos, só resgata dívidas após muitas cobranças, estou difamando. Há conduta contrária `a norma, difamar, de fato determinado, mal pagador, mas que a lei não define como crime. Se digo que é estelionatário, fato definido na lei como crime, já é diferente, estou caluniando. Acho que está suficientemente inteligível.
Injuriar é humilhar, ironizar, achincalhar, imputar incorreção, ofender em suma, ridicularizando, menosprezando, sem que a ofensa seja de fato determinada, o que caracterizaria difamação, ou sendo determinado e estando definido na lei como crime, configuraria calúnia.
Uma situação indefinida, caracterizadora da injúria, já que deve ter objeto vago e impreciso, fato não determinado, seria a de chamar a outrem de “salafrário”. O bem jurídico atingido prevalentemente pela injúria é a honra subjetiva (fato indeterminado, impreciso e vago), isto é, o sentimento pessoal, a honorabilidade e respeitabilidade.
Parece tênue a linha divisória entre a difamação e a injúria, mas não é. Ocasiona algumas divergências jurisprudenciais, ao meu ver, desnecessárias.
Vamos a um exemplo. Ser salafrário envolve várias negatividades, não há determinação precisa. Salafrário é uma pessoa desonesta, desleal, ordinária. Um “salafra”. Bastante consultar os bons dicionaristas, de Moraes, passando por Aulete, Laudelino Freire, Cândido de Figueiredo até o atualíssimo Houaiss, o melhor nacional recente. Há fato difuso e indeterminado, porém desabonador.
Acho que estão bem visíveis, aferíveis, valoráveis, as condutas que investem contra a honra pessoal.
Estes tipos penais são da lei número 5.250 de 09/02/67, artigos 20, 21 e 22, repetidos na Lei de Imprensa, retirada da cogência, respectivamente, calúnia, difamação e injúria. Todos idênticos cientificamente a tudo que antes foi estudado, considerado, definido, no âmbito da lei comum.
O artigo 29 da Lei de Imprensa dava oportunidade à retratação notificado o ofensor. Não permitia a lei exceção da verdade em procedimento de delito contra a honra dos agentes públicos listados no artigo 20, parágrafo terceiro, sendo o primeiro o Presidente da República. O mesmo ocorre na lei penal comum relativamente ao Presidente da República, tão só e a Chefes estrangeiros; artigo 138, parágrafo terceiro, inciso II. Excepcionar a verdade é oferecer prova da imputação nos autos do processo, ou seja, provar o que você alegou que envolve um delito contra a honra. Se fizer prova concreta, indiscutível, você falou a verdade, não pode ser punido. É inocentado, absolvido. Acresça-se que as penas são aumentadas em um terço se cometidos os delitos contra os agentes públicos definidos; Presidente da República e dos outros Poderes.
O norte da responsabilidade estava descrito no artigo 12 da Lei ( “aqueles que, através dos meios de divulgação e informação, praticarem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação, ficarão sujeitos às penas dessa lei e responderão pelos prejuízos que causarem) já transcrito em outra parte, agora iterado. O delito de opinião se coloca entre o pensamento divulgado por qualquer meio de divulgação, e se afronta a honra de terceiro está passível de responsabilização. Somente estão protegidos do delito de opinião que ataca a honra de terceiros, os parlamentares. Estes até mesmo em crime comum estão imunes.
Fique claro que evidentemente atingia a Internet a Lei, como aconteceu, mas permanece a ofensa com arcabouço no CP.
A identificação é possível, pelo protocolo do computador, IP, e facilmente pelo provedor. Trata-se de crime formal de fácil configuração, gravada em caracteres a ofensa em uma de suas modalidades.
Abre-os a justiça através dos procedimentos próprios. O crime contra a honra depende de representação, é crime de ação privada. O que é isto? Necessita de que o ofendido se dirija à autoridade ( hoje ao Ministério Público diretamente, embora nada obste que vá à autoridade policial) e expressamente dê notícia da ofensa, e requeira o procedimento penal cabível, chamado de queixa a que adere o MP.
Assim se inicia, como queixa. É diferente da ação pública que o Ministério Público tem por dever iniciar ( homicídio, latrocínio, roubo, sequestro, etc. etc, ) que são de sua própria e obrigatória deflagração.
A provocação ao Estado por crime de ação privada, como nos delitos contra a honra, é de âmbito exclusivo do ofendido.