Ferro, Ferritina: Pouco É Ruim, Muito Também É.
O ferro é um mineral vital para o funcionamento das células. É essencial para o transporte de oxigênio, para a síntese de proteínas (inclusive DNA) e para o metabolismo energético. Nos mamíferos é usado principalmente na produção da hemoglobina (Hb) das hemácias (glóbulos vermelhos), da mioglobina dos músculos e dos citocromos do fígado. Um ser humano adulto tem no seu organismo de 4 a 5 g de ferro, sendo que mais da metade na forma de Hb. A deficiência de ferro trará conseqüências para todo o corpo, sendo a anemia (redução da Hb) a mais evidente, caracterizada por palidez, fraqueza, queda do desempenho físico/mental e fragilidade de cabelos/unhas. Por outro lado, o excesso de ferro é muito nocivo para os tecidos, uma vez que promove síntese de espécies tóxicas de oxigênio. Logo, é necessário que haja um perfeito equilíbrio no metabolismo do ferro, de modo que não haja falta ou sobra do mesmo.
O ferro usado pelo organismo é obtido da dieta e da reciclagem celular (hemácias, basicamente). Uma dieta normal contém de 13 a 18 mg de ferro por dia, dos quais somente 1 a 2 mg serão absorvidos na forma inorgânica ou na forma chamada “heme”. Alguns fatores favorecem a absorção intestinal, como a acidez (uso de cítricos) e a presença de agentes solubilizantes, como açúcares. Normalmente, a quantidade de ferro absorvida é regulada pela necessidade do organismo. Assim, em situações em que há aumento da necessidade (gravidez, puberdade ou destruição de hemácias, por exemplo) ou falta de ferro, há uma maior absorção deste. A maior parte do ferro inorgânico é fornecida por vegetais (escuros, leguminosas). O ferro na forma “heme” é proveniente da carne vermelha. Ovos e laticínios fornecem menor quantidade dessa forma de ferro, que é mais absorvida do que a forma inorgânica.
Após a absorção, o ferro é liberado para o sangue, sendo transportado no plasma pela transferrina (principalmente). Em condições normais, a transferrina é capaz de transportar até 12 mg de ferro, capacidade raramente utilizada (em geral, cerca de 30% da transferrina está saturada com ferro). Por fim, o ferro é armazenado nas células (macrófagos) do fígado, baço e medula óssea, na forma de ferritina ou hemossiderina. A ferritina, principal proteína de estoque do ferro no corpo, segura os átomos de ferro que poderiam formar agregados tóxicos. A hemossiderina corresponde à forma degradada da ferritina. Assim, a dosagem da ferritina no sangue reflete a quantidade corporal total de ferro, sendo um exame cada vez mais solicitado para tal aferição.
O ferro é eliminado fisiologicamente pelas secreções corpóreas, descamação das células intestinais e da pele ou no sangramento menstrual. O organismo não possui um mecanismo específico para eliminar o excesso de ferro absorvido ou acumulado após a reciclagem do ferro pelos macrófagos. Portanto, o controle do equilíbrio do ferro requer uma comunicação entre os locais de absorção, utilização e estoque. Essa comunicação é feita pela hepcidina, hormônio recentemente descrito, que teria um papel regulatório (negativo) fundamental no uso e no estoque do ferro. A ferroportina é o receptor da hepcidina nas células e a interação hepcidina-ferroportina parece controlar os níveis de ferro celular.
A principal causa da carência de ferro nos humanos varia conforme idade e gênero. Nas crianças, costuma decorrer de má alimentação (nem sempre pouca). Nos adultos, sangramento é a causa mais comum, menstrual excessivo crônico nas mulheres e digestivo oculto nos homens. Para cada mL de sangue perdido, perde-se cerca de 1 mg de ferro. Trata-se a carência com a reposição medicamentosa de ferro, oral ou através de injeções, e com correção da causa da mesma.
Indivíduos com mutações genéticas (HFE e afins) podem ter hemocromatose, que é o acúmulo de ferro no organismo decorrente da sua contínua absorção. Este ferro em demasia pode lesar fígado, glândulas e coração, gerando cansaço, distúrbios digestivos, diabete, redução de libido, arritmias e insuficiência cardíaca, dentre outros sinais e sintomas. Este mesmo excesso pode ser adquirido, como ocorre nas hepatites e em certos tipos de anemia hereditária. O tratamento consiste na retirada controlada de sangue (sangrias) ou uso de quelantes de ferro, que o eliminam pela urina ou fezes.
A identificação de novas proteínas envolvidas com o ferro, sendo a ferritina a mais usada recentemente, tem auxiliado no entendimento dos distúrbios relacionados tanto à carência como ao acúmulo desse metal. Vários estudos em curso acerca dessas e outras proteínas trarão novas perspectivas, tanto diagnósticas como terapêuticas.
Leal FP. Ferro e ferritina: pouco é ruim, muito também é; Revista Mídia e Saúde, junho de 2009, n° 88, ano 8, p. 38.
Obs.: Publicado com alterações.