CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRABALHO. Meio artigo, meio conto, meio reflexão... Na verdade, um texto inclassificável, desprovido de forma.
O camelo trabalhava.
Trabalhava duro, arduamente, labutava. Nele o sentido original da palavra trabalho tomava sua forma.
Labor=sofrimento. Tripalium=instrumento de tortura com três paus usado na idade média para suplício de hereges e outros ninguéns.
Acordava bem cedo, tomava o ônibus lotado e ia ao trabalho.
Todo dia, sem faltar. Era funcionário, e pela própria etimologia da palavra, já é possível descobrir que funcionário é aquele que FUNCIONA, que necessariamente tem que funcionar.
A falta de funcionalidade do funcionário poderá fazê-lo ficar sem sua função, ou seja, perderá o seu emprego que será ocupado por alguém que efetivamente funcione.
Dizia-se à época que era um grande privilégio ser um funcionário, pois do jeito que anda a “crise”, do jeito que andam as coisas, é preciso “se agarrar” ao emprego.
Defendê-lo com toda sua força e determinação.
A “coisa aí fora está preta”.
Disseram ao camelo que o trabalho era algo dignificante, que era parte essencial da vida de um homem. Que o homem reconhecia-se em seu trabalho. Aqueles que não trabalhavam eram vagabundos, vadios. Mal vistos por todos.
O homem deverá ganhar o seu pão com o suor do seu rosto, diz a bíblia e enfatizam as igrejas.
Autoridades inquestionáveis.
Se outro homem, por ser um igual a mim, pode ser questionado, então criemos instâncias superiores. Perante estas instâncias não caberá mais recurso.
Com o trânsito em julgado, esgotam-se os questionamentos.
Pobre daquele que não consegue se adaptar. Estará fadado ao fracasso, ao vexame público.
Fracassado!
É como chamam àqueles que “não deram certo” na vida.
Perdedor!
É o nome que levam àqueles que “não venceram” na vida.
E o camelo continuava a sua labuta. Indo ao trabalho de ônibus, levando uma marmita na mochila, enriquecendo seu patrão e acreditando que “um dia também chegaria lá”, que sua hora também chegaria.
Nem que fosse no céu, mas certamente sua hora chegaria. Fizeram-no até acreditar que aquilo que ele fazia era de fato importante, apenas não falaram para quem. Deram-lhe uma medalha, colocaram sua foto à mostra com distinção e méritos.
Enquanto o camelo cumpria sua função, sua relevante função, a vida passava.
A única, ÚNICA, vida que ele possuía lhe fugia rapidamente em meio a tantas coisas estranhas. Pelo menos, no diz respeito a ele mesmo, eram coisas totalmente estranhas.
Um dia ele haveria de acordar desse sonho, ou ir para a cova esperançoso, como costumam ir todos os homens bons, mansos e INGÊNUOS.
Para a bem de todos tem de ser assim.