Qual é o maior nome da música popular brasileira?
A música popular brasileira, além de divertir e fazer sonhar, apaixona, e proporciona debates acalorados e empolgantes. Um desses debates, sempre repetido é aquele sobre qual seria o principal nome de nossa música popular. Vire e mexe algum crítico do alto de sua sabedoria milenar brada que fulano ou beltrano é o maior da música popular. Tal afirmação gera aceitações e negativas que persistem até que outro resolva proferir sua respectiva verdade.
A solução dessa pendenga é difícil, para não dizer impossível, e remete inicialmente a uma questão: que critério se poderia usar para definir de forma justa e definitiva o maior nome da música popular brasileira? E é aí que a questão torce o rabo. Como estabelecer tal critério único. Seria possível estabelecê-lo?
Se tomarmos como modelo o futebol, sempre muito próximo à música e certamente também dado a polêmicas sem solução, e quiséssemos inferir sobre qual seria o maior jogador do futebol brasileiro em todos os tempos, a resposta inequívoca seria Pelé. Sim, pois mesmo existindo tantos e tantos outros craques, campeões, artilheiros e vencedores ao longo da rica história do futebol em nosso país, Pelé possui tal gama de atributos que não permite muita margem para contestação. Senão vejamos: maior artilheiro de todos os tempos em qualquer lugar do mundo com mais de 1.300 gols comprovadamente marcados, disputou quatro copas do mundo e venceu três, além de inúmeros campeonatos e torneios com o Santos, clube que defendeu praticamente a vida inteira. Até guerra sua presença fez suspender, escolhido como o Rei do Futebol e Atleta do Século XX, possui ainda toda uma coleção de imagens que permitem a quem não o viu jogar e duvide de suas qualidades, ir lá e conferir. Muitos outros jogadores foram ídolos, obtiveram vitórias e títulos, mas nenhum, mesmo Romário que chegou recentemente aos mil gols, ou o astro das primeiras décadas do século XX Friedenreich, podem a ele se igualar, e assim, a polêmica pode existir quanto ao segundo ou terceiro maior e aí, o número de jogos, de gols marcados, de Copas do Mundo jogadas e vencidas, de torneios e campeonatos conquistados podem apontar um resultado minimamente satisfatório. Mas o maior é Pelé.
E na música popular, existiria um critério único? Qual poderia ser o critério de comparação que permitisse medir ações diferentes como são as de um cantor ou cantora, ou de um compositor, ou de um arranjador ou instrumentista? Isso é claro sem falar nas questões referentes à épocas diferentes e mesmos situações distintas, tais como participação em programas de rádio ou vendagem de discos.
Assim, o problema ao invés de simplificar se complica mais e mais. Quem sabe talvez se segmentássemos a escolha, o que por si só já terminantemente eliminaria a questão uma vez que se separarmos os campos de atuação para escolher uma de cada campo ou mesmo época, jamais chegaríamos ao consenso sobre quem seria o maior nome de nossa música.
Comecemos então pelos artistas do canto, os que com suas vozes propagam, difundem e eternizam as canções, o que já nos traria um problema inicial que é o da música instrumental, mas ainda assim, vamos em frente.
Qual seria então o maior cantor e a maior cantora de toda a música popular? Em primeiro lugar, uma questão se faz presente. O que define o melhor cantor ou cantora? O tom da voz? a melodiosidade da voz? A clareza na emissão das palavras? Mário de Andrade, em seu livro “Aspectos da música brasileira” afirma, quanto ao canto que: “Assim, os povos e suas músicas, não se distinguem tanto pelo que cantam como pela maneira por que cantam”. Isso aplicado ao Brasil resulta num outro problema, que é o de se definir o cantor ou cantora sem levar em consideração as várias regionalidades brasileiras.
Por outro lado, quando falamos em canto temos que levar em consideração as limitações de época. Não sabemos como eram os nossos cantores e cantoras antes da existência da gravação de discos. E nos primórdios dessas gravações as limitações técnicas pediam um tipo de canto que pode ser posteriormente aposentado. Dessa forma, comparar as vozes de Francisco Alves, chamado de O Rei da Voz, e a de João Gilberto, consagrador de um estilo absolutamente antagônico ao de Chico Alves, é tão improdutivo quanto estabelecer uma linha comparativa que delimite em definitivo qual a mais representativa cantora num universo tão variado que incluiu nomes que vão de Zaíra de Oliveira e Aracy Cortes, a Dalva de Oliveira, passando por Emilinha Borba, Bibi Ferreira, Marlene, Nora Ney e outras que povoaram a corte do Rádio e chegando a Elis Regina, Maria Bethania e Gal Costa, sem falar em ícones da musicalidade mais regional como é o caso de Inezita Barroso ou Marines e intérpretes do chamado gênero brega como Claudia Barroso, isso é claro, sem contar aquela que para muitos é incontestavelmente a maior de todas: Ângela Maria. Isso por que não estamos nem ao menos relacionando ícones mais modernos que para os mais novos certamente seriam tidas como as incontestáveis como Marisa Monte, Cláudia Leite ou Ivete Sangalo.
Voltando ao universo dos cantores, falar de apenas dois, aparentemente tão distantes estilisticamente como Francisco Alves e João Gilberto certamente deixa margem para o esquecimento de nomes que poderiam figurar ao lado do primeiro em termos de emissão e poderio vocal como Carlos Galhardo, Nelson Gonçalves, Albênzio Perrone, Gastão Formenti ou Francisco Petrônio, e outros mais próximos do segundo ou ao menos numa transição entre as duas emissões vocais como Mário Reis, Orlando Silva, Sylvio Caldas, ou mais recentemente Roberto Carlos, que por outros motivos acabaria aclamado como Rei, o que para muitos já bastaria para colocá-lo no patamar maior.
Esse breve histórico de cantores, que por seu caráter meramente demonstrativo excluiu nomes que jogam lenha na fogueira das definições exatamente pelo poder interpretativo que possuem certas vozes como as de Jamelão, Abílio Martins, Roberto Silva, Evaldo Braga ou Cauby Peixoto, e ao mesmo tempo aponta para outra problemática, essa de grande aumento na dificuldade da solução da questão inicial: como situar as duplas caipiras e sertanejas, que, por exemplo, poderiam perfeitamente ser incluídas em pelo menos três ou quatro critérios para a escolha do maior nome da música popular em todos os tempos.
Mas não vamos misturar os alhos com os bugalhos porque as duplas caipiras e sertanejas se por um lado podem ser incluídas na categoria canto, por outro lado, exatamente por serem duplas, já apresentam outra face da questão uma vez que seu canto é diferenciado do canto solo. Duplas como Tonico e Tinoco, Raul Torres e Serrinha, Liu e Leu, Milionário e José Rico, Chitãozinho e Xororó ou Zezé di Camargo e Luciano, só para citar algumas, despontam em pelo menos quatro critérios que poderiam ser adotados para a escolha do maior nome da música popular brasileira: beleza e harmonia das vozes, longevidade na carreira, sucessos e vendagem de discos. Mesmo assim, a escolha de qualquer uma delas como o nosso maior nome em termos de música popular levaria certamente a levantes e tentativas de criação de CPIs e outros instrumentos investigativos.
Se passarmos para o campo dos compositores, a questão ao invés de simplificar se complica de vez. Muitos são os autores de nossas músicas que vem se destacando há pelo menos um século. Nomes como Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, Braguinha, Mário Lago, Custódio Mesquita, são ícones de uma determinada faceta de nossa música, que embora para muitos críticos seja a melhor parte dela, está na verdade embutida na chamada Era do Rádio, para muitos, a época de ouro. Sendo assim, como classificar então nomes como os de Ernesto Nazaré, Chiquinha Gonzaga, Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, isso para não falar em nomes tidos como mais “segmentados” como os chamados sambistas como Paulo da Portela, Wilson Batista, Geraldo Pereira, Cartola, Nelson Cavaquinho, e outros, ou então que se destacaram na música tida mais como regional como os casos por exemplo, de Capiba e Nelson Ferreira, com os ritmos pernambucanos, notadamente o frevo, um gênio luminoso como João do Vale, ou autores como Teddy Vieira, Lourival dos Santos ou Moacyr dos Santos, na chamada música sertaneja, ou construtores do rock no Brasil como Erasmo Carlos, Marcelo Nova, Renato Russo ou Baby Santiago, isso para não falar em nomes tidos como bregas, mas autores de clássicos populares como é o caso de nomes como Waldick Soriano ou Odair José.
Mas a questão se complica mais e mais uma vez que nessa lista não incluímos ainda ícones como Chico Buarque, que o escritor Milôr Fernandes chegou a considerar certa vez como sendo a “única unanimidade nacional”, ou então, só para citar um, o compositor de marchas carnavalescas Haroldo Lobo, para muitos um gênio nesse tipo de composição. O momento histórico, a recepção dos que estão vivendo em tal ou qual época, os azares da sorte, e outras questões podem aumentar o diminuir o cartaz de um compositor. O já citado Chico Buarque teve a seu favor, além do talento inquestionável, o fato de ter sido uma espécie de porta voz da resistência musical contra a ditadura militar.
Vemos a questão se complicar e olha que ainda nem tocamos em nomes de instrumentistas e arranjadores como Severino Araújo, K-Ximbinho, Zé Menezes, Dino Sete Cordas, Laurindo Rabelo, Jacob do Bandolim, Avena de Castro e outros.
No rolar das divagações já se ouve as pedras baterem na janela, e os brados são ouvidos: mas que raio de lista é essa que ainda não falou em Joaquim Callado, Pixinguinha, Tom Jobim, Luiz Gonzaga, Tião Carreiro, Roberto Carlos, Jackson do Pandeiro e Raul Seixas?
Calma pessoal, e antes que as pedras mandem o escriba para o além é melhor explicar o porquê disso. Todos os nomes até aqui citados e mais alguns que o espaço ou o esquecimento deixaram de lado, são fundamentais na construção de nossa música popular, um amálgama de dezenas de anos e mistura constante de gênios e influências, além dos ditames mercadológicos é claro. E os dados, como diria Cazuza, outro ainda não citado, ainda estão rolando, pois o tempo não para e nossa música, é vasta, talvez mais vasta que o vasto coração de Drumonnd.
Sim, mas e por que aqueles oito nomes, que poderiam ser mais certamente, foram deixados para o fim? A resposta é simples. Primeiramente, é impossível apontar o maior nome da música popular brasileira. Em segundo lugar, o maior nome não é um, são vários, e isso é inevitável, pois nossa música é múltipla e é isso que lhe dá a riqueza peculiar e que a torna única no mundo. Como as avaliações e as consagrações seguem critérios que são muitas vezes mais pessoais do que exatamente científicos, se é que se pode aplicar critérios científicos à arte, nunca será possível um consenso e, conseqüentemente a elevação de um único nome ao patamar de O MAIOR. Dessa forma, vamos então à explicação dos oito nomes citados pouco acima. Cada um deles, e repetimos, sabemos estar deixando outros que poderiam perfeitamente ser enquadrados no critério aqui adotado para a escolhe desses oito.
Cada um deles é formatador de um gênero, definidor de um estilo, fundador de uma escola. Joaquim Callado foi um dos nomes primordiais dos princípio do choro nas últimas décadas do século XIX e criado da formação conhecida como “Choro carioca” com cavaquinho, dois violões e flauta. Pixinguinha dispensa comentários, e para não falar de menos basta citar as palavras do pesquisador Ary Vasconcelos: “Se você tiver quinze volumes para falar da música popular brasileira, eles serão poucos, porém, se tiver que usar apenas uma palavra, aí será mais fácil, basta dizer Pixinguinha”.
Tom Jobim, além de ser o grande nome da bossa nova é também, ao lado de Carmen Miranda, o nome mais conhecido da música brasileira no exterior, dois critérios que, além da qualidade de sua música o colocam entre os fundadores. Luiz Gonzaga, por sua vez, além de formatar o baião, foi o responsável por uma extraordinária transformação cultural em meados dos anos 1950 quando com sua sanfona e sua vestimenta de vaqueiro nordestino, imprimiu novos rumos á nossa música e se tornou uma referência que permanece viva século XXI adentro sempre aclamado como “O Rei do baião”. Outro nordestino que se tornou fundamental foi Jackson do Pandeiro que conseguiu dar novas cores aos ritmos nordestinos misturados aos ritmos cariocas e não foi à toa que recebeu o título de “O Rei do ritmo”.
O violeiro Tião Carreiro, também ganhou título de majestade, o de “Rei do pagode” exatamente por ter colocado em cena o pagode sertanejo, e, além disso, foi um mestre na arte da viola sendo por isso o criador de um estilo, o fundador de uma escola que faz com que todos que se iniciam nas artes da viola tenham que necessariamente, passar por ele. Roberto Carlos é outro que somente pode ser enquadrado na figura de fundador e criador de estilo, também chamado simplesmente de “O Rei”, sua carreira pode ser enfoca como intérprete virtuoso, como compositor ou simplesmente como o formatador de uma nova forma de canção romântica que tomará várias vertentes, entre as quais a brega, por mais que para muitos isso possa parecer um demérito, com o que não concordamos uma vez que tal gênero musical é um dos principais do país.
Finalmente, temos Raul Seixas, nome tradicionalmente ligado ao rock, que alcançou o seu do sucesso e o inferno do esquecimento enquanto vivo, e que depois de morte, virou lenda, mais do que referência, simplesmente lenda. E que seguiu uma trilha na qual misturou influências diversas conseguindo com isso criar uma nova face de nossa música que muitos até tentam seguir, embora naturalmente, sem o mesmo talento, Raul, que disse não fazer parte da linha evolutiva da MPB, deixou uma trilha aberta para novas experiências. Misturou ritmos diferentes, juntou rock com baião, fez repente com guitarra, elaborou baladas brega com ironia e angústia, aproximou xaxado com música country, e tudo sem fazer proselitismo político, embora fizesse manifestos existencialistas em suas letras. Foi em síntese a metamorfose da música popular e por isso, vinte anos depois de sua morte continua sendo descoberto como se fosse um artista que principiasse hoje.
E assim, chegamos ao fim, sem responder, ou respondendo de outra forma a questão proposta no título desse texto. Quem concordou, bem, quem não concordou amém, é só escrever respostas e criar o debate e no fim lembrar o velho lema das histórias infantis: entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra.
Paulo Luna